Versão Inglês

Ano:  1956  Vol. 24   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 25

 

CAPILARES DO SANGUE E OTORRINOLARINGOLOGIA - PARTE 1

Autor(es): Dr. JOSÉ GUILHERME WHITAKER

(V)

A IONIZAÇÃO EM OTORRINOLARINGOLOGIA

Não nos detendo em questões de etimologia, faremos nosso o termo, comumente usado, de "ionização", para designar a utilização da corrente elétrica contínua, para introduzir no organismo iontes dotados de propriedades medicamentosas (1).

Em nossa especialidade, tais propriedades medicamentosas consistem na capacidade de atrair os fagócitos do sangue ao lugar da infecção e na de provocar, na permeabilidade capilar, reações indispensáveis às defesas naturais. Os medicamentos, instilados nos sinus ou pincelados nas amígdalas, reforçam as defesas naturais de maneira apreciável, finas quando ionizados, penetram mais profundamente, atingindo criptas e pequenos recessos das mucosas - células etmoidais, sobretudo. Segundo o pólo empregado, além disso, os medicamentos compostos de dois elementos podem ter duas ações diferentes, conforme os iontes aplicados. É o caso do iodureto de potássio (KJ), como adiante veremos. Outra vantagem da ionização é o transporte "in loco" de iontes medicamentosos, tornando ativas quantidades pequenas de substâncias, que, como o piramidon (2), têm dose terapêutica próxima da tóxica, ou permitindo aplicações de substâncias sem tal inconveniente, mas eficientes apenas em quantidades abundantes.

Há muitos técnicos, sobretudo de laboratório, contrários à ionização como meio auxiliar de terapêutica, uns, negando a penetração do medicamento e atribuindo à própria corrente elétrica quaisquer resultados favoráveis; outros, admitindo penetração apenas até aos vasos superficiais da pele, com passagem para a circulação geral, mas com fraca atuação.

Experiências clínicas bem sucedidas, nos quinze últimos anos, permitem-nos afirmar a excelência da ionização no tratamento das inflamações, agudas ou crônicas, bem como na localização de focos de infecção.

Interessante publicação recente considera contra-indicado o uso da corrente continua nas lesões cardíacas descompensadas e na fase aguda das inflamações (3). Do primeiro efeito tivemos duas vezes confirmação parcial em pacientes que se queixavam, após a ionização, de mal estar acentuado durante cêrca de 12 horas. O exame clínico posterior revelou lesão cardíaca, não descompensadas e de pouca monta. Relativamente ao segundo, nossa experiência é contrária. A ionização prestou-nos, sempre, ótimos serviços nas fases agudas das inflamações de ouvidos, nariz e garganta, talvez porque a empregássemos como "meio para conseguir um fim", isto é, para influenciar as defesas naturais, estimulando-as ou moderando-as, segundo o caso. No caso de infecções crônicas, é preciso atrair os fagócitos, que, como bem diz Bordet, são a pedra fundamental das defesas naturais. Nas infecções e inflamações agudas, teremos de nos esforçar para diminuir a migração excessiva de fagócitos e influir no processo inflamatório, pela anestesia dos filêtes da dor dos nervos sensitivos, que constituem a via exclusiva de propagação dos processos inflamatórios.

As mucosas das vias aéreas superiores permanecem estéreis apenas algumas horas após o nascimento, apresentando-se, logo depois, com a mesma pululação de micróbios como no adulto. É preciso, pois, diante da variedade de micróbios e da rapidez com que deflagram infecções, estimular elementos, como os fagócitos, que eliminem prontamente a causa do perigo.

Sómente medicamentos solúveis em água são ionizáveis (4), sob ação da corrente elétrica continua ou galvânica.




FIGURA 1 e 1-A - aparelho de ionização portátil, ideado pelo Dr. Francisco de Paula Vicente de Azevedo Filho. 1 - Interruptor; 2 - Graduador para transiluminação (não indispensável consumindo muito maior corrente do que a própria ionização); 3 - Miliamperimetro. 2 a 3 miliampéres são suportados normalmente, mas se a miliamperagem for maior, a quantidade de medicamento que penetra será também, maior; 4 - Graduador para aumentar a miliamperagem, quando girado no sentido dos ponteiros de um relógio. Em sentido oposto, a corrente diminuirá. O aumento e a diminuição devem ser feitos lentamente, para que não ocorram vertigens; 5 - Inversor de corrente; 6 - Lugar para o pino único do fio de ionização; 7 - Lugares para serem inseridas as extremidades dos fios separados, para o caso de não se dispor do fio de pino único, mais prático; 8 e 8' - Botões de côr vermelha e verde, as mesmas cores que se encontram nas extremidades do fio e que servem para indicar qual o pólo positivo ou negativo, determinado pelo construtor do aparelho. O pólo positivo será sempre aquêle para cujo lado o inversor está indicado, as cores servindo, indiferentes, apenas para facilitar o seu reconhecimento. O fio abaixo do aparelho, de um só pino, apresenta, nas suas extremidades, material de cor verde ou vermelha (9 e 9'), acompanhando a dos botões (8 e 8') com um dispositivo de metal cromado com um furo com rosca (10), onde se prendem firmemente os electrodos com um apêndice lateral (11), dotado de mola de pressão, onde se prendem os arames de aço, servindo de porta-algodão.

Entre os vários aparelhos construídos para transformar em contínua a corrente geralmente alternada das cidades, os "retificadores de válvulas" podem falhar, quando estas, queimando, dêm, bruscamente, passagem livre à corrente da rêde urbana, ocasionando choque e, mesmo, vertigem, sobretudo quando a aplicação fôr próxima ao ouvido. Com o emprego do pantostato não ocorre tal inconveniente, mas a corrente não passará perfeitamente contínua e fica por elevado preço (5).

Corrente verdadeiramente contínua, galvânica, é a que provém de pilhas ou de acumuladores. Êstes, porém, destinados quase sempre a automóveis, dispõem de apenas 9 volts, quando necessários são 30 a 65 para que penetre a corrente, levando os medicamentos. Apresentam, além do mais, as desvantagens do peso e do extravasamento do ácido.

Ideais serão as pilhas secas, como as que se destinam a aparelhos de rádio e telefones. Mesmo em formato pequeno, fornecera 45 ou 67,1/2 volts, permitindo a construção de aparelhos portáteis, como o que está representado nas figuras 1 e 2, projetados pelo Eng.° Dr. Francisco de Paula Vicente de Azevedo Filho. Ê preciso, porém, que sejam novas as pilhas, sendo, também, aconselhável o emprêgo de um aparelho de "test", intercalado entre o aparelho de ionização e os electrodos amarrados ao paciente, para medir-lhe a resistência orgânica e, ao mesmo tempo, verificar a miliamperagem e a voltagem.


FIGURA 2 -Vista posterior do mesmo aparelho de ionização portátil, com a tampa abaixada, para mostrar o interior do aparelho. 1 - Fio para electrodos - redondos, de alumínio ou para arame de aço, servindo como porta-algodão - como descritos na figura 1. No compartimento onde se coloca êsse fio, enrolado, há espaço ainda para uma bandagem, para fixar os electrodos de alumínio, sobre os diferentes sinus. Aí são colocados, também, um ou dois pares de porta-algodão de aço. A esquerda do compartimento central, cinco pequenos compartimentos de borracha para conter os vidros de outros tantos medicamentos (porta-algodão, electrodos circulares, bandagem de fixação dos electrodos e frascos de medicamentos, foram colocados ao lado do aparelho para maior clareza. A direita do compartimento central, outro, de tamanho pouco menor e fechado por uma tampa, de madeira, contém a pilha de 45 volts. A chanfradura maior, que se vê na beirada da tampa, dá passagem ao fio, quando se fecha o aparelho por meio de um pequeno gancho que se encaixa em pequena argola visível no bordo superior do aparelho. Quando da ionização para os sinus, o paciente, segurando o aparelho pela alça, poderá se locomover, atender o telefone por exemplo, sem que, com isso, se prejudique o tratamento.

Os electrodos podem ser de diferentes formatos e tamanhos, segundo a região em que devem ser aplicados. Para os sinus, adaptam-se melhor discos de alumínio, com quatro centímetros de diâmetro, tendo lisa a face que se aplica ao rosto e a outra munida de um parafuso com uma porca em que se prende o fio condutor de corrente (figuras 3 e 4).


FIGURA 3



FIGURA 4


Usamos, igualmente, electrodos de chumbo, com formato retangular e de dimensões equivalentes, mas êstes apresentam o inconveniente de não se lhe poderem adaptar facilmente as roscas que se vêem nas fotografias 3 e 4. Tanto os electrodos de alumínio como os de chumbo devem ser destinados, se possível, ao mesmo medicamento e devem ser lixados e limpos, ao menos uma vez por dia.

Os medicamentos são embebidos em algodão ou tecido de flanela, interposto entre o electrodo e a pele, devendo ter, um ou outro, maior dimensão que o electrodo metálico, a fim de evitar queimaduras. Estas, aliás,podem, também, ser causadas por dobras no tecido ou no algodão; por excesso de gordura da pele, ou pela "maquilagem", embora discreta, ou, ainda, por corrosão dos electrodos pela ação dos medicamentos empregados. Em alguns casos, temos empregado, para molhar o algodão ou a flanela, em vez de água distilada, brometo de cálcio, tendo, sempre, o cuidador de remover da pele do rosto, com álcool, éter ou benzina, a gordura ou a "maquilagem, e, até mesmo, ou pó de arroz. Para que não se correram os electrodos, devem ser lavados e lixados todos os dias. A flanela deve ser lavada somente com água distilada e sem sabão, se não puder ser substituída freqüentemente por nova, não usada.

O feltro, por ter superfície lisa, oferece menos risco de queimaduras; além disso, por seu forte poder de absorção, dificilmente deixará gotejar os medicamentos quando se apertem as ataduras de fixação dos electrodos. Uma concavidade no feltro para receber o electrodo (figura 3) seria ideal, mas, sendo difícil, pode-se recorrer à disposição inversa, isto é, a encaixar o feltro no electrodo, o que é facilitado pelo emprego de uma tampa de borracha, como as usadas nas garrafas de leite, a qual tem concavidade com espaço justo para electrodo liso e circular de alumínio, bem como para o disco de feltro que o recobre (figura 4). Como o feltro próprio não é fácil de se encontrar, reservamo-lo para medicamentos que possam manchar as roupas, ou irritar os olhos, se escorrerem pela pressão das faixas de fixação dos electrodos.

Os medicamentos ionizados devem ser escolhidos de acôrdo com o estado agudo ou crônico da inflamação.

IONIZAÇÃO NAS SINUSITES AGUDAS

Consiste na introdução de medicamentos no sinus e na aplicação externa dos electrodos.

A introdução de medicamentos no interior dos sinus constitui uma ponte, uma "trilha", que facilita a passagem da corrente elétrica de um electrodo externo para o outro. Êles agem além disso, topicamente. Sua penetração nos sinus faz-se pelo "deslocamento de ar", antigamente praticado por meio de um pequeno balão de borracha, que se introduz, murcho, na narina, até oblitera-la (método de Proetz). Solto, o balão, para voltar à forma primitiva, aspira o ar do nariz e dos seus sinus, provocando pequeno vazio que é ocupado pelo medicamento. Ermiro de Lima, do Rio de Janeiro, simplificou o processo, fazendo com que o próprio doente, de bôca fechada e apertando as narinas com os dedos, provoque, por pequenos movimentos de sucção, a expulsão de ar das cavidades. Dando à cabeça posições adequadas, é também possível fazer com que os medicamentos penetrem em maior quantidade, em determinado sinus. Essas posições estão ilustradas em páginas subsequentes. (Figs. 5 e 6).

O modo por que se iniciam inflamações e infecções agudas e o motivo de se tornarem crônicas algumas dessas infecções, expostos nos capítulos I e III, orientam suficientemente sôbre quais os medicamentos que devem ser ionizados na fase aguda ou na fase crônica. Antibióticos podem ser também ionizados e sua escolha será orientada pela sensibilidade da infecção a êste ou àquele antibiótico e pela tolerância do paciente.

Nas sinusites manifestam-se, às vezes, formas superagudas, com sintomas intoleráveis, que obrigam, logo, ao emprêgo de antibióticos; êstes casos, porém, são pouco freqüentes, coincidindo, em geral, com a gripe. No tifo, que se apresenta com dores de cabeça intensas, os casos de sinusite são poucos (9 em 121), como verificamos no Hospital Emílio Ribas (antigo Hospital do Isolamento) e, também, em outras moléstias infecto-contagiosas ("Sinusites e Defesas Naturais", Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, setembro-outubro de 1942).

Nas sinusites agudas, as dores de cabeça, fortes, mas não insuportáveis, acentuando-se nas inclinações do tronco e da cabeça, e acompanhadas de forte obstrução nasal, indicam (capítulo 1) boas defesas naturais. Quando intensas as dores, é forçoso que sejam aliviadas, sem prejudicar, contudo, as defesas naturais.

Instilações nasais de cocaína, associada ou não, aos antí-histamínicos para formar a "trilha", e cálcio, colocado nos eletrodos externos, satisfazem esta dupla necessidade: a cocaína, não apenas anestesiando, mas suprimindo o reflexo axônico que é a via exclusiva da propagação das inflamações;o cálcio, favorecendo a fagocitose (capítulo 1). Conforme seja a sinusite, frontal, maxilar ou posterior (etmóido-esfenoidite), variam a instilação no nariz e a posição dos eletrodos. A corrente contínua deve ser tão alta quanto suporte o paciente, geralmente dois ou três miliampéres, por isso que a quantidade de medicamento que penetra no organismo depende da intensidade da corrente, à qual são mais sensíveis as senhoras de pele clara.

Vejamos, em primeiro lugar, como proceder na etmoidite, a mais freqüente das sinusites (6).

A cocaína, desintoxicada pelo simples processo de Starkenstein (capítulo 1) e em solução de 10 a 20% - conforme a intensidade dos sintomas, - é instilada no nariz, estando a cabeça em inclinação máxima e o paciente em decúbito lateral, como o mostra a figura 5.


FIGURA 5 - Deslocamento de ar pelo processo de Ermiro de Lima para penetração do medicamento no etmóide e maxilar. Paciente em decúbito lateral.


Fechada a bôca e apertado o nariz, faz o paciente os necessários movimentos de sucção para rarefazer o ar no nariz e permitir que o medicamento substitua o ar nos pequenos recessos da mucosa.

A figura n.° 6 mostra o decúbito dorsal, necessário à penetração dos medicamentos-trilha nos esfenóides e, às vezes, também, nos etmóides e frontais.

A cabeça pode ser, em seguida, colocada ao nível do sofá, sem travesseiro, sendo os electrodos externos aplicados na posição bitemporal, que permite à corrente elétrica atravessar o crânio com trajeto que apanha o etmóide e o esfenóide, freqüentemente atacados em conjunto (sinusite posterior). Na figura n.º 7, a paciente está sentada para que se veja melhor essa posição bitemporal dos eletrodos. Aliás, a ionização na posição deitada é apenas uma cautela para que o medicamento não escorra do etmóide-esfenóide para a faringe ou para o lábio superior. Feitas as aspirações suficientes, o paciente, depois de permanecer deitado por alguns minutos, poderá sentar-se para a ionização; a absorção da mucosa é rápida e o medicamento continuará nos pontos convenientes, depois do paciente sentado.

O ionte cálcio favorece a fagocitose (7), sem, todavia, estimulá-la, o que é de importância para que não se exacerbem os sintomas molestos da sinusite aguda (8). Empregamo-lo sob a forma de brometo (bromureto de cálcio), em solução a 20%. Havendo intolerância pela cocaína, o que raramente acontecerá se ao alcalóide se acrescentar quantidade mínima de adrenalina (capítulo I), ou em sua falta, a efedrina a 3% será empregada como trilha. Poderá, mesmo, ser dispensada a trilha, acrescentando-se, ao cálcio dos eletrodos exteriores, partes iguais de uma solução a 31% de Novalgina, de carga elétrica também positiva como o cálcio. O pólo positivo, com o pano ou algodão embebido nessa mistura de cálcio e novalgina, é aplicado sobre o lado da cabeça (têmpora) em que as dores sejam mais fortes e o entupimento nasal acentuado; coloca-se o pólo negativo, embebido em água destilada, na têmpora oposta. Liga-se a corrente, elevando-se, aos poucos, até dois milliampéres, intensidade tolerada pela maioria das pessoas, durante dez minutos ou durante vinte minutos, se não se tiver instilado "trilha". Se o paciente se queixar de "picadas" da pele, a miliamperagem será reduzida, até mesmo a uma fração de miliampéres, mas o tempo da duração da ionização deverá ser então maior, vinte minutos, ou meia hora.

Nas etmoidites bilaterais, mais comuns, procede-se do mesmo modo, invertendo-se, porém, os eletrodos, e não, a corrente.

A objeção principal contra a posição bitemporal ou contra tôdas as posições que sugerimos é que, se o electrodo neutro for aplicado em qualquer outro lugar, até mesmo próximo ao tornozelo, os efeitos serão os mesmos. O borra senso nos diz e os resultados clínicos provam que a corrente elétrica segue, sempre, o caminho mais curto da posição bitemporal, mormente se estabelecermos uma ponte ou trilha medicamentosa no interior do nariz.

Terminada a ionização, é útil, mas não indispensável a aplicação de calor, outro fator que favorece a fagocitose (9).

O caixote de Brünings (figuras 8 e 9) com o calor penetrante dos raios infravermelhos de suas lâmpadas de carvão, é o meio mais prático. Apresenta, porém, inconvenientes, sobretudo de ordem psíquica: o paciente, com muita freqüência, diz ter em casa êsse caixote, cuja simplicidade não lhe inspira confiança, tendo sido essa a razão da consulta ao especialista. Entretanto, os efeitos do caixote de Brunings são notáveis, uma vez que seja utilizado logo no início da doença e, sobretudo, quando antes da aplicação, dez ou quinze minutos, se ingira um comprimido de Gardan (associação equimolecular de piramidon 39,70% e Novalgina 60,30%).

Outra forma de aplicar calor é por meio de ondas curtas, as quais, entretanto, não penetram reais profundamente do que os raios infravermelhos. O comprimento de onda mais adequado é o de 14 metros. A medida é facilmente aferida pela superfície dos electrodos de borracha (10), que, em três pares, acompanham o aparelho de deflagradores "Siemens" ("Funkenstreckenapparat") o de superfície menor (6 cm por 8 cm) corresponde a ondas de 12 metros, consideradas ultracurtas; o de tamanho médio (8 cm por 14 cm) fornece ondas de 14 metros; o maior (12 cm por 18 cm), ondas de 16 metros. A superfície dos electrodos maiores não permite sua utilização na cabeça; contudo, no tórax, em posição antero-posterior, produz bons efeitos nas traqueítes. As ondas ultracurtas - 6 a 12 metros - com o aparelho de válvula "Siemens" e com electrodos circulares de quartzo, não oferecem maiores vantagens que as ondas curtas. Às vezes, porém, um ou outro paciente lembra-se de ter sido por elas beneficiado, nada custando, após a ionização, emprega-las em lugar das ondas curtas do aparelho de deflagradores; assim, o velho aparelho sai do "museu" em que habitualmente é conservado, para casos como êste. Os electrodos do aparelho de ondas curtas são aplicados na mesma posição bitemporal, como na ionização dos sinus posteriores; para os outros sinus, a posição é antero-posterior e o aparelho terá de ser então o de válvula.

Nas sinusites maxilares agudas, faz-se a instilação da trilha de cocaína ou de cocaína-Histadyl com o paciente deitado em decúbito lateral e com a cabeça pendurada em posição que pouco difere da que usamos para os etmoidais, como o mostra a figura n.° 5. O paciente, enquanto procede à manobra de Ermiro de Lima deve menear a cabeça, até sentir o medicamento nos dentes, sinal positivo de ter sido o sinus maxilar atingido.

Os electrodos externos são aplicados logo a seguir, na posição bimaxilar (figura 10), não havendo necessidade de permanecer em decúbito, em virtude da posição alta do orifício de drenagem natural do sinus maxilar.

Para os sinus esfenoidais, o paciente deve estar em decúbito dorsal e a cabeça em extensão máxima (figura 6), a fim de receber, no nariz, o medicamento-trilha. Sabe-se serem bens atingidos os sinus esfenoidais quando o paciente acusa dor na região occipital, como, aliás, a que já sentia, provocada pela infecção.

A ionização deverá ser feita cm decúbito dorsal, a fim de que o medicamento não escoe para a rinofaringe. Os eletrodos externos, com cálcio um, com água destilada o outro, são aplicados na posição bitemporal, como para a etmoidite, e terão posições trocadas após 10 minutos, devendo estar o paciente deitado, sem travesseiro.


FIGURA 10


Para o sinus frontal, a instilação da trilha nasal é um pouco mais trabalhosa, pois é necessário evitar que o medicamento reflua pelo dueto naso-frontal, que é quase vertical. Pode ser feita em decúbito dorsal, ou lateral. Nessas posições, o paciente, conservando o nariz apertado com os dedos, vira-se com facilidade de rosto para baixo, com a ponta do nariz voltada para o chão.

Quando, pelos movimentos de sucção, feitos sem demora, o medicamento fôr sentido na testa, deverá o doente voltar rapidamente ao decúbito dorsal.

Outro modo consiste em fazer o doente ajoelhar-se sôbre uma cadeira, segurando-se ao espaldar e inclinando para trás a cabeça, tanto quanto puder (figura 11), para receber a trilha nasal, dobrando-se imediatamente, depois ao máximo, para a frente (figura 12) e fazendo sucções, até sentir penetrar o medicamento na testa. Voltará, em seguida, ao decúbito dorsal, para a colocação dos electrodos na posição bifrontal (figura 13), que foi fotografada em posição sentada, a fim de mostrá-la com clareza.


FIGURA 11



FIGURA 12



FIGURA 13


Na sinusite frontal dupla usa-se um só electrodo ativo, que possa atingir os dois sinus e deve ser fixado na testa, sôbre às sobrancelhas, sendo o electrodo indiferente ligado ao antebraço. A corrente deverá continuar numa única direção, por 10 ou 20 minutos, conforme a tolerância para miliampéres que tiver o paciente. Em seguida, faz-se, logo, a aplicação de calor, que, nas sinusites frontais agudas, deverá, de preferência, provir de ondas curtas do aparelho de deflagradores; sobre a testa será amarrado o electrodo menor (12 metros) ; - o maior será colocado nas costas, mantendo-se firme pelo próprio peso do paciente deitado. O calor será, então, mais forte sôbre os frontais, no electrodo menor.

Ao contrário dos outros sinos, o frontal apresenta manifestações alérgicas com maior freqüência: o efeito da cocaína é, então, fugaz ou, mesmo, nulo, necessitando ser associada a um antialérgico líquido (capítulo 1).

Outros medicamentos podem ser usados como trilha nasal, nas sinusites agudas, quando o emprêgo da cocaína ou da cocaína associada a um antialérgico (Histadyl) não trouxer melhoras imediatas que perdurem, ainda que com leve declínio, até o dia seguinte. Mais eficientes são as sulfas, não, quando injetadas ou administradas por bôca, mas quando instiladas nos sinus, como trilha para a ionização. A mais ionizável das sulfas é o Albucid (do laboratório Schering) (11), como há tempos, a nosso pedido, nos informou o Dr. C. Corbett, então 1.° assistente e hoje catedrático da Cadeira de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Usamos o Albucid injetável, em ampolas de 5cm3, tal qual se encontra no comércio. Provocando o seu contato com a mucosa nasal dores mais ou menos fortes, é aconselhável adicionar duas gotas de solução a 20% de cloridrato de cocaína. Aliás, a cocaína deverá ser usada antes, se a obstrução nasal fôr intensa e impedir a entrada da "trilha". Cada ampola de Albucid dá para quatro tratamentos. A carga elétrica do Albucid e das sulfas, em geral, é negativa.

Anos atrás, empregamos, como trilha nasal, o bacteriófasio antistafilocócico (Laboratório Coral), por ser êste o micróbio responsável pela maioria (60%) das infecções sinusais (12).Os resultados eram imediatos, evidentemente naquela mesma proporção das sinusites (13). Com o aparecimento dos antibióticos, o fabricante do bacteriófago perdeu todo e qualquer interesse na sua fabricação, o que é de lastimar, sobretudo agora, pois, com a resistência cada vez maior dos micróbios á penicilina (capítulo 1), estão ressurgindo os velhos métodos, sobretudo as vacinas.

Apesar de ser hoje eficaz em apenas 40% dos casos, pode-se empregar a penicilina como trilha nasal, em solução aquosa, na máxima concentração possível. Como a penicilina tem moléculas de grande volume, o tempo de passagem da corrente contínua terá de ser longo (meia hora). A carga elétrica de penicilina é negativa, bem como a do Albucid. O outro pólo (indiferente) embebe-se de cálcio, que é de carga positiva.

A instilação pura e simples de penicilina no nariz, sem a ionização concomitante, é quase sem efeito, mas a de sulfa (Albucid) é, algumas vezes, útil.

A terramicina líquida (a dos vidros destinados a injeções intramusculares ou endovenosas), empregada como trilha, nas ionizações, dá bons resultados, como seria de esperar do antibiótico eficaz contra maior número de micróbios.

A aureomicina que age especialmente contra os estafilococos é, entretanto, menos eficiente do que a terramicina. É da máxima importância não usa-las em conjunto ou logo em seguida uma da outra, tendo a experiência alheia mostrado que, com isso, a infecção se exacerba.

A ionização só é realizável no consultório, onde, além da facilidade de medicamentos, há aparelhagem para aplicação de raios infravermelhos e de ondas curtas, como fontes de calor, para favorecer a fagocitose.

As melhoras, freqüentemente, são completas no mesmo dia; às vezes, porém (geralmente à noite), poderá o paciente ter uma recaída. Costumamos, por isso, aconselhar algum dos descongestionantes da mucosa nasal (11) dos que existem no mercado, sobretudo a velha inalação com mentol (bafo): uma colherinha de café, com álcool mentolado (3 gr. de mentol em 100 g de álcool), em dez ou doze litros de água quase em ebulição, em vasilha de superfície grande, ou em uma pia, sôbre a qual se inclina a cabeça, coberta com toalha ou lençol suficientemente grande para abranger a parte superior do tronco, formando tenda. Depois de um minuto, repete-se o mentol, três ou quatro vezes, durando a aplicação cinco minutos, ao todo, - tempo suficiente para que o vapor da água quente provoque sudação abundante do rosto e o mentol facilite a saída de catarro amarelo. O paciente sente logo o nariz desentupido e a cabeça leve. Uma toalha com água fria deve ser passada rapidamente sôbre o rosto suado, sendo o paciente levado, sem perda de tempo, para a cama, onde deve conservar, por dez a quinze minutos, a cabeça envolta em toalha sêca.

Mostrando-se, no segundo dia, ineficaz o tratamento pela ionização e pelo "bafo" de mentol, recorre-se ao emprêgo das sulfas, quase sempre por via oral (que se nos tem mostrado eficiente), ou a injeções de antibióticos.

b) SINUSITES CRONICAS COM MUCOSAS AINDA REVERSIVEIS

Ao contrário das sinusites agudas, com sua exuberante defesa local, as sinusites crônicas são devidas, muitas vezes, à fagocitose deficiente. Necessitam, pois, do estímulo local das defesas naturais, que consiste em atrair, para os sinus, os glóbulos brancos do sangue dotados do poder da fagocitose. Para tal efeito, o melhor medicamento é o iodureto de potássio (KJ) (15), cujo ionte potássio dilata os capilares e cujo ionte iodo atrái os fagócitos através das paredes dilatadas dêsses capilares. Deverá haver inversão da corrente; faz-se, primeiro, penetrar o potássio (pólo positivo), no sinus, ligando-se a corrente durante 5 minutos: depois, invertendo-se a corrente, o ionte iodo (de carga negativa) penetrará no mesmo sinus (por 10 minutos), terminando tudo com aplicação de calor durante cinco minutos. Usa-se o KJ, ao mesmo tempo, como trilha nasal e nos electrodos externos. Empiricamente, verificamos ser mais eficiente o KJ em solução a 20% em água destilada. Sendo, porém, essa concentração extremamente dolorosa quando em contato com a mucosa do nariz e dos sinus, deve-se iniciar o tratamento com uma solução a 5%, perfeitamente tolerável, passando, depois, para 10%, 15% e, por fim, 20% (16). A solução mais forte quase sempre necessitará de cocainização prévia. Os electrodos externos, forrados de feltro, levarão, um, a solução a 20%, desde o primeiro tratamento, o outro, água destilada, trocando-se, depois, a posição dos electrodos.

A solução a 5% do iodureto de potássio e, mesmo, a de 10% podem, também, prestar bons serviços nos casos subagudos, ou nos agudos que não tiverem cedido aos tratamentos descritos.

As sulfas (Albucid) e os antibióticos, usados como trilhas para o KJ a 20% dos electrodos externos, dão, também, bons resultados nas sinusites crônicas. As sulfas (carga negativa) podem ser também usadas nos electrodos externos misturados ao KJ.

A técnica para instilação da trilha e para colocação dos electrodos é a mesma dos casos agudos.

O tratamento dos sinus, em separado, permite a verificação e a localização de focos de infecção que neles tenham sua sede. A dor intensa, provocada pelo KJ a 20% ou 15%, desaparece espontaneamente no espaço de cinco a dez minutos. Pessoas há, entretanto, que se mostram sensíveis a essas concentrações e, mesmo, à concentração a 10%, queixando-se de dores de cabeça por muitas horas e de sentirem o medicamento deslocar-se dentro das cavidades paranasais com os movimentos da cabeça. Em geral, mostram-se também sensíveis ao Albucid, com manifestações idênticas. Nesses casos começamos, em 1954, a usar como trilha medicamentosa apenas a cocaína em solução a 20%, com bons resultados. Quando a sinusite melhora (secreção não purulenta e em pequena quantidade, desaparecimento do pigarro retronasal e diminuição de moncas e laganhas, deixamos de usar o KJ e o Albucid - (que provoca congestão e afluxo de fagócitos), substituindo-os pela cocaína na instilação intrasinusal. Externamente, porém, empregamos água distilada e KJ a 20 % associado a uma sulfa.

Além do processo que acabamos de descrever, da ionização dos sinus por meio da trilha medicamentos a interna e dos electrodos aplicados externamente, praticamos, às vezes, a ionização "direta" dos sinus. Para isso, introduzimos, no nariz, o electrodo ativo, que será, obrigatoriamente, um porta-algodão: para o sinus maxilar, o electrodo será introduzido no meato inferior; para os etmoidais e frontais, no meato médio; para os esfenoidais, o porta algodão deverá penetrar cérea de 9 centímetros, até tocar a parede anterior dos sinus esfenoidal. O electrodo indiferente será fixado na região temporal. Medicamentos são os mesmos atrás mencionados. mas a passagem da corrente (até 3mA) é de menor duração, três minutos. A ionização "direta" exige cocainização intensa da mucosa nasal e, mesmo assim, é bastante dolorosa. Seus resultados, além disso, são pouco superiores àqueles que se conseguem com os métodos de trilha e electrodos externos, mesmo para a localização de foco infecciosos em determinado sinus.

Outros medicamentos que usamos nas sinusites crônicas e subagudas, seja como trilhas seja externamente, são os seguintes: extrato fluído de erisismo (diluído em três partes de água distilada), ferrum saccharatum oxydatum (25 a 40%), terramicina. Se melhoras não se manifestam logo após o primeiro ou segundo tratamento, deverão ser trocados os medicamentos, tentativamente, começando-se sempre pelo KJ que em geral é o mais eficiente.

Em cinco ou seis tratamentos devem, então, as melhoras ser notáveis, numa proporção, digamos, de 80%. A cura deverá ser alcançada após dez tratamentos.

Não havendo cura ou, pelo menos, melhoras consideráveis, recorrer-se-á à pequena cirurgia intranasal. Conforme seja a sinusite, far-se-á abertura do meato inferior, ao esvaziamento das células etmoidais anteriores, ao alargamento do dueto naso-frontal e á remoção da mucosa que constitui a parede anterior do sinus esfenoidal, operações essas consideradas, antigamente, como drenagem, mas que favorecem a penetração, nos sinus, das trilhas medicamentosas, com maior probabilidade de êxito na repetição das ionizações, ou favorecem a penetração de oxigênio que também exerce ação sôbre os capilares.

Antes de tomar decisão pela grande cirurgia dos sinus, deve-se levar em conta que focos amigdaliano ou dentários podem ser causa de cefaléias, as quais, embora menos freqüentemente, podem, também, ser devidas a desvio do septo nasal.

A ionização do gânglio esfeno-palatino com cocaína a 20% dá bom resultado nas nevralgias que dêle provenham e que são, geralmente, provocadas por sinusites posteriores.

c) IONTZAÇÃO NAS OTITES MÉDIAS DO ADULTO

Excetuando-se as otites tuberculosas e as sifilíticas, as otites médias têm origem nas secreções catarrais ou purulentas, provindas dos etmoidais e esfenoidais (sinus posteriores) e estagnadas na rinofaringe. O tratamento dessa sua causa primária, cura, quase sempre, as otites, uma vez que não tenham caráter agudo, intenso.

Quando o resfriado é recente, produzindo sensação de "algodão" nos ouvidos, a ionização direta dá bons resultados, introduzindo-se no conduto auditivo externo, perto mas não junto (dor)
à membrana do tímpano, uma mecha de algodão embebida em cocaína e cloreto de cálcio ou brometo de cálcio, ligada ao pólo positivo. O sulfato de sódio também é indicado, em tais casos. Faz-se penetrar o ionte ácido, ávido de líquido, ligado ao pólo negativo da corrente contínua, podendo ser substituído pelo amônio (cloreto de amônio) ligado ao pólo positivo.

Nas otites catarrais crônicas, com retração do tímpano, a ionização faz-se através do conduto auditivo externo com iodureto de potássio. Introduz-se, em primeiro lugar, o ionte potássio, que é positivo e, em seguida, o ionte negativo do radical ácido, o iodureto. O ionte do radical ácido (negativo) do sulfato de sódio pode, também, determinar bom efeito.

Contra zoadas obtem-se bom resultado com o ionização de dionina (4%) com cocaína e atropina (2 gotas) pelo conducto auditivo externo; o erisimo também dá bons resultados.

d) RINOFARINGITES E OTITES INFANTIS

O tempo decorrido desde o início da moléstia é o melhor elemento para discernir se são agudas ou crônicas as inflamações da mucosa da rinofaringe ("cavum") e da mucosa dos minúsculos sinus posteriores da criança. Agudas serão sempre, evidentemente, nas crianças até 3 meses, sobretudo quando se repetem a miúdo, como se dá no Desgoverno Capilar. A rinofaringite, representando, conforme nos relatou pediatra experimentado, 80% da patologia das criancinhas, é causa da quase totalidade das otites infantis, inclusive das chamadas "otites latentes", cada vez melhor conhecidos, à medida que cresce a experiência do otorrinolaringologista.

A paracentese do tímpano, até hoje exigida pelos pediatras quando se defrontam com uma otite aguda intensa que provoca toxicose, poderá ser evitada, na maioria dos casos, pela ionização, como demonstramos em Tese de Docência em 1947 (págs. 154 e 158).

Como trilha nasal, para os lactentes, empregamos, sem inconvenientes, a cocaína em solução de 1 a 2%, nunca tendo observado efeito tóxicos, como os que a efedrina, em solução a 3%,
às vezes determina. Os electrodos externos são embebidos, um, com brometo de cálcio a 20%, associado, em partes iguais, à cocaína a 3 % e, às vezes, ao piramido a 1%e, outro, com água distilada. Colocados em posição bitemporal, depois de cinco minutos de atuação do electrodo ativo, na otite bilateral, trocam-se os electrodos e repete-se a ionização.

A ionização visa a rinofaringite, causa verdadeira da otite aguda. A infecção aguda dos minúsculos sinus posteriores (esfenoidais e etmoidais) pode ser, também, causa das otites, mas, estando êles no trajeto do percurso da corrente contínua, que vai de uma têmpora à outra, serão beneficiados pelo tratamento.

No recém-nascido, tem o antro quase que as mesmas dimensões das do adulto. O antro é a continuação do epitímpano, que é separado do conduto auditivo externo pela membrana de Schrapnell. É denominado "attic" pelos anglo-saxões e, pelos alemães, "Kuppelraum". Ambos apresentam particularidades anatômicas que favorecem a instalação de focos de infecção (capítulo 1).

Até seis meses de idade, o antro, parcialmente obstruido por mucosa fortemente inixomatosa - (18), constitui adequado terreno para infecções. O epitímpano, por sua vez, apresenta numerosos pequenos ligamentos e dobras da mucosa, formando pequenos recessos, dos quais o mais conhecido tem o nome do cientista Prussak e está situado logo atrás da membrana de Schrapnell (19). Tais recessos constituem refúgios propícios aos micróbios. As infecções localizadas no antro-epitímpano constituem, a nosso ver, as "otites latentes", assim chamadas pela dificuldade de seu diagnóstico objetivo, sobretudo em virtude da posição quase horizontal do tímpano das criancinhas até dois meses. Essas infecções, que não deveriam ser chamadas otites, mas "artrites", são realmente graves, porque o antro e o epitímpano (que se comunicam livremente), sendo de tamanho quase igual aos dos adultos, contêm, nos recém-nascidos e nas criancinhas de tenra idade, quantidades proporcionalmente maiores de toxinas elaboradas pelos micróbios, alojados naquelas cavidades, determinando mais rapidamente o estado tóxico-infeccioso e o colapso.

Se a criança, porém, fôr atendida no inicio da artrite, a ionização será uma arma terapêutica de ação eficiente e rápida. A situação do antro das criancinhas é mais superficial, passando-lhe quase por cinta a fissura "squamoso-mastóidea", que, em 54% dos casos, só se fecha aos dois anos de idade (20). A posição relativamente superficial do antro e, sobretudo, a permanência da fissura "squamoso-mastóidea" oferecera condições felizes para que a ionização tenha efeitos ótimos e rápidos, até mesmo instantâneos, nas artrites infantis. O medicamento a ser usado é o brometo de cálcio a 20%, embebendo o electrodo ativo, colocado sobre a fissura e ligado ao pólo positivo, a fim de que sómente penetre o cálcio. O electrodo indiferente é colocado sobre a região que chamamos temporal (na realidade, região zigomática), do lado oposto, para maior facilidade na amarração da bandagem. Se éste fôr um pouco maior que o ativo, haverá vantagem pela concentração da corrente contínua no electrodo ativo, menor, e conseqüentemente, penetração de maior quantidade de cálcio. A corrente não deverá ser invertida, bastando que dure dez minutos. Mesmo antes de terminar a ionização, não é raro adormecerem criancinhas, que pelo choro, demonstravam grande sofrimento. Lembramo-nos, sempre, do grato caso de uma criancinha de 2 meses que, após três noites consecutivas de dores num dos ouvidos, nos foi levada pelos pais aflitos e exaustos e que, após 5 minutos de ionização do cálcio, com o electrodo positivo colocado sobre a fissura, dormia profundamente, não tendo acordado com os provimentos necessários à remoção dos electrodos e nem mesmo com o transporte para casa. Poucas horas depois, a mãe nos telefonava, alarmada com a continuação do sono profundo, não interrompido nem mesmo para a mamada. Foi fácil convencê-la de que, removida a causa (antrite) do sofrimento, era natural e benigno aquêle sono restaurador. No dia seguinte, informava-nos que o sono durara ininterruptamente até a manhã (quase dezesseis horas) e que a criança passara a alimentar-se como de costume, demonstrando, de novo, vivacidade e boa aparência. - Verificamos, então, que da rinofaringite e da antrite não restava sinal, pelo que lhe demos alta definitiva, com aquêle único tratamento.

Se as melhoras não forem imediatas e se continuar a criança inquieta ou chorando, deve-se fazer, logo a seguir, nas mesmas posições, a ionização com KJ (iodureto de potássio), deixando penetrar, por cinco minutos, cada vez, primeiramente, o ionte potássio e, em seguida, invertendo os pólos da corrente, o ionte iodo. A razão é que, freqüentemente, casos que se disseram de um ou dois dias de duração são, na verdade, mais antigos. Em qualquer caso, os efeitos do KJ são mais úteis que os do cálcio nas otites de mais de uma semana, em crianças com dois ou três meses de idade.

Como para o cálcio, os efeitos do KJ costumam ser também imediatos, manifestando-se as melhoras já no próprio consultório - conforme temos observado na grande maioria dos casos. Não se verificando tais melhoras nas otites e "antrites" de tenra idade, devemos lançar mão da paracentese do tímpano, sobretudo nos casos de toxicose acompanhados de diarréia ou de infecções das vias aéreas superiores (21), casos êsses nos quais os pediatras chegam a "exigir" a abertura do tímpano, Paralelamente, usar-se-ão antibióticos e sulfas.

Caso inverso foi o que relatamos no capítulo I, de uma criança de 8 meses que, dois dias após terminar uma série de 18 milhões de unidades de penicilina, se nos apresentou com forte otite aguda e que, em outros dois dias, foi curada com a ionização do cálcio através da fissura "squamoso-mastóidea".

A êsse respeito, convém lembrar ser, ainda, desconhecido o modo pelo qual agem as sulfas e os antibióticos, preponderando a teoria de que se trate de "efeito bacteriostático", pelo qual as bactérias seriam imobilizadas e impedidas de se reproduzir, ficando, nessas condições, facilitada a tarefa dos fagócitos.

É conveniente, porém, esclarecer aos pais que o tratamento não traz imunidade contra infecções das mucosas de ouvidos, nariz e garganta - as quais voltarão, se não forem observadas as medidas profiláticas sugeridas em nossa Tese de 1947 e repetidas, em parte, no capítulo VI.

Aos colegas que nos lisonjearem com a leitura dêstes capítulos, pedimos licença para lembrar que a fagocitose, tão bem estudada e comprovada por Jules Bordet durante muitos anos, não é específica (o que é de grande vantagem para a variedade de micróbios que causam as doenças de garganta, nariz e ouvidos), constituindo, no fundo, a mobilização das defesas naturais para o lugar infectado, conferindo imunidade local e passageira. Daí, a necessidade das medidas preventivas (comer certo, higiene bem compreendida), sempre tediosas, mas que facilitam o objetivo da Medicina.

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