Breve Noticia Sobrea Vida Científica do Prof. Paulo Mangabeira Albernaz*
Autor(es): Edgar de Cerqueira Falcão
O velho Hospital Santa Isabel, construído e aparelhado pela quadricentenária Misericórdia da Bahia durante o século passado, no aprazível bairro de Nazareth da Cidade de Salvador, foi, até as três primeiras décadas da centúria atual, mais ou menos, o único nosocômio de vulto, destinado a internações para tratamento médico-cirúrgico de doenças Breve Notícia Sobre a Vida Científica do
gerais, de que dispunha a capital bahiana.
Firmado contrato em 1903, com a Faculdade de Medicina da Bahia, nele se instalaram e passaram a funcionar as diferentes clínicas constantes do aprendizado médico, confiadas as enfermeiras a catedráticos e docentes outros daquela famosa escola.
Em 1911, a Reforma do Ensino Rivadávia Correia, tão condenada na época e até os dias que correm, desdobrando a cátedra de oftalmologia, criou uma especialidade nova, a qual Killian, na Alemanha, emprestara individualidade própria: a otorrinolaringologia.
Para felicidade da Bahia, ex-vi dessa reforma, ao lado de outros elementos de valor discutível, ingressou no magistério superior médico das plagas soteropolitanas, guindado desde logo a catedrático da nova disciplina, afeiçoado e competentíssimo discípulo de Hilário de Gouveia, o Prof. Eduardo Rodrigues de Moraes.
Viajadíssimo, freqüentando com assiduidade as mais afamadas clínicas européias da ocasião (de Viena d'Áustria e de Paris, sobretudo), trouxe Moraes, para o meio bahiano, o que havia então, de mais moderno, praticando, outrossim, de início, as mais ousadas intervenções cirúrgicas especializadas, com absoluto êxito, na qualidade de pioneiro delas no Brasil. Viveiro de especialistas alimentados com o entusiasmo e o saber de Moraes, a cátedra de otorrinolaringologia da Bahia, modestamente instalada em acanhado espaço do pavimento térreo do Santa Isabel, dispondo de poucos leitos esparsos em mais de uma enfermaria, só podia dar, como de fato aconteceu, grandes especialistas, que se espalharam de norte a sul do país. Entre eles, figura o que nos ocupa a atenção neste passo: PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ.
No decorrer de 1915 (Agosto), terceiranista de Medicina, calouro de hospital na gíria acadêmica, entrou Mangabeira-Albernaz a freqüentar, ininterruptamente, o serviço de Moraes, do qual veio a ser interno oficial, de fins de 1917 a fins de 1918. Desviada, em parte, sua atenção para outros rumos, como estudante, integrou-se na Secção de Bacteriologia do Instituto Oswaldo Cruz da Bahia (Canela), na qual atuou na condição de auxiliar acadêmico, a partir de 1916, tendo tido ensejo de escrever tese para o doutorado, a versar sobre o germe da raiva. Ainda durante o curso, no ano de 1917 (Março), foi nomeado ajudante de preparador do Laboratório de Anatomia e Fisiologia Patológicas.
Diplomado em Medicina, permaneceu Mangabeira-Albernaz mais de dois anos na Cidade de Salvador, clinicando particularmente como otorrinolaringologista e freqüentando o serviço de Moraes, como assistente voluntário.
Em 1920, ao realizar-se célebre concurso para Anatomia Descritiva e Topográfica na Faculdade de Medicina da Bahia, no qual terçaram armas Ignácio de Menezes e Fróes da Fonseca, saindo este vitorioso, ocorreu certo incidente que veio a ter profunda influência na atuação futura de nosso homenageado. Argüindo uma das teses de Fróes da Fonseca, criticou o Prof. Adeodato de Souza o emprego do vocábulo orelha para significar o aparelho da audição (orelha externa, orelha média e orelha interna), acoimando-o de galicismo grosseiro. Daí nasceu empolgante controvérsia, em que se envolveram vários estudiosos da língua portuguesa, inclusive o Prof. Moraes, que se declarou partidário da vernaculidade do termo usado pelo candidato Fróes da Fonseca. Entrando na liça, Mangabeira-Albernaz teve oportunidade de se colocar ao lado do mestre e de produzir dois trabalhosz sobre a famosa questão orelha e ouvido, ponto de partida que foram para o seu contínuo batalhar futuro em prol da correção da linguagem médica. Analisando a origem de vocábulos técnicos, grafados e pronunciados de diferentes maneiras, tratou Paulo Mangabei ra-Albernaz, durante quase todo o período de seu longo tirocínio clínico e didático, de elucidar a forma mais acertada a ser utilizada em cada caso. Disso lhe advieram acirradas polêmicas, dentro e fora do país, das quais se saiu sempre galhardamente. Três volumes, dois impressos no Brasil (Questões de Linguagem Médica, 1.a série, 1944, e 2.a série, 1962), e um em Portugal ("Lições de Terminologia Médica", 1949) enfeixam os múltiplos ensinamentos que divulgou sobre a matéria. É, talvez, a maior contribuição brasileira, no gênero.
E neste particular, segundo o critério ou a opinião do Prof. Pedro Pinto, pode ser considerado a nossa maior autoridade em assuntos de linguagem médica3.
Espírito sempre voltado para as cogitações científicas, por vocação inata, Mangabeira-Albernaz, desde o início, em sua vida profissional, não perdeu oportunidade de fazer meticulosas observações, em derredor de casos clínicos que lhe despertaram maior interesse, anotando-as rigorosamente e tecendo adequados comentários. Dessa forma, logo lhe chamaram a atenção os distúrbios motores e sensitivos dos nervos cranianos entrosados com a otorrinolaringologia. A propósito da síndrome neurológica de Vernet e das paralisias combinadas dos quatro últimos pares craneanos, estampou no Brasil Médico4 e nos Arquivos Brasileiros de Medicinas, bem fundamentados estudos, nos anos de 1920 e 1921. Nessa quadra ainda, imaginou novo método de aplicações de pasta corrosiva (pasta de Londres), como meio de ablação das amígdalas palatinas, em casos contra-indicados para as intervenções cirúrgicass.
Transferindo residência para o sul do país, fixou-se o discípulo de Moraes na cidade de Jaú, Estado de São Paulo, em Maio de 1921. Ambiente acanhado, desprovido de maior campo de investigação, entrou nosso homenageado a criar nele centros de observação e pesquisa. Congregando colegas locais e das redondezas próximas, idealistas e esforçados como ele, fundou, em 1922, a Sociedade de Medicina e Cirurgia de Jaú, havendo pouco antes, criado o serviço de otorrinolaringologia da Santa Casa dessa cidade.
Coincidindo com a mudança de Mangabeira para o Estado de São Paulo, surgiu no ano de 1921, grande novidade terapêutica na Europa: Sazerac e Levaditi apregoavam surpreendente êxito no tratamento da sífilis, mediante o emprego intramuscular de sais insoláveis de bismuto (tártaro-bismutato de potássio e sódio), em suspensão oleosa. Por analogia, passou o otorrinolaringologista de Jaú, a experimentar, por sua vez, em manifestações clínicas ligadas a germes da mesma família do Treponema pallidum, os sais de bismuto, sob a forma tópica, realizando curas brilhantes na angina de Plaut-Vincent, causada pela simbiose fuso-espiroquética. Manifestações outras dessa associação microbiana igualmente se mostraram sensíveis a semelhante terapêutica, nas mãos de Mangabeira, como foi o caso da chamada úlcera tropical, afecção para a qual o arsenal medicamentoso se constituía de um verdadeiro mare magnum (cerca de sessenta métodos de tratamento). Divulgados a princípio no Brasil7, tais estudos e observações do especialista de Jaú, com o correr do tempo, se desdobraram em múltiplos trabalhosa que atravessaram as fronteiras do país, tornando-se conhecidos nos meios europeus e norte-americanos9, e destes, recebendo o maior apreço e confirmação, a ponto de não faltar quem quisesse deles se apropriar para obter títulos'°, ou, divergindo, por outro lado, para desmerecer o valor da contribuição brasileira. Defendeu Mangabeira, então, sempre com a máxima segurança, os seus direitos de inovador, rebatendo com vantagem os opositores".
O interesse despertado por estes estudos, levou uma especialista francesa, Mlle. Jeanne Le Goff, a escrever sua tese de doutoramento, apresentada à Faculdade de Medicina de Paris, sobre a ação do bismuto local na angina de Plaut-Vincent, corroborando plenamente os resultados obtidos pelo especialista brasileiro 12.
Ainda em Jaú (1924), sem deixar escapar oportunidade de observar fatos inéditos, teve ocasião o nosso homenageado de surpreender nova manifestação mucosa da leishmaniose tegumentar, a famigerada úlcera de Bauru. No septo nasal de três pacientes acometidos desse mal, verificou a presença de tumores fibróides evidentemente ligados ao mesmo agente etiológico (Leishmania braziliensis). Mais tarde, num quarto caso por ele observado já em Campinas, melhor estudado, com exame anátomo-patológico minucioso da peça retirada, confirmou-se a natureza granulomatosa em apreço13.
No ano de 1926, convidado por Carlos Penteado Stevenson para instalar e dirigir completo serviço otorrinolaringológico, em modelar hospital oftalmológico então em organização em Campinas14, mudou-se MangabeiraAlbernaz para essa cidade; onde permanece até os dias que correm.
Também em Campinas, foi-lhe dado ensejo de criar o serviço de otorrinolaringologia na Santa Casa, chefiando-o até o ano de 1956. Ingressou, outrossim, na Soc. de Medicina e Cirurgia local, da qual veio a ser presidente em 1929 e sócio benemérito em 1935.
Sem perder jamais o fogo sagrado, costumava o aplicado otorrinolaringologista freqüentar congressos da especialidade, aos quais levava o produto de seus novos e sucessivos estudos. Assim, em 1926, ao reunir-se a Primeira Semana Otorrino-neuro-oculística de São Paulo, compareceu sobraçando quatro trabalhos15 e tomou parte saliente nas discussões. No ano imediato (1927), igualmente esteve presente à Semana Oftalmo-neurológica, também promovida pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, apresentando mais duas excelentes comunicações16. Ao 1.0 Congresso internacional de Otorrinolaringologia, reunido em Copenhague, no ano de 1928, foi o único especialista brasileiro a enviar contribuições, em número de quatro17, e em 1932, ao da Societas Oto-rhino-laryngologica Latina, mandou mais uma. Na Segunda Semana Otorrinolaringológica de São Paulo, de 1936, tomou parte, outrossim, com quatro trabalhos18. Enfim, nunca faltou a reuniões em que se discutissem temas de otorrinolaringologia, no Brasil, levando a todas elas, o produto de suas observações, sempre tocadas de originalidade.
No ano de 1929, convidado pelo então redator secretário do Brasil Médico, o saudoso Jorge Pinto, redigiu Mangabeira-Albernaz para as colunas daquele semanário, magnífica série de noções básicas de sua especialidade, destinadas a clínicos gerais, reunidas, por fim, em compêndio sob o título de "Oto-rino-laringologia Prática" saído do prelo da revista em apreço, no ano de 1930. Ingressava, dessa forma, meu colega e amigo no magistério, antes mesmo de qualquer função oficial, produzindo excelentes lições para um grande público médico, espalhado por todos os recantos da Pátria. 0 sucesso alcançado pela edição, foi, como se costuma dizer, espetacular. El Dia Médico, de Buenos Aires, dando-lhe o máximo apreço, solicitou permissão ao Autor, para traduzi-lo para o castelhano e difundi-lo na República Argentina, o que se concretizou sem perda de tempo19. Em quatro anos, esgotou-se a 1.a edição. Abrindo um parêntese, devo declarar que, indiretamente, contribuí eu, de modo decisivo, para esse resultado, conforme passo a expor. Adepto da simplificação ortográfica da língua portuguesa, estabelecida e proposta em 1911, por Gonçalves Viana, de Portugal, Mangabeira sempre escreveu pela fonética, como se costumava dizer na ocasião. Os seus primeiros artigos mandados a publicar no Brasil Médico (que então se intitulava Brazil Médico, com z), redigidos e grafados de maneira simplificada, eram estampados depois de sofrerem absurdas alterações ortográficas, de acordo com os modelos uisuais na época, sem nenhuma consideração às preferências do autor. Abespinhou-se este de tal forma, a ponto de escrever à Redação cortando relações com a revista intransigente e bandeando-se para o Jornal dos Clínicos, que lhe respeitava o modo de grafar. Em 1927, após a profunda remodelação porque passou o Brasil Médico, adotando inclusive a grafia correta de Brasil com "s", mostrou-se Mangabeira inclinado a fazer as pazes. Aproveitando o ensejo, promovi então nova aproximação, tomandolhe aos originais e interessantes contribuições sobre sindrome de Gradenigo e enviando-as, eu próprio, a Jorge Pinto, que as publicou a inteiro contento do autor. Feita a reconciliação, abriu-se o caminho para novas colaborações, do que veio a resultar o opúsculo vitorioso. Oito edições já se sucederam, cada qual melhorada e mais bem apresentada do ponto de vista gráfico. A partir da segunda, contou com a colaboração artística do seu saudoso irmão Francisco, habilíssimo desenhista, que ilustrou ricamente a obra. Da sétima em diante, teve Mangabeira a ventura de ver participarem do seu esforço didático, os seus três filhos, Luiz Gastão, Paulo e Pedro Luiz, dignos herdeiros do seu nome já glorioso e continuadores, à altura, de sua missão altruística. Dos três, o mais novo, Pedro Luiz, com o mesmo fervor paterno, tem-se dedicado especialmente à otologia e traçou capítulo inteiramente novo para o volume em tela. Quando frequentei o serviço de Moraes, de 1922 a 1925, era o Laurens20 que nos desvendava a senda, fornecendo as primeiras noções da especialidade. Hoje, em todas as escolas médicas do Brasil, o Laurens foi substituído com vantagem pelo manual dos Mangabeira-Albernaz.
No terreno publicitário de obras científicas, constitui, sem dúvida, outra grande iniciativa do conceituado otorrinolaringologista em apreço, a edição de um volume de nosso biografado: 416 páginas sob o título de "Clínica Oto-rino-laringológíca'% a primeira lançada em língua portuguesa, datada de 1933, a enfeixar contribuições agrupadas em três secções, a saber: a) laringo-oto-neurologia; b) otorrinolaringologia exótica; c) cirurgia otorrinolaringológica. Acham-se reunidos, na primeira parte, todos os seus estudos acerca de afecções neurológicas em conexão com a oto e a laringoiatria, em número de dez comunicações, a versarem sobre paralisias combinadas dos quatro últimos pares cranianos, síndromes de Vernet, Foix, LonghiAvellis, Schmidt, Gradenigo, Menière, nistagmo de posição, etc. Condensa a segunda parte contribuições ligadas às chamadas doenças tropicais. Três temas forneceram-lhe matéria para mais nove explanações: a fuso-espiroquetose, o pólipo da leishmaniose e o gundu. Esmiuçou com exaustiva proficiência a etiologia e a terapêutica da angina de Plaut-Víncent, bem como o acantonamento auricular da associação fuso-espiroquética, trazendo contingentes inteiramente originais. Individualizou o pólipo da leishmaniose, clínica e anátomo-patologicamente. Elaborou sobre o gundu considerações de vária ordem, baseadas num caso que lhe foi dado observar, discreteando, outrossim, a propósito da ocorrência do mal no Brasil. Sonhava Mangabeira-Albernaz publicar sobre a otorrinolaringologia dos países quentes, um compêndio nos moldes do que fizera Elliot em relação à oftalmologia2'. Não lhe sobrando, entretanto, subsídios para realizar esse desejo, deu ao assunto amplo desenvolvimento em sua obra de conjunto. Por último, discorreu sobre questões cirúrgicas, a que se dedicou de forma particular, começando pelo problema da anestesia local, quer da membrana do tímpano (naquele tempo eram freqüentíssimas as parecenteses), quer dos demais campos otorrinolaringológicos. Relatou acidentes hemorrágicos vários e os meios de combatê-lo. Descreveu coleções purulentas interessantes da região temporal e do septo nasal, estudando-as ainda na sinusite maxilar da criança; tratou igualmente dos fibromas naso-faríngeos, da erupção viciosa do dente do siso, da corrosão cáustica das amígdalas, das anomalias do aparelho hieoídeo e das fístulas traqueo-bronco-esofágicas. Em suma, a simples enumeração, que acaba de ser feita, dos vários assuntos explanados e comentados com a máxima proficiência, dá nítida idéia do valor incontestável da "Clínica Otorrinolaringológica" de Paulo Mangabei ra-Albernaz.
Com mais credenciais, amplamente divulgadas nos meios especializados e nos centros de ensino, não causou surpresa, aos que já o conheciam de sobejo, o convite a ele dirigido em 1933, para reger a cátedra de Clínica Otorrinolaringológia da Escola Paulista de Medicina, instituição fundada naquele milésimo; na capital bandeirante. Iniciando suas atividades docentes nesse estabelecimento no ano de 1938, com explêndida aula inaugural pronunciada em 19 de Julho, diante da primeira turma de diplomandos, sobre o tema "A Otorrinolaringologia geral", lecionou MangabeiraAibernaz, durante vinte anos consecutivos, a sua especialidade. Compelido, no começo do milésimo em curso, por limite de idade, ao otium cum dignitate, deixa formada o mestre magnífica plêiade de discípulos, entre os quais se conta seu filho mais novo, Pedro Luiz, que acaba de publicar, com a colaboração de vários elementos, inclusive o próprio pai, primorosa monografia, acerca da cirurgia do osso tempora122.
Em 1933, dava à estampa um estudo pioneiro em nosso país, acerca do estudo radiográfico da mastóide23, seguido aliás, em 1939, por um livro referente à rádio-semiologia do osso tempora124.
No ano seguinte, descrevia uma nova etiologia do rinofima: o rinofima determinado pela leishmaniose25 a que posteriormente Jaffé faria referência, como novo tipo de lesão nasal desta doença, no Tratado de Coates, Shenck, Miller26.
Anos depois, a questão do pólipo da leishmaniose, para o qual já o Prof. Eduardo de Moraes, propusera, na "Semana dos Doutorandos" de 1927, o nome de "pólipo de Mangabeira-Albernaz"27, recebia seu estudo definitivo com a prova experimental. Marques da Cunha, nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz28, declarava ter conseguido obter no Macacus rhesus a leishmaniose experimental sob a forma poliposa. Era a confirmação definitiva da existência da lesão descrita por Mangabeira-Albernaz em 1924.
Em número cada vez maior de trabalho, viria a publicar um estudo sobre a síndrome do nervo nasal externo ou síndrome de Charlin, obra que é citada freqüentemente em tratados e revistas estrangeiras29.
Em 1937, apresentava à reunião dos otorrinolaringologistas- do PrataSociedade Rioplatense de ORL - o primeiro caso de operaço de Ramadier para a cura das petrites, publicada na América Latína30 e tornava conhecida, fora do Brasil, a operação transmaxilar de Ermiro de Lima31. Convidado a colaborar em obras de grande relevância, redigiu a parte referente à exploração dos sinus craniofaciais na Enciclopédia Salvat de Ciências Médicas3z e o estudo das complicações oculares, orbitais e cranianas das sinusites no Tratado de Otorrinolaringologia de Justo M. Alonso33. Ainda a parte de Otorrinolaringologia, com o concurso de Fábio Barretto Matheus na obra Atualização Terapêutica do Prof. Jairo Ramos, F. Cintra do Prado e J. Ribeiro do Valle34.
Membro de inúmeras corporações científicas, nacionais e estrangeiras, cooperou, outrossim, M. Albernaz com eminentes anatomistas patrícios e foi o relator da Nomenclatura Anatõmica Brasileira35, por ocasião da assembléia da Sociedade Brasileira de Anatomia, efetuada em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no mês de Setembro de 1958. Muito antes disso, porém, em Junho de 1953, já havia inserido, nas páginas da Revista Paulista de Medicina, excelente contribuição sobre a matéria em pauta, intitulada "A Nomenclatura Anatõmica Portuguesa. Diretrizes para sua uniformização".
Escritor escorreito, manejando o idioma nacional com inexcedível maestria, já quanto à pureza absoluta dos termos empregados, já quanto à precisão, elegância e clareza das frases, de sua pena brotaram, no espaço de quase meio século, 283 publicações em português, das quais 236 sobre medicina, inclusive linguagem médica, além de 27 em francês, 3 em inglês e 5 em espanhol, divulgadas sobretudo as versões nas línguas estrangeiras em vários países da América (Argentina, Estados Unidos) e da Europa (França, Espanha, Portugal e Itália).
Rotariano por arraigada convicção, muito tem escrito sobre lemas e aspectos de sua agremiação.
Fugindo aos assuntos eminentemente técnicos, embora ligado à medicina, escreveu Mangabeira aprofundado estudo sobre o mal que vitimou o grande corso, imperador dos franceses. "De que morreu Napoleão" (assim se intitulava a brochura vinda à luz em 1939) saiu, em 2.a edição, dos prelos campineiros, em 1965, para ser generosamente distribuida entre a classe médica.
Finis coronat opus é bem a significativa legenda latina que se pode inscrever, com inteira propriedade, de referência à trajetória científica retilínea de Paulo Mangabeira-Albernaz.
Santos, setembro de 1966.
Notas
1. "Estudos sobre o parasito da raiva" (Trabalho do Instituto Oswaldo Cruz, da Bahia). Tese de doutoramento, aprovada com distinção. Imprensa Oficial. Bahia, 1919.
2. "Sobre a questão orelha e ouvido". O Imparcial (Bahia), 3 de Junho de 1920, e "Ainda a questão orelha e ouvido". Sociedade de Medicina da Bahia, 12 de Junho de 1920. Em 1941 voltou ao tema publicado na Revista Filológica n.º 7, desse ano, "Ainda acerca de orelha e ouvido", artigo recheado de exaustiva documentação.
3. Prof. Pedro A. Pinto. Bibliografia. P. Mangabeira-Albernaz. - Questões de Linguagem Médica. Revista Filológica a. V. vol. 7, Setembro de 1944.
4. ,Sobre ura caso de sindrome de Vernet". Brasil Médico, n.º 48, 27 de Novembro de 1920.
5. "Em torno das paralisias combinadas dos quatro últimos pares cranianos". Arquivos Brasileiros de Medicina, n .º 6, Junho de 1921.
6. "Ablação parcial das amígdalas pelos cáusticos químicos. Brasil Médico, n.O 29, 16 de Julho de 1921.
7. "O bismuto na angina de Vincent". Jornal dos Clínicos, n.º 23, Dezembro de 1922; "Tratamento simples e prático da úlcera tropical. Jornal dos Clínicos, n.º 9, 15 de Maio de 1923.
8. "Considerações em torno do tratamento da úlcera tropical". Brasil Médico, n.º 10, 5 de Setembro de 1925; "Otite fuso-espiroquética". Jornal dos Clínicos, n.º 18, 30 de Setembro de 1925. "Em torno da raridade da otite fuso-espiroquética". Laboratório Clínico, n.º 33, Maio-Julho de 1926." As manifestações buco-faríngeas da fuso-espiroquetose e seu tratamento pelo bismuto". Revista Brasflena de Medicina e Farmácia, n.°s 5-6, Maio-Junho de 1927.
9. "La thérapeutique de l'angine de Vincent". Arch. Internat. de Laryngol. n.º 8, Sept. Act. 1924, Paris. "Rémarques sur le traitement étiologique de l'angine de Vincent". Arch. Internat. de Laryngol. n.º 8, Sept. Oct. 1925, Paris. "L'ulcère phagédenique tropical et son traitement par les insufflations de bismuth" Bulletin de la Societé de Pathologie Exotique. t. XIX, Fev. 1926, Paris. "Bismuth et fuso-espirochetoses". Annales de Dermatologie et Syphiligraphie. t. VIII, n.º 1, Janvier 1927, Paris. "Etiology and etiologicai treatment of Plaut-Vincent's Angina". The Laryngoscope" n.º XXXIX, n.O 1, Ja. 1929, St. Louis, Mo. U.S.A.
10. "Estranho caso de transmissão de pensamento (A propósito de um plágio)". Brasil Médico n.º 37, 12 de Setembro de 1931. Neste trabalho, M. Albemaz escalpela o norte-americano Dr. Voss Harrel, que, para obter o título de laringologista, escreveu uma tese, publicada nos Archives of Oto-Laryngology, July, 1931, na qual não vacilou em copiar na íntegra trechos extensos, ipsis verbis, da memória estampada por ele no "The laryngoscope", Jan. 1929, sem colocá-los entre aspas, nem indicar a procedência.
11. "Novas considerações acerca da úlncra trnniral" Rónlina ao Prof Raffa ele Onorato. Jornal dos Clínicos, n 14, 30 de Julho de 1927.
12. Le Goff, Mme. Jeanne - "Contribution à I'étude de I'angine de Vincent. La thérapeutique par les attouchements bismuthés". Thèse de Paris, 1923.
13. "0 pólipo da leishmaniose". Brasil Médico n.º 27, 7 de Julho de 1928.
14. 0 Hospital Stevenson, que funcionou por algum tempo como centro médico-cirúrgico oftalmo-otorrinolaringológico, trocou de nome duas vezes, tornando-se por último adaptado a tratamento de doenças gerais, sob a denominação de Hospital Vera-Cruz.
15. "Valor terapêutico da corrosão cáustica das amígdalas palatinas", "Os corantes na prática otorrinolaringolónica", "Fibroma vaso-faríngeo" e "Etiologia e terapêutica etiológica da angina de Plaut-Vincent", todos quatro inseridos no n.O especial do Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, dedicado à Semana de Otorrino-neuro-oculistica (15 a 23 de Outubro de 1926).
16. "Grande célula pneumática do rochedo. Contribuição à patogenia do síndromo de Gradenigo". Brasil Médico n .º 44, de 29 de Outubro de 1927, "Síndromo de Gradenigo". Brasil Médico n.º 46, 12 de Novembro de 1927. Estes dois trabalhos foram publicados, igualmente, no n .º especial do Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, consagrado a Semana Oftalmo-neurológica (3 a 10 de Setembro de 1927,).
17. "Fibrome rhino-pharyngien", "Syndrome de Gradenigo par çorps étranger", "Grande cellule pneumatique du rocher. Contribution à la pathogénie du syndrome de Gradenigo" e "Etiology and etiological treatment of Plaut-Vincent's Angina".
18. "0 conduto máxilo-frontal", "Novas considerações a respeito do aparelho hial anômalo", "Da duplicidade do seio frontal" e "Comentários sobre a macroglossia", todos inseridos na Revista Oto-laringologfca de São Paulo, em n.os do segundo semestre de 1936 dedicados à 2.a Semana de Otorrinolaringologia de São Paulo (6 a 11 de Julho de 1936).
19. "Oto-rino-laringologia prática" El Dia Médico - Ano II, n.º 48, 23 de Junin de 1930.
20. G. Laurens - "Oto-chino-laryngologie du Médecin Praticien", Paris, 1919 (Ume. édition).
21. R. H. Elliot - "Ophtalmologie Tropicale" (traduction française, Paris, 1922).
22. Pedro Luiz Mangabeira-Albernaz e colaboradores - "Cirurgia do osso temporal", São Paulo, 1966. Sob a epfgrafe de "Radio-semiologia do osso temporal", publicou, outrossim, M. Albemaz (pai), em 1939, excelente contribuição, baseada no exame radiográfico de uma coleção de cerca de uma centena de temporais,
reunida pelo saudoso Dr. Antonio Berenguer, ao preparar material para sua tese de doutoramento que versou sobre "A fossa jugular", trabalho sugerido e orientado pelo nosso homenageado.
23. Contribuição ao estudo radiográfico da mastoide. Valor da posição occipital posterior (Worms-Bretton-Alteschull). Revista Oto-laringológica de São Paulo, n .º 3, Maio-Junho de 1933.
24. "Radio-semiologia do Osso Temporal. Seu Valor em Clinica". Escolas Profissionais Salesianas. São Paulo, 1939.
25. Novas idéias acerca da patogenia e da terapêutica do rinofima. Anais de Otorrinolaringologia (Recife) t. I, n .º 1, Marco de 1935.
26. Jaffé, L.: "Otorhinolaryngology in the Tropics". "Leishmaniasis" in Otolaryngology de Coates, Shenck e Miller, v. V. - Cap. 19, 7.43 Prior Co. - Hagerstown, 1955.
27. Octacllio Lopes. "Novos tipos mórbidos em otorrinolaringologia". Revista Brasileira de Medicina e Farmácia, a. V. n .O 8/10 1929.
28. Marques da Cunha, A.: Infecções experimentais na Leishmaniose Tegumentar Americana - Memórias de Instituto Oswaldo Cruz 41 : 263 (fasc. 2) 1944.
29. Síndrome de Charlin. Medicina, Cirurgia e Farmácia n .º 34, Janeiro de 1939.
30. "Petrite com síndrome de Gradenigo. Operação de Ramadier". Anales de Oto-rino-laringologia de/ Uruguay t. VIII, p-2a, 1947.
31. "A operação de Ermiro de Lima (etmoidectomia transmaxilar submucosa.)". Anales de Oto-rino-laringologia dei Uruguay, t. VIII, parte 3a., 1937.
32. "Exploración de los Senos Nasales" in Enciciopedia Salvat de Ciências Médicas. Salvat Editores. Barcelona, Madrid, 1958. 2.8 edição.
33. "Complicaciones orbitales e cranianas de las sinusites", "Complicaciones oculares de Ias sinusites' in Tratado de Oto-rino-laringologia de Justo M. Alonso. Madrid 1961 (2 á ed. 1964).
34. Atualização Terapêutica de F. Cintra do Prado, Jairo Ramos e J. Ribeiro do Valle. Livraria Luso-Brasileira e Espanhola. São Paulo 1937 (5 â ed. no prelo).
35. "Nomina Anatomica. Nomenclatura Anatômica Brasileira". Com a colaboração dos Profs. Fróes da Fonseca, Renato Locchi e O. Machado de Souza. Arquivos de Cirurgia Clínica e Experimental, São Paulo, vol. XXIV. Maio-Agosto de 1961.
* Nascido a 25 de Janeiro de 1896, em Bagé (Rio Grande do Sul), filho de um oficial-médico do Exército Brasileiro, Paulo, muito criança ainda, radicou-se na Bahia, cursando o primário e o secundário em vários estabelecimentos de ensino da Cidade de Salvador, a saber: Colégio Spencer, Ginásio N. S. da Vitória (Maristas) e Ginásio Ipiranga. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 1913, colando grau de Doutor em Medicina, em Janeiro de 1919 (E.C.F.).