Versão Inglês

Ano:  1988  Vol. 54   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 88 a 93

 

ABOLIÇÃO DA COMPONENTE RÁPIDA DO NISTAGMO EM PACIENTE PORTADOR DE DEGENERAÇÃO ESPINO-CEREBELAR - (RELATO DE UM CASO)

Autor(es): Pedro Henrique de Miranda Mota*
Yasuko Imasato Ito**
Maria Inez Campos***
Luciano Padilha Alves****
Maria Valéria Schmidt Goffi Gomez*****
Mário Sérgio Lei Munhoz******
Heloisa Helena Caovilla**
Maurício Malavasi Ganança*******
Pedro Luiz Mangabeira Albernaz********

Resumo:
Diante das dificuldades ainda encontradas para a obtenção de um estimulo adequado para a captação do potencial evocado vestibular, a captação do potencial córneo-retinal tem se constituído como o melhor recurso para a avaliação do sistema vestibular. A electronistagmografia tem possibilitado sensibilizar o estudo do labirinto posterior e suas vias a nível do Sistema Nervoso Central, possibilitando fazer o topodiagnóstico de uma labirintopatia periférica ou central. A descrição deste caso clínico vem enfatizar a importância que devemos dar à observação dos olhos durante a realização do exame vestibular. Neste caso clínico, onde não ocorreu a presença de algum sinal patognomônico como nistagmo espontâneo elou semi-espontáneo de olhos abertos, ausência do efeito inibidor da fixação ocular, etc, que pudesse evidenciar a presença de um comprometimento central, a observação dos olhos do paciente ainda durante a presença do efeito de estimulação rotatória e calórica sobre o labirinto foi fundamental para não se interpretar inadequadamente o registro electronistagmográfico. Não fosse a observação ocular, a abolição da componente rápida do nistagmo não seria constatada, podendo o exame vestibular apresentar apenas una falsa ausência das respostas aos estímulos vestibulares (rotatório e calórico), sugerindo apenas uma morte labiríntica inexistente.

Introdução

As degenerações espiro-cerebelares são classificadas dentro do grupo das enfermidades heredo-familiares da medula espinal e nervos periféricos. Constituem um grupo de desordens degenerativas progressivas em que a ataxia e a disartria decorrentes do acometimento do cerebelo e suas vias se combinam, em maior ou menor grau, com distúrbios de outros sistemas sensoriais e motores. Dentre as degenerações espiro-cerebelares destacam-se a ataxia de Friedreich, a síndrome de Roussy-Levy, a síndrome de Bassen-Komweig, a síndrome de Refsum, a degeneração olivopontocerebelar, a ataxia de Marie e a dissinergia cerebelar mioclônica(7, 8).

A classificação de um paciente portador de degeneração espiro-cerebelar em sua forma clínica não se faz sem dificuldade, devido à multiplicidade de suas formas clinicas às associações freqüentes que pode ocorrer na evolução da doença. Dentre as degenerações espino- cerebelar, a que se encontra co mais freqüência é a doença de Friedreich. Esta se inicia na infância e s manifesta clinicamente por ataxia distúrbios de marcha, disartria, perda dos movimentos sacádicos rápidos, deformidades ósseas, déficits sensoriais distais, cardiomegalia e retardo mental. Anatomopatologicamente observa-se desmielinização e gliose dos tratos espiro-cerebelares, cortico-espinais laterais, colunas posteriores e nervos periféricos(7, 8).

Sridharam, estudando os potenciais evocados visuais em pacientes portadores de degeneração espino-cerebelar, encontrou ausência bem como assimetria destes potenciais em pacientes com ataxia de Friedreich e degeneração oligopontocerebelar. Em pacientes com ataxia espástica os potenciais evocados visuais apresentaram-se simétricos e com latência normal. Estes achados são sugestivos de perda progressiva de fibras nervosas visuais e de condução lenta do estímulo através da fibra(5).

Descrição do caso clínico

E.B.L., 24 anos, sexo masculino, natural e procedente de São Paulo.

Queixa Principal: "Dificuldade para andar".

História Pregressa da Moléstia Atual: refere o paciente que há cerca de 5 anos passou a apresentar dificuldade para correr, caindo freqüentemente. Com a progressão de sua doença, passou a apresentar dificuldade para permanecer em posição ortostática e diminuição da acuidade visual. Com este quadro procurou assistência médica no Hospital São Paulo.

Antecedentes Pessoais: nada digno de nota.

Antecedentes Familiares: refere dois tios paternos com doença semelhante, e já falecidos. Pais não são consanguíneos.

Interrogatório sobre Diversos Aparelhos:

Olhos - diminuição da acuidade visual.

Orelhas - nada digno de nota. Orofaringe e laringe - "engasga" com facilidade. Alterações da voz. Cardiorrespiratório - "falta de ar ao deitar-se".

Gastrintestinal - nada digno de nota.

Exame físico geral: essencialmente normal.

Exame otorrinolaringológico: normal.

Exame psíquico: sem alterações.

Exame neurológico:

- Equilíbrio - oscilações em todas as direções.
- Marcha - atáxica.
- Força muscular - grau V global.
- Tônus - discreta hipertonia global.
- Reflexos profundos - exaltados bilateralmente.
- Reflexos cutâneos:
- Cutâneo-abdominais - presentes e simétricos.
- Cutâneo-plantar - em flexão bilateral.
- Sinais piramidais - hiper-reflexia.
- Sinais de Hoffman e Watenberg - presentes bilateralmente.
- Sinais cerebelares - astasia, dismetria e disdiadococinesia predominantemente à esquerda.

Esfíncteres - sem alterações.

Nervos cranianos - paresia do músculo reto lateral bilateralmente.

Fala - disártrica.

Sensibilidade superficial e profunda - sem alterações.

Exame otoneurológico

Exame Audiológico (fig. 1)

Audiometria Tonal:

Orelha direita: essencialmente normal.

Orelha esquerda: limiares em 25 e 40 dB para as freqüências de 250 e 6K Hz, respectivamente, sendo os limiares para as demais freqüências essencialmente normais.

Discriminação Vocal.

Orelha direita: essencialmente normal.

Orelha esquerda: essencialmente normal.

Timpanometria: Curvas tipo A em ambas as orelhas.

Reflexos estapédicos contralaterais e ipsilaterais presentes em ambas as orelhas, essencialmente normais.

Audiometria de Tronco Cerebral (fig. 2)

Retardo no tempo de latência das ondas bilateralmente, sendo evidenciadas maiores alterações à direita com retardo de latência a partir da onda 2.

Exame Vestibular (fig. 1)

Nistagmo de posição - ausente.

Exame Vecto-electronistagmogrdfico:

Calibração - regular.

Nistagmo espontâneo - ausente com olhos abertos e fechados.
Nistagmo semi-espontâneo - ausente com olhos abertos.
Nistagmo optocinético - abolido. Rastreio pendular - Horizontal - tipo I; Vertical - tipo II
Nistagmo per-rotatório - ausência de resposta nistágmica.
Nistagmo pós-calórico - bloqueio dos olhos nos cantos externo e interno durante a resposta pós-calórica, retomando ao centro após o término do efeito calórico sobre o labirinto. Foram observadas as seguintes respostas com os olhos abertos:

44°C - orelha direita - bloqueio dos olhos no canto esquerdo.
44°C - orelha esquerda - bloqueio dos olhos no canto direito.

30°C - orelha esquerda - bloqueio dos olhos no canto esquerdo.
30°C - orelha direita - bloqueio dos olhos no canto direito.

10°C - orelha esquerda - bloqueio dos olhos no canto esquerdo.
10°C - orelha direita - bloqueio dos olhos no canto direito.

Nistagmo pós-rotatório:

Horizontal: AH - olhos bloqueados no canto esquerdo com discreta tentativa de volta ao centro, acompanhado de sensação de vertigem.

H - olhos bloqueados no canto direito com discreta tentativa de retorno ao centro, acompanhado de sensação de vertigem.

Rotatório: AH - olhos bloqueados no canto esquerdo, acompanhado de sensação de vertigem.





H - olhos ligeiramente bloqueados à direita, acompanhado de sensação de vertigem.

Vertical: AH - olhos bloqueados no canto esquerdo com discreta movimentação vertical, com sensação de vertigem.

Legenda: AH - anti-horário H - horário

Exames complementares

Radiografia de tórax - normal.

Eletrocardiograma - normal.

Hemograma - normal.

Glicemia de jejum - dentro da normalidade.

Hormônios tireoidianos - dentro da normalidade.

Urina 1 - normal.

Eletromiografia - normal.

Estudos do líquido cefaloraquidiano com eletroforese de proteínas - normal.

Tomografia computadorizada - observa-se redução do diâmetro do tronco cerebral e alargamento das cisternas peribulbar, vermianas, prépontina, supraselar, e quadrigêmica. Há acentuação das folhas cerebelares, incluindo vermis. O parênquima cerebral não apresenta alterações antes e após o contraste. Ventrículos cerebrais e cisternas silvianas com forma, topografia e dimensões normais (figs. 3 e 4).

Conclusão: Atrofia cerebelar e do tronco cerebral.



Figuras 3 e 4 - Tomografia computadorizada das regiões cerebelar e do tronco cerebral, onde se observa redução do diâmetro do tronco cerebral e acentuação das folhas cerebelares.



Discussão otoneurológica

Observamos neste caso de degeneração espino-cerebelar uma riqueza de sinais ao exame otoneurológico.

À Audiometria de Tronco Cerebral, verificou-se um retardo na latência das ondas nas duas orelhas.

Ao Exame Vestibular, çonstatouse a abolição da componente rápida do nistagmo pós-calórico e pós-rotatório, onde foi possível observar a ausência desta componente durante a abertura dos olhos, onde estes se mantiveram bloqueados nos cantos da cavidade orbitária até o desaparecimento total do efeito do estímulo calórico e rotatório, possibilitando fazer o topodiagnóstico de lesão do tronco cerebral, contribuindo na confirmação do diagnóstico de degeneração espinocerebelar sugerido pelo quadro clínico e neurológico.

O nistagmo é um movimento dos olhos que se caracteriza pela composição de um movimento lento e um movimento rápido em direção oposta. Por convenção, a direção do nistagmo é referida como sendo a da componente rápida, por ser ela a componente visível(1, 2, 3).

A componente rápida tem parte de sua origem na formação reticular do tronco cerebral, e pode ser modificada quando o paciente ingere drogas que atuam sobre este sistema, tais como a clorpromazina e os barbitúricos. A destruição de áreas de formação reticular do tronco cerebral, como soe acontecer na degeneração espino-cerebelar, altera de maneira significante a velocidade da componente rápida, sem que necessariamente a componente lenta apresente quaisquer modificações(1 ,2 , 3, 4, 6).

Summary

By means of electronystagmography (ENG), the study of the posterior labyrinth and its pathways in the central nervous system and the diagnosis of peripheral and central vestibular disorders, have been possible.

The discription of the present clinical case emphasizes the importance of looking at the eyes during the vestibular exam.

In this case, there was no presence of a pathognomonic sign like spontaneous and /or gaze nystagmus with open eyes, absence of the ocular fixation, etc, that would evidence the presence of a central lesion. The eyes observation during the effect of the rotatory and caloric stimulus was fundamental for the precise interpretation of the ENG recordings. If an accurate eye observation had not been perfomed, the nystagmus fast phase absence could not be noticed, showing then the vestibular exam only a false arreflexia to vestibular stimulus (rotatory and caloric), suggesting a non-existing bilateral labyrinthine death.

Referências bibliográficas

1. ALONSO, J.M. & TATO, J.M. -Tratado de Oto-nino-laringologia y BroncoesofagoIogia. Tomo I, 38 ed. Paz Montalvo, Buenos Aires, 1976. 654 p.
2. MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. & GANANÇA, M.M. -Vertigem, 2ª ed., Moderna, São Paulo, 1976, 174 p.
3. MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L.; GANANÇA, M.M.; ITO, Y.I.; CASTRO, H.D.; CAOVILLA, H.H.- Principais achados ao exame labiríntico nas síndromes do Sistema Nervoso Central. Acta AWHO, 4: 64-72, 1985.
4. MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L.; GANANÇA, M.M.; CAOVILLA, H.H.; TTO, Y.I.; NOVO, N.F.; JULIANO, Y. -Aspectos clínicos e terapêuticos das vertigens. Acta AWHO (Supl. 2), 5, 1986.
5. SRIDHARAM, R. - Visual evoked potentials in spinocerebellar degeneration. Clin. Neurol. Neurosurg., 85, 1983.
6. TOLU, E.; MANELI, O.; RIU, P.L. -Relationship between cerebral nystagmogenic arca and spinal cord. Physiol. Behav. 29: 3015, 1982.
7. V ERGER, P. - As enfermidades genéticas do sistema nervoso. Rassegna, 6: 19-38, 1987.
8. WYNGAARDEN, J.B. & SMITH JR., L.H. - Cecil's Textbook of Medicine, vol. 2, 16ª ed., Interamericana, 1984. p. 2070-74.




Trabalho realizado no Setor Interdiáciplinar de Vestibulometria das Disciplinas de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico da Escola Paulista de Medicina.

* Residente (R2) da Disciplina de Otorrinolaringologia.
** Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico.
*** Aluna do Curso de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudológico (Mestrado).
**** Aluno do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia (Mestrado).
***** Aluna do Curso de Especialização em Vestibulometria.
******Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia.
******* ProfessorAdjunto e Chefe do Setor de Vestibulometria.
******** Professor Titular e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia

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