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Ano:  1985  Vol. 51   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 26 a 33

 

CISTOS ODONTOGENICOS NA MAXILA

Autor(es): NEY PENTEADO DE CASTRO JR.-1
IVO BUSSOLOTI-2
EDSON TACIRO-3
SUELI CLARA E DE CASTRO-4

Introdução

Embora sendo entidades relativamente raras na maxila e sendo muito mais freqüentes na mandíbula (1), os cistos odontogênicos podem comprometer o seio maxilar desencadeando sintomatologia que pode simular uma sinusopatia de evolução atípica. Sendo considerados anomalias derivadas do desenvolvimento dental, possuem conceitos e classificações diversos e algumas vezes conflitantes (1, 2, 3).

É objetivo deste trabalho propor uma classificação dos cistos odontogênicos, estribados em revisão bibliográfica, e expor nossa experiência clínica em alguns tipos de cistos odontogênicos.

Revisão bibliográfica

Cistos odontogênicos são lesões derivadas de estimulação e proliferação do epitélio dental residual, após o término da odontogênese, que ocorrem na mandíbula e na maxila (3). Apresentam uma incidência maior na mandíbula do que na maxila (1). Quando presentes na maxila, geralmente invadem e comprometem o seio maxilar (1, 2, 3, 4).

A classificação dos cistos odontogênicos não deve ser vista como simples academicismo, desde que tais lesões possuem diferentes comportamentos biológicos.

A definição exata do cisto odontogênico permite ao cirurgião planejar a forma mais adequada do tratamento cirúrgico, assim como definir o prognóstico. A classificação proposta por Regezi e cols. (3) nos parece ser a mais apropriada:

- Ceratocisto odontogênico;
- Cisto primordial;
- Cisto dentígero;
- Cisto odontogênico calcificado;
- Cisto periodontal apical;
- Cisto periodontal lateral;
- Cisto gengival.

Ceratocisto odontogênico: provém da lâmina dental. Pode estar presente em qualquer região da mandíbula e da maxila. Caracteriza-se histopatologicamente por ser um. cisto produtor de ceratina. Do ponto de vista clínico apresenta a característica de ser altamente recidivante, sendo que a recidiva é variável na literatura de 10 a 60% (1, 3, 5, 6). O ceratocisto odontogênico pode apresentar-se de forma múltipla, na maxila e mandíbula e associado ao nevo de células basais, constituindo a síndrome de Gorlin (6).

Cisto primordial: provém da degeneração do retículo estrelado do órgão do esmalte, antes da histodiferenciação em tecido duro; é um cisto que se forma ao invés de um dente. Caracteriza-se histologicamente por ser não produtor de ceratina, o que o diferencia do ceratocisto. Sua localização predileta é a região do 3° molar (3).

Cisto dentígero: provém de remanescentes do órgão do esmalte, sobre a coroa de um dente não erupcionado. O estímulo para a formação do cisto dentígero é um processo de má erupção dental: impactação; trauma. Caracteriza-se histologicamente por ser um cisto que envolve uma coroa dental, sendo esta última geralmente ectópica. Quando presente na maxila, a coroa dental. projeta-se no seio maxilar. Em casos raros, o cisto dentígero pode evoluir para um ameloblastoma ou um carcinoma (2, 3.).

Cisto odontogênico calcificado: é um cisto de características histológicas típicas, que são as "células fantasmas" (ghost celo; tais células são a expressão de uma ceratinização anormal em uma parede do cisto. É o único cisto odontogênico que apresenta, ao estudo radiológico, áreas intensamente radiopacas. O cisto odontogênico calcificado pode apresentar comportamento clínico agressivo e é um diagnóstico diferencial muito difícil com o ameloblastoma cístico (3).

Cistos periodontais (apical, lateral e gengival): são formações císticas de pequenas proporções e restritas à região do alvéolo dental; geralmente não produzem repercussões de ordem otorrinolaringológicas e são de competência do odontologista.

O estudo radiológico é imprescindível para a delimitação do crescimento cístico, orientando a abordagem cirúrgica. Deve ser constituído do estudo radiológico convencional dos seios da face (posições de Caldwell, de Waters e de Hirtz) e da panorâmica de mandíbula/maxila e eventualmente da radiografia computadorizada (4).

O exame histopatológico da peça cirúrgica é fundamental para o diagnóstico acurado, principalmente na diferenciação do ceratocisto com os outros cistos odontogênicos e para excluir a possibilidade de neoplasia odontogênica, especialmente o ameloblastoma (3, 7).

Análise dos casos clínicos

Os cistos odontogênicos estudados foram provenientes de pacientes da Disciplina de ORL da FCM de São Paulo e da clínica privada de um dos autores, em número de cinco casos, nos últimos quatro anos. O diagnóstico em dois pacientes foi de cisto primordial e em três, de cisto dentígero (ver tabela).

O grupo foi constituído por pacientes de ambos os sexos (três homens e duas mulheres), cuja idade variou de 16 a 44 anos, sendo que quatro tinham menos de 25 anos.

A duração dos sintomas variou de 15 dias a cinco anos de evolução, sendo que em quatro sujeitos o período evolutivo foi menor que 12 meses. A avaliação otorrinolaringológica revelou_ que o antecedente dental, o 3° molar superior no erupcionado, ocorreu em 4/5 dos pacientes; o único paciente que não possuía antecedente dental, de 44 anos de idade, era edentado. A dor facial ao nível da maxila, geralmente de pequena intensidade, e o abaulamento nas regiões jugal/gengival, da fossa canina e(ou) da parede medial do seio maxilar (rechaçando a parede lateral da fossa nasal) foram encontrados em 3/5 dos pacientes. A obstrução nasal e a rinorréia foram sintomas pouco freqüentes (1/5 dos pacientes).

A avaliação radiológica foi essencial para o diagnóstico dos cistos odontogênicos. A presença de uma imagem cística, discretamente radiopaca, intra-sinusal, com erosão de uma das paredes do seio maxilar, principalmente do soalho alveolar, levou à suspeita de cisto odontogênico. A presença de imagem dentária ectópica no interior do cisto foi patognomônica de cisto dentígero; a formação cística sem imagem dentária ectópica foi encontrada nos cistos primordiais (Figs. 1, 2 e 3).




Figura 1 - Rx na posição de Waters- opacificação homogênea do seio maxilar direito, com imagem dentdria ectópica na região stípero-medial - cisto dentígero de seio maxilar.



Tabela - Tabela sinóptica das distribuições do sexo, da idade e dos principais dados clínicos dos cinco pacientes portadores de cistos odontogênicos analisados



Figura 2 - Rx em perfil de seio maxilar: opacificação parcial com imagem dentária ectópica na região póstero-inferior do seio maxilar direito - cisto dentígero de seio maxilar.



Figura 3 - Rx panorâmico de mandíbula/maxila:: no seio maxilar esquerdo nota-se imagem cística radiolúcida, com erosão das paredes do soalho e posterior do seio maxilar esquerdo - cisto primordial de 3.° molar.



Figura 4 - Peça cirúrgica de cisto dentígero: parede cística relativamente espessa, aderida ao colo de dente ectópíco com características de molar.




O tratamento cirúrgico executado foi a enucleação total e cuidadosa do cisto, pela técnica cirúrgica de Caldwell-Luc. A abordagem do seio maxilar foi feita preferencialmente pela incisão de Newmann; a osteotomia da fossa canina foi a mais ampla possível, para permitir com facilidade a remoção segura de todo o cisto. O exame histopatológico confirmou o diagnóstico clínico de cisto primordial (2/5 dos pacientes) e de cisto dentígero (3/5 dos pacientes) (Fig. 4).

Em todos os casos não foi observada recidiva do cisto odontogênico; o período de evolução pós-operatória oscilou de seis meses a quatro anos.

Discussão

Os cistos odontogênicos descritos (dois cistos primordiais e três cistos déntígeros) apresentavam na ocasião do tratamento cirúrgico invasão para a luz do seio maxilar, rechaçando o mucoperiósteo sinusal e reduzindo significativamente a luz do seio maxilar. Eles não determinaram, na verdade, sintomatologia sinusal típica, pois seu desenvolvimento é extra-sinusal. O abaulamento elástico das paredes ósseas do seio maxilar, a dor maxilar e um antecedente dental (por coincidência, 3 ° molar superior não erupcionado em 4/5 casos) constituíram os principais dados da avaliação otorrinolaringológica. A avaliação radiológica convencional para os seios da face e a panorâmica de mandíbula/maxila foram essenciais para o diagnóstico.

O diagnóstico diferencial dos cistos odontogênicos não oferece grandes dificuldades, desde que ocorra na avaliação ORL uma confirmação de um dente não erupcionado, geralmente um molar. A mucocele de seio maxilar e o ameloblastoma devem ser lembrados como diagnóstico diferencial. A mucocele maxilar, embora rara, pode ser diferenciada pela história pregressa de surtos agudos de sinusite associados ao abaulamento das paredes do seio maxilar. O ameloblastoma pode mimetizar qualquer um dos cistos odontogênicos; entretanto, seu aspecto radiológico mais freqüente de um "cisto multilocular" o diferencia dos cistos odontogênicos.

O tratamento cirúrgico pela sinusectomia maxilar de Caldwell-Luc foi realizado em todos os casos, para a enucleação do cisto. A incisão que nos parece mais apropriada é a de Newmann, que aborda diretamente a região alveolar, facilitando a dissecção do cisto ao nível do alvéolo e do soalho do seio maxilar. Esta incisão foi amplamente divulgada entre nós por Neves Pinto (8).

O exame histopatológico da peça cirúrgica é indispensável para a eventual exclusão de ceratocisto, principalmente quando o diagnóstico clínico for de cisto primordial.

Apesar do período evolutivo pós-operatório dos cistos odontogênicos apresentados ser muito variado, não foi observada nenhuma recidiva. Para o êxito do tratamento cirúrgico é necessário uma cuidadosa erradicação do cisto.

Résumé

Les kystes odontogeniques d'autant que rares dans Ia maxile, peuvent invahir les sinus, en donnant une symptoinatologie atipique. Les auteurs ont fait une recherche de bibliographie sus ce sulet et ont montrês des cas cliniques.

Nous attirons 1'attention sur le bilan radiologique et histopatologique, qui sont indispensables pour une certitude diagnostique. L'abordage chirurgicale est après tout par Ia sinusectomie de Caldwell-Luc, avec prNevement totale du kyste.

Referências

1. ANNIKO, M.; ANNEROTH, G.; BERGSTEDT, H. & RAMSTRõN, G. - Jaw cysts with special regard to keratocyst recurrence - a long term follow-up. Arch. OtoMinolaryngol, 233:261-269, 1981.
2. DAYAL, V.S.; JONES, J. & NOYEK, A.M. - Management of odontogenic maxillary sinus disease. Otolaryngol. Clinics of North America, 9(1):213-222, 1976.
3. REGEZI, J.A.; COURTNEY, M.R. & BATSAKIS, J.G. - The pathology of head and neck tumors: cysts of the jaws, part 12. Head and Neck Surgery, 4:48-57, 1981.
4. NORTJÉ, C.J.; FARMAN, A.G. & JOUBERT, J.J.V. - Pathological conditions involving the maxillary sinus: their appearence on panoramic dental radiographs. British Journal of Oral Surgery, 17:27-32, 1980.
5. PINDBORG, 11 & HANSEN, J. - Studies on odontogenic cyst epithelium. Acta Pathol. Microbiol. Scand., 58:283-294, 1963.
6. VEDTOFTE, P. & PRAETORIUS, F. - Recurrence of the odontogenic keratocyst in relation to clinical and histological features. Int. J. Oral Surg., 8:412-420, 1979.
7. ENRIQUEZ, R.E.; CIOLA, B. & BAHN, S.L. - Verrucous carcinoma arinsing in an odontogenic cyst. Oral SurgeN 2:151-156, 1980.
8. NEVES PINTO, R.M. & LIMA, P.E. - Incisão na borda livre da gengiva para o acesso ao seio maxilar: um comentário após 8 anos de experiência. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 47(1):53-58, 1981.




Endereço dos autores Rua Itapeva, 500 - 10° 01332 - São Paulo - SP
Trabalho realizado na Disciplina de ORL da FCM da Santa Casa de São Paulo.

1 - Chefe de Clinica e 2° Assistente da Disciplina de ORL da FCM de São Paulo.
2 - Professor Instrutor de Ensino da Disciplina de ORL da FCM de São Paulo.
3 - Médico da Disciplina de ORL da FCM de São Paulo.
4 - Odontopediatra do Hospital Municipal de São Paulo.

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