Versão Inglês

Ano:  1973  Vol. 39   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 169 a 172

 

Homenagem ao Prof. Paulo Mangabeira Albernaz ao receber o Prêmio Segura de 1969

Autor(es): Dr. WALTER BENEVIDES

Palavras pronunciadas pelo Dr. WALTER BENEVIDES durante a sessão do Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina, a 17 de abril de 1973:
Senhor Professor PAULO MANGABEIRA ALBERNAZ:

Cabe-me a incumbência, que no caso presente é uma honra, para não dizer uma glória, de fazer chegar-lhe às mãos a medalha e o diploma geie lhe correspondem por haver conquistado o PRÊMIO SEGURA para 1969.

A CONFEDERAÇÃO LATINOAMERICANA DE OTORRINOLARINGOLO¬GIA, que antes, mais prolixamente, se chamava "Confederação das Socie¬dades Latino-americanas de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia", é uma entidade que trabalha há quase três décadas, produto do espírito are¬jado de personalidades fortes daquele tempo - Eliseu Segura, Justo Alon¬so, João Marinho, David de Sanson, e sustentada durante desessete anos pela elevada e tenaz dedicação de Eduardo Casterán, seu primeiro secre¬tário titular, meu nunca assás louvado antecessor.

Sua finalidade, expressa bem claramente no artigo terceiro dos seus estatutos, visa "o progresso da otorrinolaringologia, a divulgação do seu evolver na América Latina e o estreitamento de vínculos entre os outros países, através da realização de congressos, de publicações, da outorga de prêmios e de todas as demais medidas que concorram para o desenvol¬vimento da especialidade na América Latina".

Por quê essa restrição geográfica?
No princípio do século Euclides da Cunha ainda falava em "perigosa solidariedade sul-americana", ao mesmo tempo em que a considerava "um belíssimo ideal absolutamente irrealizável", que por isso merecia ser aban¬donado. 0 nosso intrépido Euclides não escrevia só com cipó, como inci¬sivamente foi dito, escrevia com os nervos, com a carne, com o sangue à flor da pele, e por isso nos aconselhava mantermo-nos num "esplêndido isolamento" de tipo britânico por se achar sob a tensão de questões ter¬ritoriais com vizinhos nem sempre acomodados. A mudança da atmosfera política, não só local, mas de todo o planeta, fazendo com que o nacio¬nalismo compreenda e aceite a necessidade de integrar-se em outros na¬cionalismos, está levando os povos a pensar em termos mais largos, para se agruparem em comunidades de dimensões continentais.

Se politicamente nós, latino-americanos, estamos ainda longe de che¬gar a esse congraçamento já contenado entre os países europeus, reco¬nhecemos no entanto haver territórios culturais em que tal união se justi¬fica e já se impõe. Tal o caso da medicina. Se outros laços ainda nos faltam não podemos negar que nos aproxima uma patologia peculiar ao nosso clima e à nossa maneira de viver. Somos solidários pelo menos no sofrimento. Padecemos os mesmos males, alguns poucos chamados com exatidão de tropicais, outros muito menos conseqüência do clima adverso do que do subdesenvolvimento. Essa identidade pática provoca uma série de deficiências comuns, no campo da administração, da profilaxia, do en¬sino, da organização hospitalar, que são mais ou menos as mesmas para todos os descendentes da velha Ibéria. Apesar de tantos e tão dolorosos percalços, vamos vencendo as nossas batalhas sanitárias, com um denodo às vezes miraculoso, tão grandes os obstáculos a transpor, como o eviden¬cia o caso admirável de Osvaldo Cruz, esse paulista que, se bem o con¬siderarmos, foi o maior dos brasileiros, e cujo centenário acabamos de, comemorar tão frouxamente.

Os problemas que enfrentamos são, com variações mínimas, os mes¬mos de nossas coirmãs. Para resolvê-los, pois, só lucraremos se conjugar¬mos planos e esforços. É o que, dentro do seu âmbito, tem procurado fazer a Confederação Latino-americana de Otorrinolaringologia. Seus oito congressos já realizados, alguns a despeito de devastadores terremotos telúricos e políticos, atestam a sua vitalidade. Mas ela não se satisfaz ape¬nas com essa atividade, que por si só já seria altamente louvável. Ela não hiberna durante os períodos trienais que medeiam entre esses conclaves. Procura manter bem sólidos e estreitos os vínculos entre as sociedades suas filiadas, apesar de dificuldades postais que fazem uma carta do Rio custar mais chegar a Quito do que Estocolmo, e a despeito da nossa re¬pugnância, certamente ingênita, pelo gênero epistolar. Ao lado disso a nossa entidade estimula, premiando de várias formas, o labor científico. Ainda agora em Santiago do Chile, se aprovou o regulamento do PRÊMIO ALEJANDRO DEL RIO, a ser dado em 1975 ao trabalho otorrinolaringológi¬co considerado melhor entre os publicados daqui até lá em revista latino¬americana. Será um laurel consagratório aberto a todos, velhos e moços. Ao lado dele, galardão criado para dignificar o conjunto de uma obra e a soma de uma personalidade, temos o PRÊMIO ELISEU SEGURA, que muito merecidamente vos foi conferido em El Salvador, senhor professor Mangabeira Albernaz, prêmio que se traduz numa medalha e num diploma, e cuja entrega é feliz pretexto para esta magnífica solenidade.

Disse Matias Aires, outro fabuloso paulista de antanho, que "a vida civil se reduz a um cerimonial de genuflexões e de palavras". Dois séculos decorreram desde que assim falou o desencantado moralista das "Reflexões sobre a Vaidade dos Homens". Nossa época, menos formal ou mais reu¬mática, já não admite genuflexões, pelo menos as do corpo, mas as pala¬vras têm hoje mais que nunca prestígio, principalmente quando bem ditas. Não é, infelizmente, o caso das que aqui vos dirijo. Assim, multo a contra¬gosto me desobrigo de ressaltar neste momento os inumeráveis grandes momentos de vossa existência, pois para isso me falecem os devidos dotes. Mas, ainda que a mais fina retórica a tanto me ajudasse, seria necessário?

Vossa exemplar biografia conhecem-na todos os presentes, pois o que fizestes como especialista e como professor desde cedo repercutiu em nosso meio médico, chegando a ultrapassar fronteiras, como nesta cerimô¬nia se comprova. Vindes de uma geração que profissionalmente pôde viver uma vida harmoniosa, compatível com os ideais hipocráticos, mas inexe¬qüível para a quase totalidade dos que hoje se iniciam. Conhecestes ainda o esplendor liberal da medicina. Fostes, segundo o modelo antigo e certo, médico, médico na extensão gloriosa da palavra. Por isso necessariamente fostes também o humanista que todos admiramos e aplaudimos. Transmitis¬tes aos que tiveram a ventura de ser vossos discípulos os vossos conheci¬mentos sempre renovados, e o vosso exemplo, criando uma escola de que nos envaidecemos como brasileiros. Por haverdes plantado com diligência e amor, abundante foi a vossa colheita.

Era costume dos oradores seiscentistas e setecentistas descobrir signos nos nomes daqueles aos quais dirigiam os seus panegíricos. Por andar o barroco muito em moda ultimamente, tomarei a liberdade, meu caro Pro¬fessor, de apontar em vossos apelidos iniludíveis sinais de feliz adequação ao vosso destino. Preliminarmente sois Paulo, como o apóstolo que con¬solidou a crença sob a qual nos civilizamos. E que é o professor senão um apóstolo, um enviado, para propagar a boa nova? Se como Paulo vos inse¬ris no universal, como Mangabeira vos fixais no chão nativo, pois essa apocinácea, a hancornia speciosa dos botânicos, é nossa, exclusivamente nossa, de uma riqueza exuberante e múltipla, a dar-nos frutos de capitoso sabor tropical, madeira que serve para os mais delicados lavores de carpin¬taria, e um latex que de muitos modos enriquece a nossa indústria. Final¬mente sois Albernaz, isto é, de velha família lusitana, como patenteia a sim¬plicidade do seu brazão d'armas: "esquartelado de azul e de preto, com quatro carapeteiros de um no outro". Ligado assim, onomasticamente, à catolicidade, à vegetação pátria, e a uma nobre estirpe ibérica, represen¬tais, como melhor não se poderia desejar, a essência da brasilidade.

Pedindo-vos perdão, senhor Professor, por esta digressão inocente¬mente lúdica a propósito do vosso nome, permitir-me-ei assinalar a cons¬tância da vossa ascenção, não só no terreno profissional, mas também na sua expressão existencial. Ao analisar o insuportável antagonismo presente entre moços e velhos, tive a oportunidade de dizer num breve artigo: "a paz entre as gerações só voltará quando os velhos reaprenderem a orgu¬lhar-se da sua velhice". E, em carta que com o maior desvanecimento con¬servo destes-me a honra de assim comentar o meu conceito: "Esta carapuça não cabe na minha cabeça, pois justamento sou um velho que tem orgulho da sua velhice". Filosofia tão saudável bastaria para demonstrar, repetindo a imagem há pouco feita, que também a vossa senectude foi uma ascenção. Ela complementa uma vida que, valorosamente árdua, teve a bênção de inapreciáveis recompensas: uma rara solidez de laços fami¬liares, a cátedra que vos permitiu difundir tesouros de um saber sedimen¬tado, e sobretudo filhos que desde cedo se notabilizaram na mesma car¬reira que tanto ilustrastes.

O prêmio que aqui vos entrego é também uma recompensa, não a maior nem a mais preciosa dentre as que tendes recebido, mas é talvez a que veio de mais longe, prova de que o vosso mérito não se contém dentro dos limites pátrios, para maior glória vossa e legítimo orgulho dos colegas vossos patrícios.

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