Ano: 1988 Vol. 54 Ed. 2 - Abril - Junho - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 51 a 53
CONSIDERAÇÕES SOBRE COLESTEATOMAS RESIDUAIS E IATROGÊNICOS
Autor(es):
Nelson Caldas*
Silvio Caldas Neto*
Colesteatoma(1, 2) é uma tumoração cística de epitélio escamoso estratificado que cresce em lugares atípicos do osso temporal com grande predileção para os espaços do ouvido médio e mastóide. Por pressão de atrito e, para alguns autores, também, pela presença de uma colagenase, é capaz de provocar reabsorção óssea, podendo assim causar grandes destruições deste tecido ao redor de sua cápsula, chamada, também, de matriz. Em geral acumula em sua cavidade cística escamas de queratina esfoliada, que fornece um excelente meio de cultura para infecção. É freqüentemente associado a cristais de colesterol, como sugere seu nome, e células inflamatórias. De etiologia discutida, parece, às vezes, que mais de uma condição contribui para sua formação(3). Sua capacidade expansiva e destrutiva geralmente compromete a cadeia ossicular do ouvido médio, podendo eventualmente erosar as proteções ósseas do ouvido interno, nervo facial, meninges e seio lateral, provocando lesões locais ou infecções à distância que podem levar paciente a incapacidades funcionais permanentes ou, mesmo, à morte.
O tratamento do colesteatoma é essencialmente cirúrgico na quase totalidade dos casos. De uma maneira geral, os objetivos da cirurgia são, primordialmente, a total erradicação da doença através de minuciosa dissecção sob microscópio e, em segundo lugar, a manutenção da anatomia, a melhora da audição e a prevenção de recidivas. Lamentavelmente nem sempre esses objetivos podem ser alcançados simultaneamente, pois freqüentemente eles se antagonizam. Quando queremos ser mais radicais, prejudicamos a anatomia e a audição. Quando somos mais conservadores aumentarmos as possibilidades de recidivas e assim por diante. Sendo a erradicação da doença o objetivo primordial, logicamente, a prevenção de recidivas é da maior importância. As recidivas acontecem basicamente por duas razoes(4): 1) formação de um novo colesteatoma a partir de uma refração timpânica a nível do ático ou seio posterior, chamado de colesteatoma recidivante recurrente; 2) formação de colesteatoma a partir de restos epiteliais deixados pelo cirurgião no decorrer da mais cuidadosa dissecção, chamado colesteatoma recidivante residual. Estes restos em geral enrolam-se sobre si mesmo, formando pequenos cistos cheios de queratina e a que se deu o nome de "pérolas". A princípio, são pequenas, de milímetros, podendo crescer e ocupar novamente toda a cavidade de onde renasceram. Mais raramente, os restos epiteliais não se enrolam e crescem planas atapetando a cavidade.
De uma maneira geral, duas técnicas têm sido empregadas nas cirurgias do colesteatoma. A chamada técnica aberta, basicamente, assume a forma de uma mastoidectomia radical modificada, onde a parede posterior do conduto auditivo externo derrubada, quando ouvido externo mastóide passam a ser na cirurgia no pós-operatório uma cavidade única. A técnica fechada assume a forma de uma mastoidectomia simples mas ampliada, onde o cirurgião atua também na caixa timpânica através de uma aticotomia posterior e abertura do recesso facial(11). Vantagens desvantagens têm sido apontadas na literatura a respeito das duas técnicas. Entre elas podemos referir que na técnica aberta, a criação de uma cavidade pós-operatória, que em geral necessita de cuidados pelo resto da vida, seria uma desvantagem. P outro lado, parece que o percentual de colesteatoma recidivante residual é menor e o controle da área operatória é sempre possível pela otoscopia. Além disso, a formação de colesteatoma recidivante por invaginação em fundo de saco não mais acontecer por falta de espaços aéreos. Na técnica fechada, a ama mia do conduto auditivo externo mantida, evitando-se uma cavidade pós-operatória e os resultados funcionais auditivos são melhores. No entanto, conservando-se essa anatomia, um colesteatoma recidivante recurrente poderá formar-se por retração em fundo de saco e o percentual de colesteatoma residual parece aumentar em relação às técnicas abertas. Quando isto acontece, ele pode ser percebido pela otoscopia pós-operatório, pois a conserva da parede do conduto não permite exatamente por causa da possibilidade de um colesteatoma residual poder crescer fora do nosso controle e, mais tarde, ocupar toda a cavidade da mastóide e ouvido médio que, nas técnicas fechadas, a maioria dos autores aconselham um segundo tempo peratório seis a doze meses após a primeira cirurgia com a finalidade de ispecção dessa possível recidiva oculta. Se presentes, elas seriam em tempo eliminadas e a cavidade novamente fechada, agora, sem maiores reocupações.
O colesteatoma residual tem sido encontrado durante um segundo tempo operatório em diferentes percentuais, variando de dois a 50% entre os diversos autores(4, 5, 6, 7,8, 9, 10), tendo-se observado uma maior inciência nas crianças.
Estudando, com outra finalidade, 6 casos de pacientes que foram submetidos a um segundo tempo peratório para inspecção de colesteatoma residual, descobrimos que ele esteve presente em oito (30,7%). Por outro lado, foi curioso perceber e dois deles não tinham as características de "inadvertidamente deixados durante a primeira cirurgia", mas, sim, de "implantados", ou seja, iatrogênicos, pois foram encontrados sob a forma de pérolas distantes da área onde o colesteatoma original foi ssecado. Os outros seis, não, as recidivas foram encontradas em áreas anteriormente ocupadas pelo colesteatoma original.
CASO 1
Z.M.S. Fem. 15 anos. Prontuário: 018
H.D.A. - Há vários anos, supurção auricular e hipoacusia bilateral, pior no ouvido direito.
Otoscopia - Perfuração timpânica infectada bilateral.
Audiometria - Hipoacusia do tipo dutivo bilateral a nível de 60 dbs.
1ª Cirurgia 25.04.78 - Timpanotia com mastoidectomia direita, via retroauricular. Colesteatoma de ático e seio posterior por invaginacão timpânica independente da perfuração. Martelo, bigorna e ramos do estribo erosados tiveram seus restos retirados. Mastoidectomia em conservação da parede
posterior do conduto auditivo externo com alargamento do ático e abertura do recesso facial. Colesteatoma dissecado de ambas as regiões. Caixa foi revestida com folha de silicónio e fragmento de fáscia temporal selou perfuração.
2ª Cirurgia 30.10.78 - Revisão de timpanoplastia com mastoidectomia, via retroauricular, cavidade da mastóide ocupada por tecido fibroso frouxo. Pequena pérola de colesteatoma ao nível do ângulo sino-ducal, que foi retirada. Restos de colestatoma, atapetando área do recesso facial, foram dissecados com boa margem de segurança. Folha de silicónio parcialmente enrolada sobre si. Reconstrução ossicular com PORP de plastipore entre platina e tímpano com fragmento de periósteo interposto.
CASO 2
J.D.B.M. Fem. 33 anos. Prontuário: 21540
H.D.A. - Supuração auricular direita desde criança. Atualmente, otalgia deste lado.
Otoscopia - OD: Retração timpânica "póstero-superior em fundo de saco, com escamas aspiradas. Perfuração timpânica infectada poster-inferior. OE: normal.
Audiometria - Hipoacusia do tipo condutivo direita a nível de 65 bds. Ouvido esquerdo normal.
1ª Cirurgia 11.07.84 - Timpanoplastia com mastoidectomia direita, via retroauricular. Colesteatoma em fundo de saco ocupando ático e seio posterior. Bigorna semidestruída fundida com o martelo foi retirada. Ramos do estribo ausentes. Cabeça e colo do martelo seccionados. Mastoidectomia com conservação da parede posterior do conduto auditivo externo em mastóide um pouco atrófica. Ático alargado e recesso facial foi aberto, dissecando-se colesteatoma destas regiões. Resto de tímpano aderido, em alguns pontos, ao fundo da caixa foi liberado. Fragmento de Fáscia temporal selou perfuração larga póstero-superior criada na cirurgia. Tubo de ventilação em "carretel" introduzido no quadrante timpânico ântero-superior.
2ª Cirurgia 28.04.86 -Revisão de timpanoplastia com mastofdectomia direita, via retroauricular. Mastóide arejada. Pérola de colesteatoma na mastóide a nível do antro, de 3 milímetros, foi dissecada e retirada. Tímpano aderido à parte posterior da caixa timpânica. Alguma ossificação da parte anterior do nicho da janela oval. Reconstrução ossicular com TORP de plastipore entre platina e tímpano com fragmento de cartilagem interposto após introdução da folha de silicónio sobre parede medial da caixa.
Vê-se pois que, em ambos os casos, o colesteatoma original limitava-se à caixa timpânica, não chegando nem a aparecer no "auditus". No primeiro caso, uma recidiva residual típica apareceu no recesso facial, onde, inclusive, é difícil se dissecar, mas outra foi supreendida no ângulo sino-ducal, onde, sem dúvida, o colesteatoma original não estava. Da mesma maneira, no segundo caso, uma pérola do colesteatoma foi encontrada no antro da mastóide. Nenhuma das duas pérolas poderiam ser resultantes de restos de colesteatoma inadvertidamente deixados em um lugar onde, simplesmente, não existiam. Assim sendo, temos que acretitar que elas foram resultantes de implantação desconhecida pelo cirurgião de restos epiteliais da região do ático da mastóide, onde cresceram em forma de pérolas, como geralmente o fazem. Outros exemplos de implantação de epitélio escamoso no ouvido médio têm sido relatados na literatura(3) como conseqüência de fraturas do osso temporal e sepultamento do tecido escamoso em timpanoplastias. Punções repetidas da coluna lombar podem resultar na formação de cistos epiteliais da coluna vertebral, pois a agulha poderá veicular tecido escamoso da superfície. Encontramos na literaturas) descrição de pérolas de colesteatoma iatrogênicas que poderiam ter sido transportadas da caixa timpânica para a mastóide a partir da fragmentação de restos epiteliais durante a dissecção da matriz do colesteatoma e que poderiam ser levados pela irrigação para pequenas células mastoídeas ou, mesmo, canais de Havers expostos e aí permanecerem ocultos para futuro desenvolvimento. A fragmentação do colesteatoma com uma broca cortante, como às vezes inevitavelmente ocorre, representaria uma perigosa possibilidade de implantação à distância. Por outro lado, a exemplo de nossos dois casos, o colesteatoma implantado pôde ser caracterizado como tal, porque o original era ático e a recidiva, na mastoíde. Mas e nos casos de colesteatomas generalizados de ouvido médio e mastoíde? Corno vamos diferenciar a recidiva residual clássica da implantada? Talvez seja por isso que cirurgiões excepcionalmente detalhistas, hábeis e cuidadosos, que passam horas trabalhando em cima de uma pequena célula atapetada de colesteatoma, continuem a ter suas recidivas em número apreciável e aparentemente injusto.
Da discussão acima desenvolvida, concluiremos que: 1 - O colesteatoma residual clássico (resultante de restos deixados pelo cirurgião no local da dissecção) é morfológica e cirurgicamente idêntico ao implantado (resultante de restos transportados do local da dissecção para outro ou por coincidência para a mesma área original). 2 - Seria impossível saber-se exatamente o percentual de colesteatomas residuais clássicos de cada cirurgião sem a poluição estatística dos implantados. 3 - Medidas devem ser pensadas para se diminuir a possibilidade de implantação de restos epiteliais na cirurgia dos Colesteatomas.
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* Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia U.F.PE.
** Bolsista do CNPq U.F.PE.