Versão Inglês

Ano:  1984  Vol. 50   Ed. 3  - Junho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 32 a 36

 

ANÁLISE QUANTITATIVA DOS EFEITOS DE TRATAMENTO DE PACIENTES PORTADORES DE DISFONIA-ESPASTICA

Autor(es): PONTES, P.A.L., M.D-1
BEHLAU, M.S-2
TOSI,O., Ph.d., Sc.D.

Introdução

A disfonia espástica é uma das mais severas alterações da fonação, com causa não-esclarecida e discutida, caracterizada por ataque vocal forçado, rangente e inibido; voz estrangulada 'com grande tensão do aparelho fonador.

No presente artigo. analisamos a evolução do tratamento fonoaudiológico e/ou cirúrgico em 12 pacientes portadores de tal distúrbio, avaliados e tratados num período de 10 anos.

Os efeitos dos tratamentos empregados, que se traduzem nas mudanças da emissão vocal e na melhoria da qualidade da voz, foram analisados sob diferentes metodologias: 1) Avaliação auditiva perceptual; 2) Análise espectrográfica das vozes;

3) Análise computadorizada: 3.1) Das distâncias euclidianas entre os espectros e 3.2) Da freqüência fundamental, jitter e shimmer das vozes.

Material

Utilizamos 42 indivíduos para a realização deste estudo: 12 portadores de disfonia espástica e 30 outros considerados normais.

Dos 12 pacientes com disfonia espástica-Grupo Disfonia-todos eram do sexo feminino, com idade variando entre 24 e 56 anos, e com tempo de evolução da doença de quatro meses a seis anos. Destes, quatro foram submetidos ao tratamento cirúrgico preconizado por Dedo (1976), isto é, a neureciomia do laríngico recurrente (Pontes, Gregorio & Behlau, 1982), após terem sido tratados por métodos não cirúrgicos, sem sucesso. Os oito pacientes restantes foram submetidos a tratamento fonoaudiológico e/ou psicológico, com resultados variáveis (Pontes & Behlau, 1982).

Os 30 indivíduos considerados normais-Grupo Controle-eram todos do sexo feminino, com idade de 18 a 45 anos, e foram utilizados para se obter um "padrãó'de voz normal".

Com um gravador de rolo marca Phillips estéreo, modelo 4404, microfone 5203, numa velocidade de 19 ciclos/s-, foram realizados registros das vogais orais isoladas e sustentadas, bem como da fala espontânea durante 30 segundos, de todos os 42 indivíduos. Os portadores de disfonia espástica fizeram registros antes e depois do tratamento.

Os registros obtidos do Grupo Disfonia foram distribuídos em dois subgrupos, de acordo com o tipo de tratamento empregado: Subgrupo Cirúrgico e Subgrupo Não-Cirúrgico.

Métodos

1) Avaliação perreptual auditiva

A fala espontânea de cada indivíduo, gravada nas fitas magnéticas, foi reproduzida a seis fonoaudiólogos treinados do "Speech and Hearing. Research Laboratory & Institute of Voice Identification" ; Michigan State University, EUA. A eles foi solicitada uma avaliação quantitativa de cada amostra de voz, usando-se uma escala de zero a 10, sendo que grau zero significa uma voz extremamente desagradável, com excessivo grau de tensão e estrangulamento, e grau 10 uma voz com qualidade muito boa. Foram oferecidos exemplos de ambos os tipos antes da tarefa ter sido executada.

Das análises dos seis avaliadores foi obtida uma média simples para a qualidade de voz de cada fala.

2) Análise espectrográfica das vozes

As vogais isoladas foram utilizadas para preparar espectrogramas com o Espectrógrafo VI 700, usando-se a opção de Espectrograma em Barras, com Banda Larga de Freqüências de 60 a 5 KHz.

Esses espectrogramas foram avaliados por dois examinadores treinados, do mesmo laboratório. Os parâmetros considerados nesta avaliação foram: uniformidade das formantes, continuidade do traçado, consistência na separação das estrias verticais, ruído entre as formantes e tempo de emissão da vogal.

Uma escala de zero a 10 também aqui foi usada, sendo que grau zero significa uma absoluta uniformidade de formantes, não-solução de continuidade, separação constante das estrias verticais, ausência de ruído entre as formantes e tempo de emissão mínimo de dois segundos. Das análises dos dois avaliadores, foi obtida uma média simples para cada traçado espectrográfico.

3) Análise computadorizada

A primeira etapa consistiu em digitalizar as amostras de fala através de um instrumento periférico AD (Analógico-Digital), acoplado ao computador PDP 11/40. Essa digitalização foi feita numa razão de 10.000 leituras por segundo, para manter as freqüências da voz até 5 KHz (1Vyquist, 1924). Cada amostra, assim digitalizada, foi armazenada na memória do computador e rotulada para ser eliciada no momento adequado. Esses dados de voz digitalizados foram empregados em dois programas, a saber: 3.1. Distâncias euclidianas entre espectros e 3.2. Freqüência fundamental, Jitter e Shimmer.

3.1. Distâncias euclidianas entre espectros

Cada amostra de fala, após ter sido submetida a um algoritmo denominado TOSI I (Tosi, 1979), originou diversos grupos de espectros, para cada som emitido. Cada grupo destes, respresentado por um vetor de 2.048 dimensões, foi reduzido a um vetor de apenas duas dimensões, mediante um procedimento denominado.

Escalonamento Múltiplo (Kruskal, 1964). Com estes vetores de duas dimensões, o computador determinou e. comparou as distâncias euclidianas (grau de deterioração da voz, neste estudo), dentro do Grupo Controle, dentro do Grupo Disfonia e entre os dois grupos.

Essas distâncias euclidianas foram, posteriormente, calculadas em porcentagem. Uma porcentagem de valor zero indicaria uma coincidência da voz do sujeito controle com a do sujeito portador de disfonia espástica, enquanto que 100% significaria uma tendência a uma distância infinita entre as vozes dos dois sujeitos.

3.2. Freqüência fundamental, Atter e Shimmer (*) Para os cálculos destes parâmetros foi utilizado um programa especial de computador - JITTER PROGRAM, usandose a digitalização de cada vogal emitida, com duração de um a três segundos.

Freqüência fundamental é a freqüência do primeiro harmônico da Análise de Fourier de uma onda sonora complexa. Coincide com a freqüência glótica e com a freqüência da onda complexa.

Jitter é definido como a diferença média entre a freqüência de cada onda da fala e a freqüência média do número total de ondas da fala considerada. Traduz-se, de modo simplificado, como as variações de altura em torno da freqüência fundamental, durante uma emissão.
Shimmer é definido como a diferença média entre a amplitude de cada onda sonora e a amplitude média do número total de ondas da fala considerada. Traduz-se, de modo simplificado, como as variações de intensidade entre os sucessivos impulsos glóticos.

Resultados

1) Avaliação perceptual auditiva)

A Tabela I apresenta as médias dos graus de qualidade da voz, na escala de zero a 10.


Tabela I - Médias dos Graus da Análise da Qualidade das Vozes na Avaliação Perceptual Auditiva

Média do grupo controle: 8,8.



2) Análise espectrográfica .das vozes

Os resultados médios obtidos da análise espectrográfica das vogais são apresentados na Tabela II.


Tabela II - Médias dos Graus da Análise do traçado - Espectrográfico das Vozes

Média do grupo controle: 8,1.



3) Análise computadorizada

3.1) Distâncias euclidianas

As médias das distâncias euclidianas entre os grupos e dentro de cada grupo são apresentadas na Tabela III.


Tabela III - Médias das distâncias euclidianas entre os grupos e dentro dos grupos

D = Deterioração da voz. UIC = Unidade Interna do Computador.



3.2) Freqüência fundamental, "litter"e"Shimmer''

As médias da avaliação computadorizada destes parâmetros são apresentadas na Tàbela IV.


Tabela IV - Médias dos Resultados das Freqüências Fundamentais, "Jitter" e "Shünmer" no Grupo Disfonia, Antes e Depois do Tratamento, e no Grupo Controle

Nota: 4 casos foram excluídos desta análise, do Grupo Disfonia Antes do Tratamento,por não se enquadrarem no programa computadorizado preestabelecido.



Discussão

Na avaliação perceptual auditiva, o Grupo Disfonia apresentou um grau médio de avaliação da agradabilidade da voz de 3,0 antes do tratamento, e de 7,8 depois do tratamento, sendo que o grau obtido pelo Grupo Controle foi de 8,8.

Antes do tratamento, os quatro pacientes do Subgrupo Cirúrgico obtiveram grau 1,5 versus grau 4,5 obtido pelo Subgrupo Não-Cirúrgico. Isto indica que, realmente, os casos mais graves foram selecionados para o procedimento cirúrgico. Considerando os resultados da avaliação das vozes depois do tratamento: grau 7,7 para o Subgrupo Cirúrgico e grau 8,0 para o Subgrupo NãoCirúrgico, ambos os procedimentos mostraram melhoria média de 62% nas vozes dos pacientes (Tabela 1).

Na análise espectrográfica das vozes, o Subgrupo Cirúrgico apresentou os espectrogramas de pior qualidade (grau médio-1,2 antes do tratamento), alguns deles com quase completa impossibilidade de identificação das formantes do som vocálico, apresentando, o Subgrupo Não-Cirúrgico, menores alterações (grau médio-3,3 antes do tratamento). O grau médio da análise do traçado espectrográfico para o Grupo Controle foi de 8,8 (Tabela 11).

Depois do tratamento, ambos os grupos mostraram melhoria média de 6701o no traçado espectrográfico (grau médio Subgrupo Cirúrgico7,7 e grau médio Subgrupo Não-Cirúrgico-8,0).
Estes resultados mostram a estreita correlação entre os dois tipos de metodologia para a avaliação da qualidade da voz.

Exemplos dos traçados espectrógráficos de um paciente antes e depois do tratamento, e de um indivíduo do Grupo Controle são apresentados na Figura 1.

Quanto às distâncias euclidianas, a análise computadorizada clarificou quantitativamente a homogeneidade de cada grupo de vozes: Grupo Controle com 25 unidades e Grupo Disfonia com 45 unidades antes do tratamento e 36 unidades depois do tratamento. Por este método o índice de deterioração das vozes (D%) dos pacientes portadores de disfonia espástica reduziu-se de 68% a 43%, com o tratamento. Apesar desta diferença pré e pós-tratamento poder parecer pequena-25% - convém lembrar a acúracidade deste método e o elevado número de parâmetros vocais que entram nessa avaliação (Figura 2).



Figura 1 - Puçados espectrográficos da emissão da vogal /a/.



Figura 2 - Saída do computador pdp 11/40 mostrando distâncias euclidianas:
C1 - Paciente do Grupo Disfonia antes do tratamento
C2 - Mesmo paciente depois do tratamento
C3 - Indivíduo do Grupo Controle.



Quanto à freqüência fundamental, Jitter e Shimmer, algumas considerações fazem-se necessárias.

Em dois pacientes, não foi possível a execução deste programa computadorizado, devido a deficiências da amostra da emissão vocal, principalmente pela falta de continuidade na manutenção da vogal sustentada, antes do tratamento. Depois do tratamento, ambos apresentaram uma emissão de vogal passível de análise, com. resultados semelhantes aos outros indivíduos de seu grupo.

Dois outros pacientes apresentaram, como resultado da freqüência fundamental média, um valor muito baixo, em torno de 80 Hz, que seguramente corresponde a um forte subharmônico produzido pela tensão excessiva do aparelho fonador, durante a emissão da vogal. Uma avaliação perceptual, realizada por dois examinadores, comprovava que o pitch (sensação psicológica da altura da voz), não correspondia ao valor de saída do computador. Esses dois pacientes foram também eliminados da média do Grupo Disfonia (Tabela IV), para que não houvesse uma distorção dos dados. Após o tratamento, os resultados obtidos corroboravam a avaliação perceptual e os dados foram, então, incluídos na média da freqüência fundamental, Jitter e Shimmer.

Estão sendo desenvolvidos estudos para a modificação deste programa computadorizado, com a inclusão de novas informações sobre vozes com grande instabilidade, como neste caso específico das disfonias espásticas, para que o resultado obtido seja fidedigno. 0 importante é, porém, observar que, depois do tratamento, os valores obtidos destes quatro pacientes foram semelhantes ao resto do Grupo Disfonia.

Quanto às médias de Jitter e Shimmer, houve uma melhora acentuada, que aproximou os
parâmetros obtidos após o tratamento daqueles do Grupo Controle; tal aproximação foi de 57% em relação ao Jitter e de 91% em relação ao Shimmer. Os valores em porcentagem destes parâmetros são apresentados na tabela IV. A avaliação destes é sugerida pelos autores como dados significativos no acompanhamento do tratamento de pacientes com disfonia espástica.

Conclusão

Os autores sugerem os métodos apresentados como indicadores de melhoria na qualidade das vozes de indivíduos portadores de disfonia espástica.

A análise quantitativa das vozes, no decurso do tratamento empregado, com diferentes parâmetros vocais, pode direcionar a conduta e auxiliar a equipe de atendimento a oferecer ao paciente subsídios mais concretos, além de ampliar os dados referentes a este intrigante distúrbio da comunicação.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Dr. Hirotaka Nakasone pelo auxílio prestado na elaboração e execução dos programas computadorizados.

Este trabalho foi possível de ser realizado graças a um auxílio cedido pela "Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - CAPES", Ministério de Educação e Cultura, a quem os autores expressam seu reconhecimento.

Referências

1. DEDO, H.H. - Recurrent laryngeal nerve section for spastic dysphonia. Ann. Otol. Rllinol. Laryngol., 85: 541-9, 1976.
2. KRUSKAL, J.B. - Multidimensional scaling. Psychometrica, 1 (1): 27, 1964.
3. NYQUIST, J.B. - Certain factors affecting telegraph speed. Bell System Technology, 3: 324-38, 1924. 4. PONTES, P.A. L.; GREGÓRIO, L.C. & BEHLAU, M.S. - Contribuição ao tratamento da disfonia espástica. Neurectomia do laríngico recurrente. ACTA A WHO, 1 (3): 109-14, 1982.
5. PONTES, P.A.L. & BEHLAU, M.S. - Análise do tratamento de 10 casos de disfonia espástica. Proceedings XII Congreso Nacional Y Primero Iberoamericano de Logopedia,Foniatria Y Audiologia,Espanha,1982. 6. TOSI, 0. - Voice Identification. -Theory and Legal Applications. Baltimore, University Park Press, 1979.




Endereço dos autores
Rua Dr. Diogo de Faria, 171 04037 - Vila Mariana - SP

1 - Professor Adj. Doutor em Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina
2 - Fonoaudióloga. Mestranda em Distúrbios da Comunicação da Paulista de Medicina. Prof. Convidada, USP. Pesquisadora Associada à Michigan State University
3 - Professor e Diretor do Mearing and Speech Research Laboratory - Institute of Voice Identification - Michigan State University.

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