Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 457 a 460

 

Hemorragia Espontânea da Amígdala. - Relato de Caso e Revisão da Literatura.

Spontaneous Hemorrhage from he tonsil - A Case Report and Review

Autor(es): Oswaldo A. B. Rios*;
Ricardo M. Lessa**;
LídioGrwnato***.

Palavras-chave: amigdalite aguda, hemorragia

Keywords: tonsillitis, hemorrhage

Resumo:
A hemorragia espontânea da amígdala é rara, principalmente nos casos secundários a amigdalite aguda. É uma complicação potencialmente perigosa e relatada ocasionalmente antes do advento da antibioticoterapia. A grande maioria dos casos de hemorragia espontânea da amígdala encontrados na literatura, nos dias atuais, estão relacionados com a mononucleose infecciosa. Neste trabalho, os autores relatam um caso de sangramento espontâneo da amígdala após amigdalite aguda. São discutidas as possíveis causas, fisiopatologia e opções de tratamento.

Abstract:
Spontaneous hemorrhage from the tonsil is rare. Acute tonsillar hemorrhage as a complication of acute and/or chronic tonsillitis was occasionally reported in the pre-antibiotic era. Gases of spontaneous tonsillar hemorrhage reported in the past have been associated with infectious mononucleosis. The presentation, etiology, pathophysiology and management of a spontaneous hemorrhage from the tonsil secondary to acute tonsillitis are reported.

INTRODUÇÃO

As doenças inflamatórias e infecciosas das amígdalas são causa importante de morbidade na população pediátrica e adultos jovens desde a era pré-antibiótica (Levy e colaboradores, 1989). Muitas são as complicações da amigdalite aguda, incluindo o abscesso periamigdaliano, infecções do espaço retrofaríngeo e parafaríngeo, linfadenite supurativa, obstruções agudas e crônicas das vias aéreas e septicemia.

A hemorragia espontânea da amígdala é uma complicação rara não mencionada na maioria dos livros e tratados de otorrinolaringologia, sendo mais rara ainda se levamos em conta apenas os casos secundários a amigdalite aguda.

Casos de hemorragia espontânea da amígdala após amigdalite aguda foram relatados antes do advento da antibioticoterapia e em associação com abscesso periamigdaliano. Desta forma, é relatado um caso de hemorragia da amígdala secundário a amigdalite aguda.

REVISÃO DA LITERATURA

A hemorragia espontânea das amígdalas é uma complicação rara da infecção amigdaliana tanto aguda quanto crônica. Na literatura encontram-se casos de hemorragia faríngea como complicação da mononucleose infecciosa e pode ser confundida com hemorragia da rinofaringe ou epistaxe (Levy, 1989). Para Skinner e Chui (1987), a mononucleose infecciosa é a principal afecção associada à hemorragia espontânea da amígdala. A prevalência de eventos hemorrágicos é de 3% a 6% dos casos. Estes dois autores relataram dois casos de hemorragia importante das amígdalas, com risco de vida, secundária a amigdalite aguda que necessitou intervenção cirúrgica (amigdalectomia) após tentativa frustrada de tratamento conservador.

Já foram relatados também casos de hemorragia amigdaliana espontânea em abscessos periamigdalianos, principalmente quando da drenagem espontânea (Salinger e colaboradores, 1933). Estes autores acreditam que o abscesso periamigdaliano é o principal responsável pelo sangramento amigdaliano relatado na literatura. Blum (1983) encontrou 23 casos na literatura, de 1933 a 1983, todos como complicação de abscesso periamigdaliano.

No passado, antes do advento da antibioticoterapia, era relativamente comum a hemorragia fatal por erosão de vasos principais secundários a abscessos cervicais profundos. Hoje, os abscessos cervicais profundos muito raramente resultam em sangramento fatal. Atualmente, as hemorragias são relativamente leves.

Em 1933, Salinger e Pearlman fizeram uma revisão de 227 casos de hemorragia amigdaliana e confirmaram, através da autópsia ou de peça cirúrgica, a erosão de vasos principais. Esses casos eram do século passado, antes do uso da penicilina.



Figura 1- Pólo superior da amígdala esquerda com uma ulceração recoberta por crosta hemática. Pequeno filete de sangue descendente, posterior ao hematoma.



Griffies, e colaboradores (1988), diferentemente, não encontraram erosão de vasos_ principais em 10 pacientes com hemorragia amigdaliana e abscesso cervical profundo. OS autores acreditam que tromboflebíte regional provoque enfraquecimento da parede dos vasos, formação de pseudoaneurisma da artéria carótida e hemorragia fatal. Nesses pacientes, foram realizadas arteriografias mostrando que a hemorragia era proveniente de vasos periféricos da amígdala inflamada e não da erosão ou necrose.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente de 24 anos, do sexo masculino, arquivista, procurou o Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo por dor de garganta, picos febris e dificuldade para engolir há uma semana. O paciente já havia sido tratado em outro Serviço e fazia uso de amoxacilina há quatro dias, sem melhora importante do quadro. Negava uso de qualquer outra medicação, como aspirina e anti-inflamatórios não hormonais. Referiu sangramento na boca há três horas, que cessou espontaneamente.

Ao exame físico, apresentava hiperemia importante da orofaringe, úvula, palato mole e pilares amigdalianos. As amígdalas apresentavam-se com tamanho e vascularização aumentados e coloração avermelhada. As criptas não estavam aumentadas e não havia presença de secreção purulenta ou caseum. No pólo superior da amígdala esquerda havia uma pequena área com necrose, por onde escorria um filete de sangue (Figura 1). Todo o pólo superior dessa amígdala estava recoberto por hematoma de 5 mm de diâmetro. Não apresentava linfonodos cervicais palpáveis.

Foi introduzido roxitromicina 150 mg de 12 em 12 horas, optando-se por tratamento conservador do sangramento, com limpeza e observação do quadro. O paciente evoluiu bem, sem novos episódios de sangramento.

DISCUSSÃO

A fisiopatologia do sangramento difuso do parênquima amigdaliano nos casos de amigdalite aguda está relacionada com a resposta inflamatória aguda. Nesta fase do processo infeccioso, há aumento do fluxo sangüíneo e, conseqüentemente, edema secundário, seguido de congestão vascular e diapedese das hemácias. O processo infeccioso provoca nova aumenta desse pequeno sangramento.
Clinicamente, observa-se dilatação dos vasos da superfície da tonsila palatina. Alguns estudos, através do clearance do xenônio-131, verificaram aumento significativo do fluxo sangüíneo amigdaliano durante o processo inflamatório, demonstrando que o fluxo sangüíneo está também implicado na sua fisiopatologia (Odzeimer e colaboradores, 1985).

Outros pacientes sangram de vasos localizados e específicos da superfície da amígdala. McCormick e Hasset (198?) relatam o caso de uma criança com dois anos de idade, com amigdalite aguda e lifonodos palpáveis, que evoluiu cole melena e sangramento pela boca. Ao exame, não apresentava lesão sangrante visível. Espontaneamente, houve novo sangramento da amígdala, sendo necessária transfusão sangüínea. O tratamento definitivo foi amigdalectomia, após tentativas frustradas de ligadura e cauterização do pólo amigdaliano. Os autores, através do exame anátomo-patológico, relatam que o sangramento ocorreu por ulceração e conseqüente ruptura da veia amigdaliana superior.

Não existe idade determinante nesta patologia, mas a maior parte dos pacientes está na faixa etária de 20 a 30 anos. A média de duração dos sintomas é geralmente de dois a cinco dias. O caso aqui relatado apresentava história de sete dias. O pólo superior da amígdala é o local mais freqüentemente afetado, corno no nosso caso, podendo o pólo inferior também ser acometido, assim como, mais raramente, o pilar posterior. Aproximadamente, metade dos pacientes apresenta sangramento ativo, ao exame clínico; os remanescentes, apenas coágulo. Geralmente, o sangramento amigdaliano é e apenas uma das amígdalas (Griffies e colaboradores, 1988).

Não há correlação entre o sangramento e as características do hemograma. A contagem de leucócitos, que pode estimar a gravidade do processo infeccioso, também não estão relacionada com a hemorragia. O coagulograma também não apresenta alterações. Porém, um hemograma sugestivo de mononucleose deverá ser confirmado com exames sorológicos.

Cinqüenta por cento das culturas apresentam crescimento de Streptococcusbeta-hemolíticos. Esse resultado confirma que não há relação entre a hemorragia e o tipo de patógeno, já que essa mesma porcentagem está presente na população em geral. Não há um agente infeccioso viral ou bacteriano responsável por esta complicação. Os pacientes, geralmente, não têm história prévia de infecções amigdalianas4.

É interessante notar que os indivíduos não apresentam alterações hematológicas prévias que possam estar predispondo ao sangramento. Não foram relatadas também alterações da coagulação durante o episódio de hemorragia, assim como alguma outra alteração local na amígdala. Na literatura, apenas um caso, na série de oito pacientes de Levy e colaboradores (1989), tinha alteração da coagulação.

Dois pacientes apresentaram alterações das enzimas hepáticas, sem outros comemorativos. Essa alteração enzimática pode ser um indício de que esses sangramentos possam estar relacionados a alterações hepáticas, e por isso deve ser sempre feita essa avaliação.

A conduta inicial no tratamento desta afecção é o controle local com nitrato de prata. Segundo Levy (1989), os pacientes com hemorragia amigdaliana espontânea não apresentam novos episódios de sangramento, mas algumas vezes novos quadros de amigdalite aguda. Outros autores, como Griffies e McCormick (1988) - que em sua série os casos eram mais sérios e com idade maior- indicam a amigdalectomia "a quente" como a conduta mais adequada. Assim, a amigdalectomia deve ser indicada apenas em casos de sangramento importante e incontrolável clinicamente, já que não tende a apresentar recidiva.

A amigdalectomia realizada em segundo tempo só deve ser feita se o paciente apresentar quadros repetidos de infecção (amigdalite crônica) ou episódios recorrentes de sangramento. Na grande maioria dos pacientes, não é necessário tratamento cirúrgico emergencial, mas algumas vezes foi realizada transfusão sangüínea (Jawad e Blayney, 1994).

COMENTÁRIOS FINAIS

O aumento do reconhecimento e o relato desses casos poderá ajudar no melhor entendimento da afecção, e assim estabelecer a etiologia, fisiopatologia e opções de tratamento para essa rara e perigosa complicação de amigdalite aguda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BLUM, D. J. E MCCAFFREY, T. V. - Septic necrosis of the internal carotid ártery: a complication of peritonsillar abscess. Otolaiyngol. Head Neck Surg, 91 (2): 114-8, 1983.
2. GRIFFIES, W. S., WOTOWIC, P., WILDES, T. O. - Spontaneous tonsillar hemorrhage. Laryngoscope 98: 365-8, 1988.
3. JAWAD, J. E BLAYNEY, A. W. - Spontaneous tonsillar haemorrhage in acute tonsillitis. J. Laryngol. Otol., 108: 791- 4, 1994.
4. LEVY, S.; BRODSKY, L.; STANIEVICH, J. - Hemorrhaggc Tonsillitis. Laryngoscope 99:15-8, 1989.
5. MCCORMICK, M. S. e HASSET, P. - Spontaneous haemorrhage from the tonsil (a case report). J. Laryngol. Otol., 101: 613-6, 1987.
6. ODZEIMER,1.; ERCUN, M. T. e KAYA, S. - Measurement of tonsillar blood flow in normal pathological conditions by the use of the 133/XE clearance technique. Arcb. Otorbinolaryngol., 242: 53-6, 1985.
7. SALINGER, S.; PEARLMAN, S. - Hemorrhage from pharyngeal and peritonsillar abscess. Arcb. Otolaryngol- 18:464-509,1933.
8. SKINNER, D. W.; CHUI, P. - Spontaneous tonsillar haemorrhage; (Two cases). J. Laryngol. Otol., 101: 611-2, 1987.




* Residente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Cursando de Especialização do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Chefe da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia - Rua Dr. Cesário Motta Júnior, 112 - 01277-900 São Paulo /SP.

Artigo recebido em 12 de fevereiro de 1999. Artigo aceito em 14 de junho de 1999.

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