Ano: 1973 Vol. 39 Ed. 2 - Maio - Agosto - (6º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 100 a 106
Estudo Comparativo entre a Bupivacaina (1) e a Lidocaina (2) na Anestesia Local e Analgesia Pós-Operatória das Amigdalectomias (3)
Autor(es):
Pedro Luiz Mangabeira Albernaz 4,
Mauricio Malavasi Ganança 5
Jamil José Gasel 6
Resumo:
Os autores estudaram comparativamente a atividade anestésica e analgésica pós-operatória da bupivacaina a 0,5% e da lidocaina a 1 % em 40 pacientes submetidos à amigdalectomia com anestesia local por infiltração, e concluíram que ambas as drogas se comportaram eficientemente quanto às características anestésicas, mas a analgesia pós-operatória foi significativamente maior em duração com o uso da bupivacaina. Nenhum efeito colateral de importância foi observado com qualquer das drogas.
Introdução
A finalidade precípua desta investigação científica foi a de estabelecer comparação entre os anestésicos bupivacaina e lidocaina, quanto à qualidade da anestesia local por infiltração e à duração da analgesia pós-operatória das amigdalectomias, em adultos. A pesquisa, efetuada em 40 pacientes com amigdalite criptica crônica submetidos à intervenção cirúrgica (dissecação extra-capsular das amigdalinas palatinas), utilizou a administração de ambos os anestésicos em cada caso (bupivacaina de um lado, lidocaina do outro. ao acaso). Todas as ocorrências relativas ao ato operatório e ao pós-operatório imediato foram registradas, para análise de possíveis efeitos colaterais.
Análise da Literatura
A bupivacaina é um anestésico pertencente ao grupo das xilidias (cloridrato de 1-n-butil-DL-2-piperidino-2-6-xi1idida) sintetizado por Ekenstam e outros2 (1957), e de baixa toxicidade, de acordo com Lofstrom e outros6 (1964). Segundo Lund e outros? (1970) possui grande potência anestésica local e, principalmente, prolongada duração de atividade, com o que concordam os trabalhos de Fortuna e outros4 (1965) e Widman9 (1966), anteriormente realizados. No setor de cirurgia oral, destacam-se as investigações de Feldmann e Nordenram3 (1966), Hatano e outross (1967) apontando as qualidades anestésicas da bupivacaina, realçando a duração da analgesia e da hipoestesia pós-operatória, maior do que a de outras drogas, no entender de Swerlow e Jones8 (1970). Castanosl (1971) preconizou a infiltração local com bupivacaina, após a indução da anestesia geral com fluotano, para obter analgesia no pós-operatório das amigdalectomias. Em 250 pacientes amigdalectomizados, sob anestesia geral e uso local da bupivacaina, cerca de 92,8% dos casos apresentaram analgesia pós-operatória superior a 2 horas de duração. Além destes, inúmeros outros trabalhos tecem referências importantes sobre a bupivacaina, atestando a sua eficiência e a sua baixa toxidade. As informações colhidas na vasta literatura pertinente animaram-nos a encetar esta pesquisa, comparando a atividade da bupivacaina com a da lidocaina, no que respeita exclusivamente à anestesia local nas amigdalectomias, aspecto não focalizado na bibliografia consultada.
Material e Métodos
A casuística constou de 40 pacientes, de ambos os sexos, de idade compreendida entre 13 e 46 anos, submetidos à amigdalectomia por serem portadores de amigdalite críptica crônica, diagnosticada pela anamnése e exame otorrinolaringológico.
A intervenção foi realizada em todos os casos com anestesia local por infiltração, com nebulização prévia da faringe com tetracaina a 2% (para facilitar a infiltração anestésica local e atenuar ou abolir os reflexos faríngicos). Como medicação pré-anestésica utilizou-se meperidina (100 mg I.M) e sulfato de atropina (1 ampola I.M.) em todos os casos. Em cada paciente foram administrados os dois anestésicos objetos deste estudo, a bupivacaina de um lado e a lidocaina do outro, em distribuição ao acaso, de acordo com o esquema abaixo:
40 casos
- 20 do sexo masculino
10 casos - bupivacaina no lado direito e lidocaina no esquerdo
10 casos - bupivacaina no lado esquerdo e lidocaina no direito
- 20 do sexo feminino
10 casos - bupivacaina no lado direito e lidocaina no esquerdo
10 casos - bupivacaina no lado esquerdo e lidocaina no direito
A composição das drogas empregadas foi a seguinte:
Bupivacaina a 0,5% com adrenalina a 1:200.000
Lidocaina a 1 % com adrenalina a 1:200.000
Utilizou-se a quantidade de 6 (seis) centímetros cúbicos de cada anestésico na infiltração local do lado correspondente, em três pontos básicos (superior, médio e inferior) da vizinhança anatômica das amígdalas palatinas.
A cirurgia foi iniciada decorridos três minutos da infiltração anestésica, no lado primeiramente anestesiado, constando de descolamento extra capsular das amígdalas palatinas nos moldes clássicos. Procurou-se analisar a eficiência da anestesia e a duração da analgesia nas primeiras 24 horas de pós-operatório, com base nas informações dos pacientes. A avaliação foi, portanto, puramente subjetiva. Obtidos os resultados dos 40 casos, desvendou-se o código empregado para caracterizar os anestésicos administrados localmente e procedeu-se à análise estatística através do teste de Wilcoxon, aceitando-se previamente um risco de erro igual ou menor do que 5%, sendo o valor crítico de z igual a 1,96. Todos os dados cirúrgicos e pós-operatórios foram minuciosamente observados e analisados, com o intuito de surpreender a ocorrência de possíveis efeitos colaterais.
Dados obtidos em pacientes amigdalectomizados com anestesia local prévia através de bupivacaina a 0,5% (em um dos lados) e lidocaina a 1 % (no outro lado), ambas com adrenalina a 1:200.000, nas primeiras 24 horas do pós-operatório.
QUADRO 1
Resultados e Comentários
Os principais dados e resultados foram dispostos no Quadro I, que apresenta as iniciais, o sexo, e a idade de cada paciente, a duração da analgesia pós-operatória em cada loja amigdalina (em função do anestésico utilizado) e a diferença entre as duas drogas na duração da analgesia. Observa-se uma variação ampla dos valores relativos à duração da analgesia pós-operatória com ambas as drogas (de 15 a 1440 minutos para a lidocaína e de 25 a 1440 minutos para a bupivacaina). A duração da analgesia pós-operatória foi maior do lado em que se usou a bupivacaina em 33 pacientes; apenas 4 pacientes revelaram analgesia, de duração maior com a lidocaína e em 3 casos não se constatou nenhuma diferença entre esses anestésicos. A análise do gráfico I observa-se que 34 pacientes (85% da casuística) apresentaram analgesia pós-operatória de duração entre 15 e 105 minutos com o uso da lidocaina, e entre 25 e 290 minutos com a bupivacaina. Vê-se, no mesmo gráfico, que a lidocaina proporcionou analgesia pós-operatória principalmente de duração até 60 minutos (72,5% dos casos) enquanto que a bupivacaina na mesma porcentagem de casos propiciou analgesia de até 195 minutos. A média da duração da analgesia pós-operatória foi de uma hora e vinte e nove minutos e oito décimos com a lidocaína (89,8 minutos) e de três horas e trinta e nove minutos com a bupivacaina (219,0 minutos). A análise estatística destes resultados, através do teste de Wilcoxon, demonstrou que esta diferença de comportamento entre as drogas foi significativa ao nível do risco de erro assumido, pois o valor calculado de z (4.98) foi muito superior ao crítico adotado (1,96). Concluímos, portanto, que a bupivacaina a 0,5% proporcionou uma analgesia de duração estatisticamente superior à da lidocaina a 1 % no pós-operatório das amigdalectomias com anestesia local. Nenhuma diferença nítida foi encontrada no que respeita à eficiência da anestesia local conferida pelas mencionadas drogas e não se registrou a ocorrência de efeitos secundários importantes imputáveis ao uso das drogas. Em apenas um caso verificou-se sangramento bilateral e discreto no sexto dia de pós-operatório e que cedeu espontaneamente. Nossos resultados evidenciaram duração prolongada da analgesia pós-operatória nas amigdalectomias, como a encontrada por Castanos1 (1971), com a bupivacaina, na mesma posologia. Este autor, no entanto, estudou apenas a analgesia pós-operatória conferida pela bupivacaina em pacientes amigdalectomizados sob anestesia geral; não avaliou, portanto, a atividade anestésica local da bupivacaina na realização da intervenção cirúrgica. Os resultados obtidos, concordantes com as informações da literatura em outras áreas cirúrgicas, conduzem-nos à conclusão de que a bupivacaina a 0,5% com adrenalina a 1:200:000 é um anestésico local eficaz para a realização das amigdalectomias e a sua utilização é vantajosa em relação à da lidocaina a 1 % com adrenalina a 1:200.000, por proporcionar analgesia pós-operatória de duração muito superior, na maioria dos casos. Este fato merece um destaque especial se considerarmos que nenhum efeito indesejável sobre a cicatrização foi verificado com a bupivacaina que, nesse sentido, teve atuação similar à da lidocaína. Acreditamos que estes resultados preliminares justificam a escolha da bupivacaina nas amigdalectomias realizadas sob anestesia local. Novas investigações deste tipo seriam desejáveis afim de acumular mais dados e experiências, com o objetivo de se obter conclusões definitivas.
Gráfico 1 - Frequência dos períodos de duração da analgesia pós-operatória em 40 pacientes submetidos a amigdalectomia sob anestesia local com a lidocaina a 1% e marcaina a 0,5%.
Conclusões
Diante dos resultados obtidos, pudemos concluir que neste grupo de 40 pacientes submetidos à amigdalectomia sob anestesia local:
1.º) a bupivacaina a 0,5% com adrenalina a 1:200.000 apresentou eficiência anestésica local similar à da lidocaina a 1 % com adrenalina 1:200.000;
2.º) a duração da analgesia pós-operatória foi significativamente maior (219 minutos, em média) do lado em que se usou a bupivacaina do que no lado em que se empregou a lidocaina (89,8 minutos, em média);
3.º) não ocorreram efeitos colaterais com o uso de qualquer das drogas.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos Drs. Neil Ferreira Novo e Elias Rodrigues Paiva (Professores de Estatística do Depto. de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina), pela orientação do julgamento estatístico desta pesquisa.
Summary
The authors compared the anesthetic and analgesic effect of bupivacaine 0,5% and lidocaine 1 % infiltrated locally in 40 patients submitted to extracapsular tonsillectomy. The conclusion was reached that both anesthetic agents were equally satisfactory for the surgery, but post-operative analgesia was significan ly longer for bupivacaine. No síde effects of importance resulted from the use of either drug.
Bibliografia
1. Castanos, C. "Analgesia pós-operatória por infiltração com bupivacaina" - Rev. Bras. de Anestesiologia, 21: 854, 1971.
2. Ekenstam, B; Egner, B & Pettersson G - "N-Alkyl-pyrrolidire and N-alkyl-piperidine Carboxylic oid Amides". Acta chem. Scand. 11 : 1183, 1957.
3. Feldman G. & Nordenram, A "Marcaina in oral surgery". Acta anaesth. Scandinav., Suppl XXIII, 409, 1966.
4. Fortuna, A; Cardoso, M.A.; Brusarosco, F.F.; Carvalho, F.G.; Gondim A.; Costa, P-; Pinto, L.F.R.; Garcia, J. & Alberto J. - "LAC-43: Primeiros resultados com o seu uso em anestesia peridural". Revista Brasileira de Anestesiologia 4 : 501, 1965.
5. Hatano, S.; Monzen, H.; Furukawa, K. & Muta, K. - "Clinica Trial of LAC-43 in the Dental Field". Shikai Tenbo (Dental Out-look) 30 : 783, 1967.
6. Lofstrom, B.; Wennberg, A; and Widen L: - "An electroneurographic study of late effects of nerve blocks". III Proc. Worl Congress of Anaesthesiology, L : 271-272, 1964 (São Paulo, Brasil).
7. Lund, P.C.; Cwik, J.C. & Vallesteros. F. - "Bupivacaine: a new long acting local anesthetic agent. Anesthesia and analgesia current researches", 49 : 103, 1970.
8. Swerlow, M & Jones, R. - "The duration of action of Bupivacaine, Prilocaine and Lignocaine. Brit. F. Anesth., 42 : 335, 1970.
9. Widman, B. - "LAC 43 - (Marcaine): a new local anesthetic. Acta. Anaesth. Scandinav. Suppl. XXV. 59, 1966.
Endereço dos autores:
Av. Brig. Faria Lima, 830 - 3.º andar 01452 - São Paulo/SP
1 Marcaina 0,5% com adrenalina 1:200.000, marca comercial da ASTRA QUIMICA DO BRASIL LTDA.
2 Xylocaina 1 % com adrenalina 1:200.000, marca comercial de ASTRA QUIMICA DO BRASIL LTDA.
3 Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina, em 1973.
4 Prof. Titular da Disciplina de otorrinolaringologia do Depto. de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
5 Prof. Assistente - Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Depto. de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
6 Otorrinolaringologista do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.