Versão Inglês

Ano:  1988  Vol. 54   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 123 a 126

 

DOENÇA DE MENIÈRE E ARTERIOPATIA VERTEBRAL*

Menière's disease and vertebral arteriopathy

Autor(es): Ney Penteado de Castro Jr.**
Edson Taciro***
Otacilio C. Lopes Filho****

Resumo:
Os autores apresentam um caso clínico de doença de Menière de uma etiopatogenta incomum, uma estenose traumática da artéria vertebral homônima associada a uma atelectasia da luz do saco endolinfático, desencadeadas por um acidente automobilístico aparentemente inofensivo, ocorrido há 2 anos. Aspectos da etiopatogenia são discutidos e são enfatizados os critérios de escolha para a única terapêutica que foi eficaz, a cirurgia do saco endolinfático, no presente caso. Os autores avaliam a eficácia da cirurgia do saco endolinfático, baseados em sua experiência pessoal, favorável à cirurgia do saco endolinfático, em 20 pacientes acompanhados com períodos evolutivos entre 2 a 7 anos.

Introdução

A doença de Menière é uma entidade clínica que apresenta uma história natural extremamente polimorfa, seus sintomas e sinais exibindo uma intensa variação em freqüência e intensidade. Crises vertiginosas, deficiência auditiva flutuante, plenitude auricular e tinitus são os principais sintomas; a V.P.P.B., a diplacusia e a fonofobia constituem sintomas secundários mas muito freqüentes. A avaliação ORL revela um déficit cócleovestibular em grau variado. Histologicamente a doença de Menière foi descrita em 1938 por Halpike e Caimes, como uma distensão do labirinto membranoso, a hidrópsia endolinfática. A descrição do substrato histopatológico da doença de Menière, publicada pelos dois autores, foi fundamental para uma melhor interpretação clínica desta doença. Ela permitiu diferenciar a síndrome de Menière, i.e, a simples presença da tríade sintomática (deficiência auditiva, tinitus, vertigem) da doença de Menière, na qual a presença destes sinomas está condicionada a uma hidrópsia endolinfática. Atualmente a etiologia da doença de Menière é considerada uma entidade multifatorial da qual destacam-se as doenças metabólicas (disglicidemias e dislipidemias), alergia, lues tardia, traumas labirínticos, otites médias, otospongiose e fatores genéticos(1-2-3). Em conseqüência, a avaliação de esquemas terapêuticos e tratamentos cirúrgicos é crítica, quando considerada a longo prazo(4).

Uma das formas de tratamento cirúrgico para a doença de Menière que é muito difundida e aceita é a cirurgia do saco endolinfático, principalmente a derivação endolinfático /mastóide(5-6).

Recentemente a eficácia da cirurgia do saco endolinfático tem sido contestada(7), particularmente por um grupo dinamarquês que fez um estudo duplo cego em pacientes portadores de doença de Menière submetidos a cirurgia do saco endolinfático e seguidos por 6 anos. Thomsen, J. e cols. concluíram que o alívio dos sintomas cócleovestibulares é temporário e não relacionado ao procedimento ao nível do saco endolinfãtico(8-9).

É o objetivo deste trabalho expor um caso clínico de doença de Menière com uma etiopatogenia incomum, causada por uma estenose traumática da artéria vertebral homolateral, que apresentou uma evolução favorável somente com a cirurgia de derivação endolinfático/mastoiodeana do saco endolinfático, com seguimento de 2 anos de pós-operatório.

Uma discussão sobre os aspectos particulares do presente caso é exposta. Os resulados da experiência pessoal dos autores com a cirurgia do saco endolinfático é sumariamente comentada.

Caso Clinico

L.E.D., masculino, branco, de 45 anos e bancário; natural de SP-SP. Há 3 e 112 anos, após acidente automobilístico com trauma cervical (não avaliado clinicamente) vem experimentando crises fugazes de instabilidade tipo "mareio", com zumbidos e plenitude auricular no ouvido esquerdo, periódicas a cada 2 a 3 meses.

Há 1 ano com crises vertiginosas fugazes e intensas, acompanhadas de plenitude auricular, tinitus e deficiência auditiva flutuante e progressiva no ouvido esquerdo. As crises ocorrem 1 a 3 vezes ao mês e o incapacitam para o trabalho; paralelamente observou que a deficiência auditiva no ouvido esquerdo é permanente há 3 meses, apesar de piorar nas crises vertiginosas.

Neste período de 3 e 1/2 anos fez diversos tratamentos, constituidos principalmente pela clortalidona (Higroton), dimenidrato (Dramin B6), medazepan (Nobrium AD) e flunarizina (Vertix), sem melhora do quadro. Paralelamente orientado a regime hipocalórico e hipogorduroso e ocasionalmente medicado com metildopa (Aldomet).

A avaliação ORL foi essencialmente normal; hipertenso moderado com PA: 160/90mm de Hg; notou-se diminuição da mobilidade ativa da região cervical, inicialmente atribuída ao pescoço taurino do paciente.

A avaliação audiológica no ouvido esquerdo revela inicialmente uma audição normal e posteriormente uma deficiência auditiva sensorial, moderada, plana e com queda nas freqüências acima de 4kKz. O teste do glicerol foi negativo. A avaliação eletrofisiológica da audição revelou um PA difásico, típico de resposta sensorial à ECoChG e respostas qualitativamente normais a BSER.

O exame neurológico exibe uma normoreflexia vestibular bilateral.



Figura 1: GT de fossa posterior ao nível dos meatos acústicos internos. Meatos acústicos simétricos e sem deformidades. Exame com constraste.



Figura 2: Planigrafia da articulação occipito-atlantóide esquerda. Articulação com platibasia e subluxação evidenciada pelos traços negros.



Figura 3: Arteriografia por subtração de imagem das artérias vertebrais. VD: artéria vertebral direita pérvia e de calibre normal. VE: artéria vertebral esquerda com calibre muito estreito, desde sua origem na artéria subclávia esquerda.



O perfil bioquímico (glicemia, triglicérides, colesterol, lipidograma) demonstra uma hipertrigliceridemia com hiperfpidemia às custas das frações pré-b e b (rapidamente corrigidas pelo regime alimentar); sororeação para lues (VDRL e FTA-ABS) negativos.

A avaliação radiológica foi constituida de uma CT de ouvido interno e de meato acústico interno, de uma tomografia da transição atlanto-occipital e de uma CT associada a uma vertebrografia seletiva. Esta exploração radiológica revelou uma sub-luxação atlanto-occipital com platibasia e uma insuficiência da artéria vertebral à esquerda.

Na suposição de que tais alterações radiológicas fossem as etiologias de uma hidrópsia endolinfática, foi solicitada uma avaliação pela neurocirurgia e cirurgia vascular. A correção da insuficiência da artéria vertebral esquerda através de uma descompressão dos foramens intervertebrais de conjugação pela neurocirurgia do considerada com pouca probabilidade de sucesso pela equipe neurocirúrgica. O bloqueio do gânglio estrelado, visando uma vasodilatação da artéria vertebral, foi considerado ineficaz pela cirurgia vascular, visto que a insuficiência vertebral era secundária a uma estenose dos foramens intervertebrais de conjugação. Constatada a ineficácia do tratamento clínico empregado, optou-se pela cirurgia do saco endolinfático. Durante o procedimento cirúrgico foi constatada a presença de uma mastóide pneumatizada e com células amplas; o saco endolinfático encontrava-se atrófico e com fibrose em sua luz.

Há 2 anos o paciente foi submetido a cirurgia do saco endolinfático, pela técnica de Shea (derivação endolinfático-mastoideana) com desaparecimento completo do quadro vertiginoso e estabilização da audição.

Discussão

O presente caso testemunha que a doença de Menière é eventualmente um quadro sindrômico, podendo ocorrer multiplicidade de etiologias. No presente caso a etiologia da hidrópsia endolinfática poderia ser atribuída a fatores cardiovascular (hipertensão arterial), metabólico (dislipidemia) e vascular (insuficiência vértebro-basilar). A despeito das correções dos fatores cardiovascular e metabólico, os sintomas persistiram em freqüência e intensidade crescentes e com deterioração da audição, de forma permanente.

Sendo a correção da arteriopatia vertebral não indicada no presente caso, tanto pela neurocirurgia como pela cirurgia vascular, a conduta ponderada foi a cirurgia do saco endolinfático como forma de aliviar os sintomas do paciente. A indicação cirúrgica foi alicerçada na suposição de que a insuficiência vertebral poderia de alguma forma comprometer a irrigação arterial ao nível do saco endolinfático, diminuindo a função de reabsorção de endolinfa. Neste caso em particular o comprometimento da função do saco endolinfático foi também conseqüência do trauma direto, ocasionando uma lesão ou hemorragia intraluminares com posterior fibrose na luz.

A cirurgia foi executada pela técnica de Shea, com a colocação de uma fita de silastic na luz do saco endolinfático, formando uma derivação endolinfático/mastoideana. O paciente encontra-se assintomático há 2 anos e com sua audição estável, o que corresponde a um resultado classe B da A.A.O.&H.N.S. (American Academy of Otolaryngology & Head and Neck Surgery).

Os autores chamam a atenção para esta possibilidade, ainda que rara, de uma insuficiência de artéria vertebral traumática levar a uma síndrome de Menière unilateral.








Os resultados da experiência pessoal dos autores em cirurgia do saco endolinfático, com derivação endolinfáticolmastoideana, em 20 casos, com seguimento pós-operatório entre 2 a 6 anos, com 60% (12:20) de bons resultados (classe A e B da A.A.D & H.N.S.) e com 15% (3:20) de resultados satisfatórios (classe C da A.A.O. & H.N.S.) sugerem que este tipo de tratamento é eficaz, devendo ser utilizado quando a terapêutica clínica convencional se revelar ineficiente.





Distribuição dos casos segundo sexo, idade e resultado pós-operatório.





Summary

Meniere's disease is a multifactorial entity induced by hydrops of inner ear. A rare clinical case of Meniere's disease due to traumatic stenosis of vertebral artery and trauma of endolinfathic system owing to car accident is related. After 2 years of clinical treatment the patient was submited do endolinphatic sac surgery for relief of vertigo and hearing preservation, with god results in 2 years of follow-up. The authors analise 20 patients with Meniere's disease submited to endolinphatic sac surgery. Survyed for 2 to 7 years period. Sixty per cent (60%) of good results (A and B class of A.A.O. & H.N.S.) and 15% of satisfactory results (C class off AA.O. & H.N.S.) prove the surgery's effectiveness whenever the clinical therapy trial is unsuccessful.

Bibliografia

1. PAPARELLA, M.M. "The cause (multifatorial inheritance) and pathogenesis (endolinfatic malabsorption) of Meniere's disease and its symptoms (mechanical and chemical)". Acta Otolaryngol (Stockh) 1985; 99: 445-441
2. PAPARELLA, M.M.; SAJJADI, H.: "Endolymphatic sac enhancement Principles of diagnosis and treatment "American Journal of Otology". 1987; 8: 294-300
3. PULEC-J.L."Meniere's disease" The Otolaryngologic Clinics of North America 1973; 6: 25-39
4. ARENBERG, K.; BALKANY, T.J.; GOLDMAN, G. et all: "The incidence and prevalence of Meniere's disease-A statiscal analysis of limits". The Otolaryngologic Clinics of North America 1980; 13: 597-601
5. SHAMBAUGH Jr, G.E.; Wiet, R.J. "The endoymphatic sac and Meniere's disease". The Otolaryngologic Clinics of North America 1980;13:585-587
6. PAPARELLA, M.M.; GOYCOOLEA, M. "Endolyniphatic enhancement surgery for Meniere's disease-An extension of conservative therapy". Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. 1981; 90: 610-615
7. SCHUKNECHT, H. "Endolymphatic hydrops: can it be controled?". Ann Otol. Rhinol. Laryngol. 1986; 95: 36-39
8. THOMSEN, J.; BRETLEAU, P; TOS, M. et all:"Placebo effect in surgery for Meniere's disease: three year fofow-up". Otolaryngol. Head and Neck Surg. 1983; 91: 183-186
9. THOMSEN, J.; BRETLEAU, P; TOS, M. et al "Endolymphatic sac-mastoid shunt surgery. A nonspecific treatment modality?" Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. 1986; 95: 32-35




* Trabalho realizado no Depto. de ORL - Oftalmo da Sta. Casa de SP.
** Professor Assistente da F.C.M.S.C.S.P.
*** Médico do Depto. de ORL - Oftalmo da Sta. Casa de SP.
**** Professor Pleno e Chefe do Depto. de ORL - Oftalmo da Sta. Casa de SP.

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