Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 529 a 533

 

Pneumosinus Dilatans: Uma Doença de Etiologia Variada.

Pneumosinus Dilatans: Varied Etiologic Disease.

Autor(es): Marcelo Mauri*;
Carla O. Oliveira*;
Rita C. P. Krumenauer**;
Caroline P. Cunha**;
GuilhermeFranche***.

Palavras-chave: Pneumosinus dilatans, aerocele, pneumocele, ectasia sinusal

Keywords: Pneumosinus dilatans, aerocele, pneumocele and sinus ectasia

Resumo:
Peumosinus dilatans é uma expansão de conteúdo aéreo e etiologia desconhecida das cavidades paranasais. Poucos casos de Pneumosinus dilatans estão descritos na literatura. Apresentamos dois casos desta afecção, com algumas particularidades em cada um. No primeiro, o mecanismo de desenvolvimento, provavelmente, foi devido ao funcionamento do óstio como uma válvula unidirecional. Neste, realizou-se uma meatotomia média por via endoscópica, para aumentar a ventilação do seio maxilar acometido. No outro, o mecanismo proposto foi a drenagem de uma mucocele preexistente. Decidiu-se, então, apenas observar o paciente, uma vez que permaneceu assintomático. Acreditamos que a etiologia do Peumosinus dilatans é variada e o tratamento para tal deve ser individualizado.

Abstract:
The precise etiology and pathogenesis of Pneumosinus dilatans remain obscure and only few cases of Pneumosinus dilatans are described in the literature. Two cases of Pneumosinus dilatans of paranasal sinuses are presented. The postulated mechanism of air trapping in the sinus cavity was logical in the first case, so surgically decompressing the sinus to overcome this valve mechanism was performed through an enlargement of maxillary ostium. The drainage of mucocele seems to be the pathogenic mechanism in the other case and observation was carried out in this case. In the following up these patients have been asymptomatic. Therefore, the etiology of Pneumosinus dilatans seems to be variable and the treatment need to be individualized.

INTRODUÇÃO

Pneumosinus dilatans é uma doença de etiologia obscura dos seios paranasais, definida por uma expansão anormal de conteúdo aéreo'. A sintomatologia desta patologia pode variar conforme o seio acometido, no entanto, freqüentemente causa deformidades da face e obstrução nasal4. O seio frontal é o mais comumente afetado, sendo o envolvimento do seio maxilar muito raro. A literatura contém poucos relatos de Pneumosinus dilatans do seio maxilar². Os autores descrevem casos de Pneumosinus dilatans do seio maxilar e frontal e fazem uma revisão sobre sua nomenclatura, sintomatologia, etiologia e opções de tratamento.

REVISÃO DA LITERATURA E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O aumento cístico benigno preenchido por ar dos seios paranasais tem sido denominado na literatura por termos variados, que incluem: pneumocele, aerocele, Pneumosinus dilatans e cisto de ar13. Essa entidade foi descrita pela primeira vez por Meyes e colaboradores, em 1898, e então denominada pneumatocele sinusal (apud 5). Em 1918, Benjamins¹ descreveu a diferença entre Pneumosinusdilatanse pneumatocele. Ele definiu Pneumosinus dilatans como um aumento benigno do seio paranasal de conteúdo aéreo, sem erosão dos limites expandidos do seio. Pneumatocele foi definida como uma bolsa de ar envolta por partes moles, estendendo-se além dos limites do seio, podendo surgir como complicação do Pneumosinus dilatans ou de outros processos. Urken e colaboradores¹³ introduziram um novo termo: hipersinus. Este foi descrito como um seio frontal desenvolvido além dos limites máximos da normalidade. O seio é aerado e com paredes normais, não se estendendo além dos limites usuais do osso frontal. Clinicamente, o paciente é totalmente assintomático. Já o Pneumosinus dilatans foi definido como um seio aerado de expansão anormal, focal ou generalizada, com paredes intactas e de espessura normal. Isso o diferencia da pneumatocele, que se caracteriza por um seio aerado com adelgaçamento focal ou generalizado da parede óssea sinusal. A principal característica que distingue Pneumosinus dilatans da pneumatocele é a perda de integridade de parte ou de toda a parede óssea sinusal, que ocorre na última. Dependendo do grau de envolvimento do seio, toda a cavidade sinusal ou apenas uma porção localizada dela podem demonstrar expansão anormal. A pneumatocele localizada pode representar a progressão do Pneumosinus dilatans, com a ocorrência de adelgaçamento e erosão da parede óssea envolvida¹³.

A idade do paciente pode variar, desde a puberdade até a idade adulta, não havendo relatos de Pneumosinusdilatans em crianças². Isso se deve provavelmente à idade normal de desenvolvimento dos seios paranasais, assim como ao início e evolução gradual do Pneumosinus dilatans². O seio frontal é o mais comumente afetado13, 11, 10, embora casos de expansão afetando apenas o seio etmoidal`, maxilar','," ou esfenoidal foram descritos8, 6.

O recesso infraorbitário é particularmente propenso à pneumatização, e dessa maneira o Pneumosinus dilatans do seio maxilar poderia surgir dessa região16. Isso se deve à mudança de pressão afetando, preferencialmente, a porção mais delgada da parede sinusal. Entretanto, essa doença nem sempre surge do recesso infraorbitãrio, podendo começar no recesso alveolar16. No entanto, a parede anteromedial do seio maxilar parece ser a localização mais comumente acometida12, 5.

A manifestação clínica depende do seio afetado. O Pneumosinus dilatans do seio maxilar pode apresentar-se como uma deformidade facial assintomática, lentamente progressiva4, 12, ou com queixa de dor e pressão no rosto, espirros, deslocamento do olho, sinusite'', proptose, obstrução nasal', obstrução da tuba auditiva, perda de acuidade auditiva ou otalgia5. Já quando o seio frontal é afetado, o paciente pode queixar-se de aumento da região frontal, diplopia, cefaléia e outros sintomas de compressão local13.

A etiologia do Pneumosinus dilatans primário tem sido tema de discussões há muitos anos. Cinco possíveis mecanismos têm sido propostos: drenagem espontânea de uma mucocele; presença de microorganismos produtores de gás; comportamento do óstio meatal como uma válvula unidirecional; causas congênitas e hormonail¹³. Prott e colaboradores9 sugeriram que a expansão do seio seja secundária a um aumento da pressão intrasinual. O mecanismo postulado para explicar o aprisionamento de ar na cavidade sinusal é embasado por vários relatos na literatura de pacientes, que notaram uma exacerbação de seus sintomas de pressão quando em aviões ou por autoinsuflação produzida por espirro. Esses sintomas foram eliminados pela descompressão cirúrgica do seio paranasal13.

O diagnóstico diferencial de Pneumosinus dilatans inclui acromegalia', mucocele, pneumatocele, displasia fibrosa e síndrome de Sturge-Weber3. Quando a apresentação é u, a massa maxilar unilateral, devem ser excluídos neoplasias muco~ cutâneas ou mesenquimais benignas e malignas, processos inflamatórios e cistos odontogênicos2. O diagnóstico é feito por exame clínico, exclusão de outras causas e confirmação por exame radiológico quando o aumento característico do seio é observado10.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Caso 1

J. C., do sexo masculino, com 17 anos de idade, procurou o Departamento de Otorrinolaringologia do Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSC) de Porto Alegre, em novembro de 1997, com queixa de abaulamento infraorbital esquerdo. O sintoma foi observado há três anos, tendo aumento lento e progressivo.



Figura 1. Corte coronal de estudo tomográfico computadorizado demonstrando aumento dó seio maxilar esquerdo, sem lesão sólida em seu interior e erosão da parede anterior do seio.



Figura 2. Corte axial de estudo tomográfico computadorizado demonstrando aumento do seio maxilar esquerdo, sem lesão sólida em seu interior.



A presença de obstrução nasal esquerda era eventual, além de dor e aumento do edema após exposição ao sol. Negava alterações oculares ou outros sintomas nasais. Ao exame, observou-se abaulameto da região infraorbitária de consistência óssea, levemente edemaciado e estreitamento da fossa nasal esquerda por medialização de sua parede lateral. Na tomografia computadorizada (TC), visualizou-se aumento do volume do seio maxilar esquerdo, sem lesão sólida em seu interior, sem erosão óssea e com medialização de sua parede medial (Figuras 1 e 2). Alterações estas, compatíveis com Pneumosinus dilatans do seio maxilar esquerdo. Foi submetido há meatotomia média ampla por via endoscópica, no intuito de aumentar a ventilação do seio paranasal. A exploração intrasinusal revelou uma mucosa adjacente aparentemente normal, com a cavidade sinusal contendo apenas ar. O exame anátomo-patológico da mucosa não evidenciou anormalidades. Permanece assintomático em doze meses de seguimento.

Caso 2

M.S.C., do sexo feminino, com 42 anos de idade, procurou o Departamento de Otorrinolaringologia do Complexo ospitalar Santa Casa (CHSC) de Porto Alegre em outubro de 997, com história de cefaléia frontal crônica e abaulamento da região glabelar e orbitária esquerda há um ano. Negava alterações da acuidade visual. Ao exame clínico, apresentava abatimento da região glabelar e orbitária esquerda de superfície plana e consistência óssea. Ao exame intranasal, não apresentava anormalidade. A paciente trazia um estudo tomográfico computadorizado, de agosto de 1997, que evidenciava massa isodensa em seios frontal e etmoidal esquerdo com compressão da órbita homolateral (Figura 3).



Figura 3. Corte coronal de estudo tomográfico computadorizado demonstrando massa isodensa do seio frontal.


Durante o seguimento, apresentou um episódio de rinorréia esbranquiçada na fossa nasal esquerda, com subseqüente diminuição do abaulamento externo e dos episódios de cefaléia. Um estudo tomográfico computadorizado posterior, de maio de 1998, evidenciou aumento do volume do seio frontal, sem lesão sólida em seu interior e com retenção de secreção em cavidades frontais adjacentes (Figura 4 e 5). A paciente permanece assintomática após o episódio de rinorréia descrito acima, estando em acompanhamento ambulatorial há dez meses.



Figura 4. Corte coronal de estudo tomográfico computadorizado demonstrando o seio frontal expandido sem lesão sólida em seu interior.



Figura 5. Corte axial de estudo tomográfico computadorizado demonstrando o seio frontal expandido sem lesão sólida em seu interior.



DISCUSSÃO

Pneumosinus dilatans permanece uma doença de etiologia indefinida. As mais variadas suposições etiológicas têm sido descritas na literatura¹³, entre as quais a drenagem espontânea de uma mucocele e comportamento do óstio meatal como uma válvula unidirecional causando expansão do seio paranasal são as mais plausíveis. Uma grande variedade de opções cirúrgicas têm sido propostas, baseadas na presumida etiologia de mau funcionamento do óstio sinusal. No caso de acometimento do seio maxilar, entre as opções incluem-se a punção sinusal direta por agulha4, 5, a criação de uma janela nasoantral através da exploração de Caldwell-Luc4, 12, 5 ou via endoscópica4, 15. Se o mau funcionamento do óstio sinusal é referido como causa da doença, uma intervenção cirúrgica precoce pode prevenir a progressão da deformidade. Ao contrário, se houver um diferente mecanismo etiológico, a cirurgia precoce pode ser desnecessária.

COMENTÁRIOS FINAIS

Embora o paciente relatado no caso 1 não tenha desenvolvido recorrência, dez meses de seguimento é um curto período para confirmar o sucesso da cirurgia. No entanto, pode se supor que o aprisionamento de ar no interior do seio seja pelo mau funcionamento do óstio meatal. Porém, no segundo paciente, o mecanismo etiológico provavelmente deve ter sido decorrente da drenagem espontânea de uma mucocele. Assim, concordamos com a afirmação de que Pneu mosinus dilatans é uma doença de etiologia variada, exigindo um tratamento específico e diferenciado para atender às particularidades de cada paciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) Porto Alegre /RS e Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSC). Mestrando do Curso de Pós-graduação em Clínica Médica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Acadêmica de Medicina da FFFCMPA.
*** Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do CHSC. Mestre em Pneumologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSC).

Endereço para correspondência: Dr. Guilherme Franche - Rua Mostardeiro, 333/508 - 90430-001 Porto Alegre /RS - Brasil. Telefone: (0xx51) 346-1415 - E-mail: franche@voyager.com.br

Artigo recebido em 22 de março de 1999. Artigo aceito em 1- de julho de 1999.

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