Ano: 1973 Vol. 39 Ed. 2 - Maio - Agosto - (8º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 114 a 120
Otoesclerose e Neuroma do Acústico em Paciente com Fenestração Bilateral
Autor(es):
Rudolf Lang 1,
Nicanor Letti 2,
Moacyr Saffer 3,
Valdomiro Zanette 4,
Alcione Souto,
Alcides Kachava
José Vieira Pinheiro 5
Resumo:
Apresentamos um caso de patologia concomitante otoesclerótica e neuroma do acústico, que foi fenestrada de ambos os ouvidos. Dez anos após a fenestração a audição no OE começou a baixar e surgiram zumbidos. Submetida a estapedectomia melhorou durante 1 anos a audição. Após apresentou tonturas e queda neurosensorial que evoluiu em 5 anos para cofose total quando foi extirpado um grande neuroma do acústico do lado E. O estudo clínico permitiu a individualização do estadiamento clínico e invasivo do tumor desde a fase intracanalicular, para a da ocupação de todo o ângulo ponto cerebelar e após a da compressão do tronco cerebral.
Introdução
A concomitância de otoesclerose e de neuroma do acústico no mesmo paciente poucas vezes foi relatada. A dificuldade no diagnóstico precoce do neuroma face a presença de uma otoesclerose é que nos motivou a apresentação deste trabalho onde relataremos um caso com estas duas patologias e todo o trâmite na elucidação diagnostica.
Caso Clínico
P.N.B.F., 44 a. fem. doméstica, consultou pela 1.ª vez em 1/7/68 por zumbidos de várias tonalidades no OE e tonturas. Perde o equilíbrio ao se levantar e ao caminhar, não se queixou de vertigem típica. Foi fenestrada no OE em 1956 e no OD em 1958 por otoesclerose. Relata que após esta cirurgia apresentou excelente melhora auditiva de ambos os lados. Relatou que sofre de zumbidos no OE e que nunca melhoraram mesmo após a cirurgia. Sabe que tem cervicoartrose e foi tratada por traumatologista. Notou que no último ano a audição baixou um pouco no (DE. Ao exame nada se notou de anormal a não ser a cavidade seca de ambos os lados devido a fenestração. Realizada a audiometria em 27/7/68 (Figura n.º 1) verificou se queda auditiva de transmissão bilateral mais acentuada no OE com discriminação de 100% com monossílàbos. Foi proposta estapedectomia com columelização maleovestibular que foi realizada no dia 28/8/68. Cirurgia decorreu sem anormalidades e quase um ano após apresentava uma melhora evidente como vemos no audiograma da Figura n.º 2. Em 13/3/69 consultou após resfriado e diz que estava com autofonia e obstrução nasal. Constatou-se secreção serosa nas caixas timpânicas que melhorou com antibióticos e descongestionantes. No dia 7/4/70 voltou ao consultório dizendo estar ouvindo melhor, mas que tem muita tontura, não consegue caminhar em linha reta; pesquisada o sinal de fístula perilinfática estava positivo no lado E. Foi feita audiometria e provas vestibulares em 29/5/70 que revelaram queda auditiva neurosensorial e ausência de discriminação e hipoexcitabilidade vestibular nítida no lado E. (Figura n.O 3) O Rx dos temporais não demonstrou aumento nos meatos mas havia dissemetria no tamanho dos mesmos sem alteração das bordas. Em 18/9/70 apresentava-se melhor da tontura mas se queixava de desvio para o lado E ao caminhar. Estava com reflexo e hipoestesia corneana diminuido, da mucosa buconasal, do palato mole e da língua do lado E. Face a estes dados pedimos Uma iodocisternografia que após consultar outros colegas não foi realizada. O teste de Schirmer estava normal. Não tinha sinal de Hitzelberger no lado E. em 15/7/71 consultou novamente pois estava além dos problemas acima citados, tinha um "pulsar" crescente na cabeça, piorou muito a audição no lado E. (Figura n.° 4) Pedimos novamente que realizasse a cisternografia contrastada. A família dias após levou-a ao Rio de Janeiro onde foi feita uma punção lombar: constataram uma reação liquórica positiva para Wassesmann, tratada com 18 milhões de penicilina tendo sido diagnosticada possível "goma sifilítica" no ângulo ponto cerebeloso. Um médico ORL daquela cidade, entretanto, ficou convicto após examinar a paciente que a mesma tinha um problema de ângulo ponto cerebeloso de ordem tumoral como suspeitávamos. Tinha pontos hemorrágicos retinianos e feita uma ecoemcefalografia revelou-se normal. Em 28/9/71 foi novamente examinada em nosso consultório. Estava com tontura, ataxia nítida, dismetria, disdiadococinesia e ausência de sensibilidade corneana e nistagmo espontâneo. Ao exame audiométrico apresentou cofose no OE, inescitabilidade vestibular e pequena paresia facial no mesmo lado. Em Setembro de 1972, recebemos um telefonema de um neurologista que nos comunicou que foi procurado pela paciente com ataxia, nistagmo e tontura e pedia nosso diagnóstico. Confirmamos o que achávamos ser um neuroma do acústico. Foi realizada punção lombar que revelou aumento das proteínas e mais de 200 células por cm indicando presença de tumor. Como a família se negasse a realizar a pneumoencefalografia foi realizada cintilografia que acusou um tumor no ângulo ponto cerebeloso E do tamanho de uma bola de tênis. Foi operada 1 mês após no Rio de Janeiro de volumoso tumor em plena crise de hipertensão craneana. Em 10/1/73 reconsultou após a cirurgia que foi realizada com abertura da fossa posterior, por neurocirurgião, apresentando-se atualmente com cegueira total, ataxia e paralisia facial completa lado E. Está realizando fisioterapia e fez sutura das pálpebras do lado da paralisia facial para proteger a córnea. Receitamos prótese auditiva para usar no outro lado.
FIG. 1 - Curvas audiométricas mostrando a paciente com a surdez de condução após a fenestração, realizada no OE 12 anos antes e no OD 10 anos deste audiograma.
FIG. 2 - Curva audiométrica mostrando a melhora auditiva após a estapedectomia. Notamos o ganho auditivo apreciável mas permanece a queda em agudos.
FIG. 3 - Audiometria realizada em 29/5/70, mostrando uma disacusia neurosensorial, com ausência de discriminação e na prova vestibular tinha inexcitabilidade com H20 à 0ºC.
FIG. 4 - Audiometria realizada em 15/7/71 na qual a paciente apresenta restos auditivos em graves que evoluiram para cofose total neste lado dois meses apos.
Discussão
A concomitância patológica de otoesclerose e de neuroma certamente já deve ter sido descrita embora não consigamos ler qualquer bibliografia que nos confirmasse tal suposição. Existem descritas uma série de patologias múltiplas da orelha interna, como - síndrome de Alport - com disacusia neurosensorial e com revelação de focos de otoesclerose da cápsula labiríntica que são encontrados ao serem examinados histologicamente os temporais dos pacientes falecidos. O decurso clínico do caso da paciente acima relatado permite-nos estabelecer com clareza todo o crescimento invasivo da tumoração desde sua fase intracanalicular até a compressiva sobre o tronco cerebral. Clinicamente a paciente apresentou sintomas de otoesclerose que foi diagnosticada e tratada cirurgicamente com a técnica utilizada na década de 50, que era a fenestração labiríntica com real sucesso auditivo. Dez anos após surgiram zumbidos no lado esquerdo com tonturas. Era a fase intracanicular do neuroma, devia ser muito pequeno, pois a audição óssea estava conservada. Submetida a uma estapedectomia com interposição maleo estapedial recuperou a audição como podemos verificar nó audiograma da Figura n.° 2, Sabe-se que os neuromas do VIII par craneano originam-se em sua maioria na porção vestibular do mesmo 1, 2 e 3 e que certamente foi o caso da paciente, por outro lado o zumbido não desapareceu com a estapedectomia. Johnson4, 5 e 6 e outros autores7, 8 e 9 referem que o zumbido é o grande sinal precoce da tumoração do nervo estato acústico o que se confirma neste caso. Fisch12 acha que são fibras neuro vegetativas que unem o vestibular e o facial que são portadores da inervação do sistema parassimpático do -labirinto os grandes responsáveis pelos zumbidos, relata mesmo que após secção destas fibras em um de seus casos houve o silenciamento do zumbido. Todo este raciocínio aplica-se diretamente no caso em questão. A fase intracanalicular teve a duração de mais ou menos 2 anos, pois no ano de 1970 (29/5/70) verificou-se queda auditiva neurosensorial, ausência de discriminação e hipoexcitabilidade nítida no OE. Quatro meses após apresentava sintomas trigeminais nítidos, era a fase da ocupação do ângulo ponto cerebelar pela tumoração. Não havia alteração na função do facial durante estas duas primeiras fases, inclusive o teste de Schirmer realizado não apresentou alterações. Gustatometria não foi realizada, pois não sabíamos se durante as fenestrações teria sido seccionada a corda timpânica. O facial em sua porção motora geralmente é afetado na fase intracanalicular do neuroma, antes sempre surgem sinais trigeminais. O caso da paciente confirma nossa suposição.. Em mais ou menos 5 meses a paciente partiu de uma disacusia neurosensorial sem discriminação para cofose completa e paresia do facial; indicando portanto a ocupação de todo o ângulo ponto cerebelar pelo neuroma. Alguns meses após ficou atáxica, apareceu nistagmo espontaneo e edema de papila no lado E, demonstrando a terceira fase do tumor que é de compressão sobre o tronco cerebral. Fez em seguida hipertensão craneana e foi operada. Em face da família negar-se em realizar a iodocisternografia ou a pneumoencefalografia para confirmação da suspeita do neuroma, durante mais de 4 anos, permitiu que observássemos clinicamente toda a evolução do tumor em suas três fases: intracanalicular; no ângulo ponto cerebelar e na fase compressiva sobre o tronco. Verificamos por este estudo que a fase mais longa foi a intracanalicular com o zumbido permanecendo constante. Devemos sempre suspeitar de um zumbido unilateral, como afirmam os autores e pensar em neuroma do acústico nestes casos°. A fenestração, a estapedectomia ambas com sucesso enquanto o neuroma não comprimiu a porção coclear do VIII par, mascararam no início o desequilíbrio que era portadora a paciente. A presença de uma atrose cervical também criou problemas no raciocínio diagnóstico. A paciente somente apresentou nistagmo visível com os olhos abertos na 3.ª fase quando invadia o ângulo ponto cerebelar e antes de ficar atáxica. Este dado é importante pois não cremos que pequenos neuromas produzam nistagmo espontâneo e sim as grandes patologias que aderem ao tronco ou ao cerebelo são criadores deste tipo de sinal. As lesões centrais como a esclerose múltipla, gliomas e aneurismas11 produzem no início o nistagmo espontâneo, muitas vezes antes mesmo do aparecimento de desequilíbrio ou de vertigem. Apesar das sequelas conseqüentes de uma cirurgia difícil a paciente está melhorada e permanece com prótese no OD que foi fenestrado.
Summary and conclusions
We presented a case of a patient with concomitant otosclerotic pathology and acoustic neuroma, whose ears have been both fenestrated. Ten years after the fenestration, the left ear hearing began lowering and tinnitus appeared. It was performed a stapedectomy and the hearing improved. After one year the patient started having dizziness and neurosensorial impairment which developped within 5 years to total cophosis when ít was extirpated a great acoustic neuroma on the left side.
The clinicai research has allowed to individualise the clinicai and invasive staging of the tumor since the intracanicular phase to the whole cerebellopontine angle occuping and, after that, the brain stem compresson.
Bibliografia
1. Hitselberger, W.E., - External Auditory Canal Hypesthesla: An EarlySign of Acoustic Neurilernona - The American Surgeon, 32: 741-743, 1966
2. Hitselberger, W.E., - House, W.F.
- Acoustic Tumor Surgery, Arch Otolaryng. 84: 37-42, 1966.
3. Hitselberger, W.E., House, W.F. - Acoustic Neuroma Diagnosis, Arch Otolaryng. 83: 50-53, 1966.
4. Johnson, E.W., Sheehy, J.L. - Audiological Aspects of the Diagnosis of Acoustic Neuromas - Journal of Neurosurgery, 621-628, 1966.
5. Johnson, EM., Sheehy, J.L. - Auditory Findings in 53 cases of Acoustics Neuromas, Arch. Otolaryng. 80: 667-677, 1964.
6. Johnson, EM., - Confirmed Retrocochlear Lesions - Arch. Otolaryng. 84: 29-36, 1966.
7. De Moura, L.P. - Inner Ear Pathology in Acoustic Neurinoma. Arch. Otolaryng. 85: 21-29, 1967.
8. Hitselberger, W.E. - Tumors of the Cerebellopontine Angle in Relation to Vertigo Arch. Otolaryng. 85: 95-97, 1967.
9. House, W.F., - Differential diagnosis of Cerebellopontine Angle Lesions. The Laryngoscope, 74: 1283 1290, 1964.
10. Hitselberger, W.E., House W.E. - A Combíned Approach to the Cerebellopontine Angle. Arch. Otolaryng. 84 49-67, 1966.
11. Hilding, D.A., House W.F. - "Acoustic Neuroma": Comparison of Traumatic and Neopiastic. J. Ultrastructure Research 12: 611-623, 1965.
12. Fisch, U. - Transtemporal Surgery of the Internal Auditory Canal Adv. Oto-Rhino-Laryng. - 17.203 240, 1970.
1 Médico otologista - Professor Titular de ORL da PUC Rio Grande do Sul.
2 Médico - Prof. adjunto da disciplina de Otorrinolaringologia da Univ. Federal do R. Grande do Sul
3 Prof. Assistente da Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre.
4 Médico do Instituto de Otologia - Porto Alegre.
5 Médicos Residentes do Instituto de Otologia - Porto Alegre.