Versão Inglês

Ano:  1988  Vol. 54   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 57 a 59

 

Manifestações otorrinolaringológicas na Síndrome de Urbach-Wiethe (lipoproteinose)*

Autor(es): Dr. José Antonio Pinto**
Dr. Carlos Antonio Rodrigues de Faria*
Dr. Ricardo Azevedo Sallum***
Dr. Carlos Marigo****

Resumo:
A doença de Urbach-Wiethe, também conhecida como lipoproteinose, é uma doença hereditária, rara, de causa desconhecida, caracterizada por deposição hialina em pele e mucosas. Tem sido melhor estudada pelos dermatologistas, porém, é de interesse dos otorrinolaringologistas devido ao envolvimento do trato respiratório, gastrointestinal e do sistema nervoso central (SNC). Os autores relatam quatro casos em uma mesma família, na qual o principal sintoma era rouquidão logo após o nascimento.

Introdução

A lipoproteinose de UrbachWiethe é uma doença hereditária, rara, decorrente de alteração do metabolismo lipídico, com deposição hialina em pele e mucosas, envolvendo as vias respiratórias, gastrointestinais, geniturinárias e o SNC.

Interessa principalmente aos otorrinolaringologistas e dermatologistas, pois suas características clínicas consistem em rouquidão, lesões cutâneo-mucosas, alterações oculares e dentárias, fotossensitividade, parotidites recurrentes, calcificações intracranianas, além de manifestações sistêmicas como epilepsia, diabetes mellitus e pequena estatura. Siebemann em 1908 descreveu o primeiro caso com rouquidão e Urbach e Wiethe, em 1929, relataram a primeira série de casos - 14 -, estabelecendo a nova entidade clínica e histológica com o nome de "Lipoidosis Cutis et Mucosae"1. Em 1932, Urbach mudou a terminologia para lipoproteinose.

Mais de 150 casos têm sido registrados na literatura mundial, inclusive nacional, porém raramente enfatizando os achados otorrinolaringológicos.

A etiologia é desconhecida e é atualmente considerada uma lipoproteinose, de transmissão hereditária e recessiva, com alta incidência de consangüinidade (20%).2, 3, 4

Manifestações clínicas

A característica mais comum da lipoproteinose de Urbach-Wiethe tem sido os sintomas laríngicos, com rouquidão precoce e mesmo dispnéia.5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12

Além do envolvimento da pele, a mucosa das vias aéreas-digestivas e o SNC, podem apresentar, em maior ou menor grau, depósitos anormais de lipoglicoproteínas, principalmente ao nível de vasos sangüíneos e glândulas sudoríparas.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com a amiloidose, a sarcoidose, as xantomatoses e o mixedema.

O aparecimento da rouquidão já nos primeiros dias de vida, associada ou não a problemas respiratórios, f com que o otorrinolaringologista seja, na maioria das vezes, o 1° médico a tratar deste tipo de pacientes.

O exame otorrinolaringológico mostra infiltrações amarelo-esbranquiçadas de lábios, língua e faringe A língua apresenta-se endurecida parecendo de madeira e com mobilidade diminuída.

A epiglote, bandas ventriculares cordas vocais estão engrossadas e infiltradas por depósitos amarelo-esbranquiçados, podendo haver diminuição de sua mobilidade.

Achados histopatológicos: - Jesenta, usando microscopia óptica encontrou moderada acantose, hiper queratose em lesões papilomatosa da margem das pálpebras. Grand quantidade de material hialino e osinofílico substituía o tecido conjuntivo normal, porém sem reação inflamatória. Os depósitos, adjacentes à células do epitélio basal, eram cora dos fortemente com PAS e fraca mente com feno coloidal, exibindo graus variáveis de metacromasia co cristal de violeta. A coloração ver melho Congo foi negativa par substâncias amiloides. As secçõe congeladas coraram fracamente, ma positivamente com Sudam Preto Oleo Vermelho. As paredes dos vasos sangüíneos estavam espessado por deposição de subíntima de material similar. As glândulas salivares e folículos pilosos não mostraram nenhuma deposição. A coloração de Verhoeff-un Greson revelou um aumento de fibras elásticas na camada profunda dos lábios.

Relato de casos

Apresentaremos 4 casos (4 irmãos) de uma mesma família com 13 irmãos.

CASO N° 01

R.M.P. - 25 anos, fem., branca, solteira.

Rouquidão há 25 anos, a qual iniciou-se aos 3 meses de idade, juntamente com lesões ulceradas da pele que drenavam secreção escura e, após, formavam cistos que ao caírem deixavam uma depressão na pele.

Referia ainda secura nasal com obstrução bilateral e dificuldade à deglutição:

O exame otorrinolaringológico mostrou: Orofaringe - Lábios espessos, ressecados e fissurados. Mucosa esbranquiçada difusamente, com a língua infiltrada, rígida, e com motilidade diminuída. Dentes em precária condição. Palato mole infiltrado e pouco móvel. (Fig. 1)

Nariz: Pele do vestíbulo nasal espessada e fissurada. Mucosa nasal discretamente pálida.

À laringoscopia indireta observamos mucosa espessada, com placas amarelo-esbranquiçadas envolvendo epiglote, ligamentos e bandas ventriculares. As cordas vocais estão espessadas, com aspecto granuloso principalmente na comissura posterior. Motilidade discretamente diminuída. (Fig. 2)

Pele com lesões papulosas branco-amareladas de 1 a 5 mm de diâmetro, confluentes, coalescentes ou não, localizadas na região orbital, orifícios nasais, pavilhões auriculares e dorso das mãos.

Placas verrucóides nas regiões posteriores dos cotovelos, anterior e posterior dos punhos, superfície extensora das articulações interfalangeanas dos quirodáctílos e pododáctilos, dobra interglútea, região anal, bordas anteriores e posteriores das planta dos pés e região periungueal dos pododáctilos.



Fig. 1 - Lábios ressecados, espessos, fissurados, com placas amarelo-esbranquiçadas que se estendem por toda mucosa bucal. Língua espessada, dura, com limitação de movimento.
Dentes mal conservados. I



Fig. 2 - Mucosa da laringe difusamente pálida, infeltrada, irregular, com aspecto granuloso. Tônus diminuído.



Espessamento difuso da pele da face, pescoço e região vertebral inferior.

Cicatrizes arredondadas, deprimidas, cor de pele normal ou hipocrômica na região superior do tronco, braço e antebraço direito e esquerdo e região anterior dos joelhos.

Todas as lesões se distribuem de maneira mais ou menos simétrica. Exames radiológicos e hematológicos não mostraram alterações. Submetida à microlaringoscopia de suspensão foi removido tecido da laringe para estudo histológico, revelando tratar-se de hialinose.

CASO N° 2

M.B.P. - 17 anos, fem., branca, solteira.

Disfonia e lesões bolhosas na pele que se iniciaram aos 4 meses de idade com choro rouco e aparecimento de lesões cutâneas ao nível das articulações. Houve evolução do quadro com a piora das lesões e da disfonia. Os exames otorrinolaringológico e dermatológico foram idênticos ao casol.

CASO N° 3

J.B.P. - 11 anos, masc., branco, solteiro.

Apresentando lesões de pele e disfonia desde os 3 meses de idade Aos 3 anos de idade apareceram lesões pari-ungueais e labiais com ressecamento, endurecido e posteriormente rachaduras.

A doença se mostrou de caráter evolutivo.

Exame otorrinolaringológico e dermatológico semelhantes aos casos I e II.

CASO N° 4

D.B.P. - 6 anos, fem., branca solteira.

Choro rouco desde os 3 meses de idade. Aos 6 meses apareceram várias lesões na língua que depois também acometeram aos braços e joelhos. Também este mostra exame otorrinolaringológico semelhante aos demais.

Em todos estes pacientes foi realizado exame laringoscópico direto com estudo histopatológico.

As biopsias realizadas ao nível da epiglote e aritenoides nos quatro pacientes revelou acantose no epitélio de revestimento com hialinização difusa do corium. (Fig. 3)

Comentários

A Síndrome de Urbach-Wiethe é uma afecção rara, conseqüente à deposição anómala de lipoproteínas em pele e mucosas.

É mais familiar ao dermatologista, porém o otorrinolaringologista deve estar alerta a esta entidade, cuja manifestação clínica é rouquidão precoce e persistente.



Fig. 3 - Fotomicrografta da lesão larfngea: O epitélfo da mucosa está conservado, mas o conum encontra-se acentuadamente alargado pela presença de abundante tecido fabro-hialino, comprometendo inclusive a parede dos vasos e caracterizando a "hialinose- desta síndrome.



Nenhuma forma de tratamento específico tem sido efetiva na lipoproteinose, sendo sua evolução geralmente benigna. Corticosteróides têm sido utilizados com alguma melhora clínica. A rouquidão e dispnéia podem acentuar-se de acordo com maior grau de envolvimento das cordas vocais.

Nestas eventualidades a microlaringoscopia com remoção das granulações produz melhora dos sintomas.

A traqueotomia pode ser necessária para prevenir quadros de asfixia. Todos os nossos 4 pacientes são irmãos, cujo acompanhamento vem sendo feito há 5 anos, que apresentam disfonia desde o nascimento, sendo que em 2 deles tivemos que realizar microlaringoscopiás para remoção de lesões da laringe e melhora de disfonia e dispnéia. Em nenhum foi necessária a traqueotomia.

Summary

Otorhinolaryngic manifestations in the Urbach-Wiethe disease (lipoid proteinosis)

Urbach-Wiethe's disease, alsc known as lipoid proteinosis, is a rare hereditary disorder of hyalin deposition in skin and mucous membranes. It is of interest to the otolaryngologist because your involvemeni in the respiratory, gastrointestinal tract and central nervous system.

The authors report four cases in a same family, in which the mais sympton was hoarsen ess since the birth.

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Endereço do Autor:
José Antonio Pinto
Av. Indianápolis 2.320
Planalto Paulista - São Paulo
CEP: 04062

* Trabalho realizado pelo Núcleo de ORL de São Paulo
** Diretor do Núcleo de ORL de São Paulo
*** Ex-residentes em Otorrinolaringologia do Hospital lbirapuera de São Paulo
**** Prof. do Depart. de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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