Versão Inglês

Ano:  1984  Vol. 50   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 35 a 37

 

OTITE MÉDIA CRÔNICA TUBERCULOSA A PROPÓSITO DE DOIS CASOS

Autor(es): LUIZ ALMEIDA DEMENATO
RICARDO FERREIRA BENTO
AROLDO MINITI.

Resumo:
O conhecimento da invasão do osso temporal pelo bacilo da tuberculose tem aumentado nos últimos anos. Os autores apresentam dois casos de otite média crônica tuberculosa, sem comprometimento pulmonar, atendidos na clínica otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Hedicina da Universidade de São Paulo. O diagnóstico foi estabelecido através da história, exame objetivo e exames complementares (audiometria, radiografia de mastóides e anatomopatológico). Chamam atenção que para o estabelecimento do diagnóstico definitivo o resultado do histopatológico é fundamental. O tratamento clínico da tuberculose com antimicrobianos específicos e a elevação do estado geral ocasiona a cura do quadro otológico.

INTRODUÇÃO

A tuberculose do ouvido médio deve ser pesquisada nos casos em que o tratamento usual das otites médias crônicas não se mostrar eficaz e que pela história e exame objetivo suspeitarmos se tratar de infecção ocasionada pelo bacilo de Koch.

Wallner (1953) verificou que a presença de otite crônica em mastóide pneumatizada pode ser evidência de uma etiologia tuberculósica.

Numerosos autores estudaram a tuberculose do ouvido médio - Turner e col. (1915), Leegard (1921), Myerson e col. (1941), Proston e col. (1942), Legent e col. (1975) - e todos concluem que a otorréia do ouvido médio sem dores em pacientes portadores de tuberculose pulmonar deve ser considerada como tuberculose. 0 conhecimento da invasão do osso temporal pelo bacilo da tuberculose tem aumentado nos últimos anos.

CASUISTICA E MÉTODOS

Foram estudados dois pacientes portadores de otite média crônica tuberculosa, atendidos na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo nestes dois últimos anos.

0 diagnóstico foi estabelecido através da história, exame objetivo e fundamentalmente os exames complementares (audiometria, radiografia de mastóide e anatomopatológico). Por dificuldades técnicas não foram realizadas culturas do material para identificação do bacilo de Koch.

A nosso ver o histopatológico é o exame fundamental para estabelecer o diagnóstico.

Caso 1

E.F.B., Reg. 2083230-C, nascido em 19/09/1959, sexo masculino, acusa hipoacusia à esquerda há aproximadamente cinco meses, com aparecimento concomitante de chiados. Este quadro foi progressivo. Há dois meses houve perda de audição e zumbidos intensos, sintomatologia que persiste até hoje.

Há quatro meses apresentou otorréia de coloração amarelada no ouvido esquerdo - sem dor - que teve a duração de dois meses.

Há aproximadamente três meses teve um episódio de cefaléia de fraca intensidade que cedeu com analgésicos comuns. A este episódio seguiram-se mais dois de intensidade maior, sendo que no terceiro começou a notar desvio da boca para a direita e dificuldade para fechar o olho esquerdo.

Há aproximadamente vinte dias apareceu uma tumoração progressiva na região retroauricular esquerda, sem sintomatologia local.

Negou quaisquer antecedentes individuais ou familiares.

Otoscopia: ouvido esquerdo com secreção purulenta em conduto auditivo externo e ausência de membrana timpânica, a região mastóidea apresentava tumoração medindo aproximadamente 4 x 3 cm, indolor à palpação, com presença de fístula na região central que à expressão drenava grande quantidade de material purulento. Exame físico compatível com paralisia facial periférica à esquerda.

Exames laboratoriais solicitados
1 - Estudo radiológico das mastóides
2 - Audiometria
3 - Cultura do material da secreção
4 - Raio-X de tórax
5 - PPD

Evolução

O paciente foi medicado com gotas auriculares, antibióticos sistêmicos e antiinflamatórios não hormonais sem qualquer resultado. Decidiu-se então por uma mastoidectomia exploradora.

O material foi enviado para exame .anatomopatológico que revelou reação granulomatosa com extensas áreas de necrose caseosa.

Foi biopsiado um gânglio cervical que revelou linfadenite crônica granulomatosa com áreas de classificação central.

Caso 2

C. G. P., Reg. 2137466-E, nascido em 20/03/66, sexo feminino, acusa hipoacusia e otorréia à direita aproximadamente há seis anos, que teve início com inchaço retroauricular e cervical à direita com saída de secreção purulenta e hipoacusia. Este quadro foi piorando progressivamente até estacionar há dois anos, com otorréia intensa e amarelada, lesões na região lateral do pescoço e profunda perda de audição.

Otoscopia: perfuração da membrana timpânica, visualizando-se tecido de granulação no ouvido médio e grande quantidade de secreção purulenta. A inspeção cervical notou-se a presença de três lesões ulceradas com tecido de granulação em sua área central drenando material purulento. Estas lesões tinham aproximadamente 2 cm de diâmetro e estavam localizadas uma no 1/3 médio da projeção do músculo esternocleidomastoideu e as outras logo abaixo da ponta da mastóide.

Exames laboratoriais solicitados

1 - Estudo radiológico das mastóides
2 - Audiometria
3 - Cultura do material da secreção
4 - Raio-X de tórax
5 - Bacterioscopia da secreção
6 - Micológico direto
7 - PPD

Evolução

A paciente foi biopsiada nas três lesões cervicais e o resultado do exame anatomopatológico foi processo inflamatório crônico inespecífico. Foi submetida a uma mastoidectomia exploradora à direita onde foi encontrada ampla cavidade preenchida com material meclótico. Este material foi enviado à patologia e o resultado foi granuloma piogênico, processo inflamatório crônico inespecífico.

O paciente E.F.B. foi tratado com os tuberculostáticos usados na tuberculose pulmonar, nas dosagens usuais, e após um ano não apresenta mais otorréia, porém os zumbidos e a paralisia facial persistem.

A paciente C.G.P. está com o tratamento clínico em curso há dois meses, estando atualmente sem otorréia.

COMENTÁRIOS

O conhecimento da invasão do osso temporal pelo bacilo da tuberculose tem aumentado consideravelmente nos últimos anos.

É evidente que o quadro otoscópico com presença de granulação sangrante ao toque deve ser suspeitado de otite específica. Normalmente, quando solicitamos cultura do material da secreção do ouvido não solicitamos a realização de cultura para bacilo de koch. Daí decorre que como sempre existe infecção por outras bactérias, não realizamos o tratamento específico para tuberculose. Por isso que a nosso ver o exame anatomopatológico diante da suspeita de tuberculose se impõe.

Os nossos achados coincidem com os da literatura (Walmer, 1953 e Legert, 1975). O resultado histopatológico revela reação do tipo granulomatoso com áreas de necrose caseosa acompanhada muitas vezes de linfadenite crônica granulomatosa com áreas de caseificação central.. Do ponto de vista clínico e radiológico impõe-se o diagnóstico diferencial com otites médias crônicas cole steatomatosas e antro otites hiperplásticas. Devemos lembrar que em geral a pesquisa de BAAR é negativa.

CONCLUSÕES

Diante de um caso com otorréia crônica, em mastóide pneumatizada, em paciente com ou sem antecedentes tuberculosos cuja terapêutica clínica usual não surte efeitos desejados, devemos levantar
a suspeita de uma otite crônica específica.

SUMMARY

The knowledge of tuberculosas bacillus invasion of the temporal lxone, have increased in the last years. The authors present two cases of tuberculosas chronic otitis of the middle ear, without lung involvement, attended in the Otolaryngologic Clínic of Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. The diagnosis have been established by history, EN T examination (audiometry, mastoidis x-rays, and pathologic diagnosis). They cal! atention about the fundamental necessity of the pathologic diagnosis for the definitive diagnosis. The tuberculosas clinica! treatment whith specifics antimicrobe and patient's general conditions increases, take to cure of the otologic, clinica! and pathologic picture.

REFERÊNCIAS

l. LEGENT, F. & BARM, F. - Paralysie Faciale et otite tuberculeuse. Intérét de Ia décompression nerveuse précoce. Ann-Oto-Laryng., 92: 235-240, 1975.
2. SAHN, S.A.& DAVIDSON - P.T. - Mycobacterium tuberculosas infection of the moddle ear. Chest, 66: 104-106, 1974.
3. MYERSON, M.C.; GILBERT, J.G. - Tuberculosas of the middle ear and mastoid. Arch. OtolaryngoL, 33: 231-250, 1941.
4. WALLNER, L.J. - Tuberculosas otites media. Laryngoscope, 63: 1058-1077, 1953.
5. TURNER, A.L. & FRASER, J.S. - Tuberculosas of the middle ear cleft in children. A clinica! and pathological study. Jour. Laryn. and Otol, 6: 207-247, 1915.
6. LEEGARD, F. - Tuberculosas of the middle ear. The Laryngoscope, 31: 374-379, 1921.
7. PROSTON, B. & LINDSAY, J. R. - Tuberculosas of the ear. Arch. Otolaryngol., 35: 221-249, 1942.

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