Versão Inglês

Ano:  1985  Vol. 51   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 07 a 15

 

PÓLIPO DE TRANSIÇÃO FARINGOESOFAGICA

Autor(es): PEDRO PAULO A. SODRÉ-1
LÍDIO GRANAID-2
WALDIR CAVALCANTI FILHO-3
EDSON K. TACIRO-4
CARLOS MARIGO-5

Resumo:
O pólipo benigno pediculado do esôfago é de ocorrência rara. Pelo seu aspecto histopatológicq seria melhor denominado `pólipo hamartomatoso fibrolipovascular" O diagnóstico nas fases iniciais é dif cil e complicações graves podem ocorrer quando atingem maior tamanho. Nos pólipos volumosos o tratamento cirúrgico por via externa é recomendado.

APRESENTAÇÃO DE UM CASO

Introdução

As afecções da transição faringoesofágicas" ou "cricofaríngeas", encontradas. nas esofagites de refluxo, megaesôfago, incoordenações de origem neurológica central, lesões do n. vago ou do n. recurrente, entre outras.

Das causas anatômicas, a presença de tumores benignos. intraluminares na transição faringoesofágica é bastante rara (8, 12) e de difícil diagnóstico, mesmo com técnicas modernas de exame baseadas no uso de fibroscópios flexíveis. A atual comunicação, com a apresentação de um caso de pólipo gigante de transição faringoesofágica, visa chamar a atenção do otorrinolaringologista para o reconhecimento das disfunções faringoesofágicas, bem como para a orientação tática e técnica de seu tratamento.

As afecções da transição faringoesofágica permanecem, ainda, pouco estudadas e pouco pesquisadas, embora apresentem sintomatologia importante dentro da prática otorrinolaringológica, com alterações digestivas altas, repercutindo em nível faríngeo e laríngeo. À exceção do divertículo faringoesofágico (de Zenker) e da síndrome de Plummer-Vinson (disfagia sideropênica), muitas das alterações funcionais e mesmo anatômicas dessa região têm sido, erroneamente, atribuídas a fatores de ordem psicogênica (globus hystericus); na realidade, tais afecções, quando melhor avaliadas, revelam alterações anatomofuncionais importantes, atualmente designadas como "disfunções faringoesofágicas" ou " cricofaríngeas", encontradas nas esofagites de refluxo, megaesôfago, incoordenações de origem neurológica central, lesões do n. vago ou do n. recurrente, entre outras.

Das causas anatômicas, a presença de tumores benignos intraluminares na transição faringoesofágico é bastante rara (8,12) e de difícil diagnóstico, mesmo com técnicas modernas de exame baseadas no uso de fibroscópio flexíveis. A atual comunicação, com a apresentação de um caso de pólipo gigante de transição faringoesofágica, visa chamar a atenção do otorrinolaringologista para o reconhecimento das disfunções faringoesofágicas, bem como para a orientação tática e técnica de seu tratamento.


Apresentação do caso

A paciente E.F.M., 41 anos, branca, sexo feminino, em bom estado geral e nutritivo, aparentando boas condições psíquicas, procurou nosso Serviço, em março de 1984, com queixa, nos últimos dois anos, de "sensação estranha" ao nível da parte baixa da faringe, acompanhada de náuseas e que, por duas ocasiões, ao vomitar, notou a exteriorização pela boca de massa volumosa e retrátil; na última dessas ocasiões, referiu sintomas de obstrução respiratória, intensa mas fugaz. Nesse período procurou diversos médicos, os quais não deram crédito à sua narrativa; mesmo assim, no final de 1983, foi encaminhada e submetida a exame endoscópico (esofagogastrofibroscopia), em outro Serviço, cujo resultado foi considerado "compatível com o normal", não sendo visualizada nenhuma alteração patológica na faringe ou no esôfago, segundo relatório a nós apresentado pela paciente.

Nessas condições, foi por nós atendida e, ao exame endoscópico, observou-se formação polipóide, volumosa, com superfície lisa e consistência mole, estendendo-se desde o terço superior até o início do terço inferior do esõfago, não sendo possível localizar com certeza sua implantação. O estudo radiológico, a seguir, confirmou presença de lesão tumoral de grandes dimensões na luz do esõfago, sem contudo estabelecer o nível de sua origem (Fig. 1). À orofaringoscopia e à laringoscopia indireta, nada de anormal foi percebido.

Não podendo contar com dados de maior precisão, pudemos apenas inferir que a referida formação deveria estar situada, sua base, na transição faringoesofágica ou proximidades e, possivelmente, com implantação relativamente extensa; tais conjecturas levaram-nos a optar por intervenção cirúrgica por via externa, sendo desaconselhada qualquer tentativa de remoção por via endoscópica.



Figura 1 - RX contrastado de esôjàgo mostrando lesdo tumoral de grandes dimensões na sua luz.



Figura 2 - Massa volumosa exteriorizando-se pela boca.




O tratamento cirúrgico consistiu em incisão cervical transversal lateral D, ao nível da cartilagem cricóide; estabelecida a via de acesso pela borda anterior dó m. esternocleidomastóideo, o lobo direito da glândula tireóide foi rebatido em sentido anterior; a parte caudal do m. constritor inferior da faringe (m. cricofaríngeo) foi seccionada verticalmente, expondo-se a parte baixa da hipofaringe, a transição faringoesofágica e a porção cranial do esôfago cervical, evitando-se, ao máximo, a aproximação do trajeto do n. recurrente D. Com o auxílio de fibroscópio (GIE XQ Olympus), por transiluminação, foi possível localizar a implantação do pólipo, situada exatamente ao nível da transição faringoesofágica, em sua parede posterior. Por faringoesofagotomia lateral D, com 3 cm de extensão, a base de implantação foi diretamente observada, a qual media cerca de 2 cm de diâmetro, sendo, então, ressecada junto com a formação polipóide (Figs. 2, 3 e 4).



Figuras 3 e 4 - Massa turnoral sendo extirpada através de incisão faringoesofágica em sua inserção.




Após reconstituição dos planos cirúrgicos, incluindo fechamento da incisão faringoesofágica com pontos de sutura extramucosos, deixou-se dreno fino de Penrose e sonda nasoesofágica. A paciente teve alta hospitalar no 5° PO, sem nenhuma complicação, alimentando-se com líquidos e pastosos por mais uma semana. No último exame clínico do controle, em setembro de 1984, três meses após a cirurgia, apresentava-se assintomáfca, sem qualquer dificuldade à ingestão de alimentos sólidos. O exame radiográfico pós-operatório não mostrou nenhuma anormalidade (Fig. 5).



Figura 5 - Controle radiogrgfico contrastado pós-operatório.



O exame anatomopatológico da peça cirúrgica revelou formação poliposa, medindo 12 cm de extensão, diâmetro variando de 1 a 2 cm e base de implantação com 2 cm de diâmetro (Fig. 6). A histopatologia mostrou revestimento epitelial do tipo pavimentoso estratificado, próprio da mucosa dessa região anatômica, observando-se irregularidade na sua espessura e raras áreas ceratinizadas; logo abaixo do epitélio os componentes do estroma do pólipo eram representados por fibrose e vasos abundantes, havendo também tecido adiposo, mas em menor quantidade (Fig. 7).

Observado mais detalhadamente, ficou evidente o predomínio de tecido conjuntivo fibroso ricamente fibrilar mas pobre em fibroblastos (Fig.8) e agrupamentos vasculares arteriais e venosos de aspecto anômalo, pela variação na forma e calibre dos mesmos (Fig. 9). Na extremidade livre do pólipo havia extensa área ulcerada com proliferação neoformativa de vasos capilares, acompanhados por macrófagos com restos hemáticos, plasmócitos e neutrófilos, caracterizando tecido de granulação (Fig. 10). Este último componente, portanto, não era primitivo do pólipo, mas secundário à ulceração, complicação essa freqüente nos pólipos benignos do tubo digestiva



Figura 6 - Visão macroscópica do tumor, medindo 12 cm de extensãq vendo-se o ápice de aspecto necrótíco e hemorrágico.



Figura 7 - Componentes do pólipo ao exame microscópico: epitélio pavimentoso estratificada fibrose, vasos e tecido adiposo. H & E.



Figura 8 - Idem, coloração tricrômico de Masson ressaltando o componente fibrosa



Figura 9 - Componente vascular evuberante (masson).



Figura 10 - Área apical ulcerada do pólipo com tecido de granulação (Masson).



Comentários

A presença de um tumor pediculado benigno intraluminal com inserção no segmento
faringoesofágico é de ocorrência rara. Attah e Haydn (1968) constataram que os tumores benignos constituem 20% de todos os neoplasmas do esôfago (2). Os carcinomas escamosos são bem mais freqüentes. Barki e cols. (3), em 1981, diagnosticaram 38 casos de tumores do esô?ago durante 17 anos e encontraram apenas 5 casos de tumores benignos. Faivre e col. (4) encontraram sete tumores benignos do esôfago em 20.000 exames endoscópicos. Em 1972, Love (5), numa revisão bibliográfica, encontrou 392 casos de tumores benignos do esôfago; entre esses, os mais comuns eram: leiomiomas, pólipos, cistos, hemangiomas, lipomas, neurofibromas, papilomas e adenomas. O leiomioma é o mais freqüente, com uma incidência de 7210, enquanto os pólipos constituem praticamente um terço de todos os tumores benignos do esôfago; os demais são extremamente raros. Stout e Sattes (7) (1957) classificam os tumores do esôfago, segundo sua localização, da seguinte forma: intraluminal, intramural e extramural. Dos tumores pediculados, os pólipos são os mais freqüentes; lipomas e leiomiomas raramente podem ocupar a luz esofágica.

Bernatz (9) sugere que estes tumores devam ser denominados "tumor pediculado intraluminal" e histologicamente como fibrolipoma. No Japão, foram descritos até 1968 não mais de 20 casos de tumores benignos, chamados de lipoma ou fibrolipoma, segundo Moriyasu (10). Como podemos verificar em nosso caso, nenhum dos componentes do tecido que forma o pólipo revela sinais proliferativos que permitam denominá-lo como neoplasia verdadeira. Na realidade, trata-se de mistura de estruturas teciduais próprias dessa região orgânica, dispostas irregularmente e recobertas pelo próprio epitélio da mucosa local; seu crescimento é muito lento, determinando saliência poliposa progressiva. Assim sendo, preferimos não denominar esta lesão de fibroangiolipoma, mas classificá-la como hamartoma e denominá-la pólipo hamartomatoso fibrolipovascular.

A sintomatología desses tumores pediculados pode paradoxalmente, ser muito pobre; no início, as queixas são muito vagas, ligadas à ingestão de alimentos, sensação de "bola na garganta" ou desconforto retroesternal. Muitos desses pacientes são rotulados como neuróticos e suas queixas desprezadas, como a nossa paciente que foi submetida a exame endoscópico anterior, sem ser notada a existência do pólipo do qual á era portadora e com queixas bem consistentes há dois anos.

O único tratamento possível é o cirúrgico. Revendo a literatura, podemos constatar que a remoção pode ser efetuada pelas vias bucal, cervical e torácica. Tumores com menos de 2 cm de diâmetro podem ser ressecados por via endoscópica, utilizando-se instrumental rígido ou flexível e alça diatérmica. Quando o tumor é maior que 8 cm de extensão, como o era em nosso caso, o procedimento mais seguro é através de faringoesofagotomia.

Os seguintes ensinamentos podem ser tirados do exposto:
- Um maior interesse pela patologia da transição faringoesofágica faz-se necessário à prática otorrinolaringológica.

Pólipos volumosos da transição faringoesofágica, ainda que raros, devem ser suspeitados, pois, embora oligossintomáticos, podem ocasionar acidentes graves (asfixia, sangramento, entre outros).

- No tratamento das afecções polipóides volumosas dessa região, e cuja base de implantação suspeita-se ser extensa, a cirurgia por via externa cervical permite a remoção completa da lesão, assegurando hemostasia perfeita e evitando eventuais recidivas.

Summary

We report a rare case of benign pedunculated intraluminal tumor of oesophagus.
The correct diagnosis is difficult and the necessity of repeated examination is emphasized.

It is very important the early diagnoses to avoid bleeding from erosions or acute airway obstruction caused by regurgitation of giant oesophagial tumor. The classification of benign oesophagial tumors is also discussed. The name hamartomatous polyp is proposed to our case.

The treatment for these tumors, more than 8 cm, is the extirpation by cervical oesophagotomy. The use of fexivel fiberoptic instrumental would be useful to find the lumen of oesophagus.

Agradecimento

Agradecemos ao Dr. Ivo Bussoloti F° pela documentação fotográfica do ato cirúrgico.

Referências

1. MING, SI-CHUN - Atlas of tumor Pathology. 2nd series, Fasc. 7: Tumors of the esophagus and stomach. Armed Forces Institute of Pathology, Washington, D.C., 17-18, 1972.
2. ATTAH, E.B. & HAYDN, S.I. - Bening and Malignant Tumours of the esophagus at autopsy. Jour Thor & Cardiovasc. Surg., 55:396-404, 1968.
3. BARKI, Y. et al. - A fibrovascular polyp of the oesophagus. Brit. J. of Radiol, 54:142-44, 1981. 4. FAIVRE, J.; BORY, R. & MONLINIER, B. - Benign tumors of esophagus. Value of endoscopy. Endoscopy, 10:264-68, 1978.
5. LOVE, W.C. - Neoplasms of the gastrointestinal tract. Bern-Stuttgart Vienna, Hans Haber, 1972. pp. 64-8.
6. DERRA, E.J.; MELLIN, H.E. & SAILER, R. - Beobachtungen und 25 gutartigen speiselõhrentumoren. Aktuelle Chirurgie, 11:325-30, 1976.
7. STOUT, A.P. & SATTES, R. - Atlas of tumor pathology. Fasc. 20: Tumors of the esophagus. Armed Forces Inst. of Pathology, Washington, D.C., 25-32, 1957.
8. STOUT, A.P. apud TASAKA, Y. et al. - Benign pedunculated esophageal tumor. J. Otolar, 11:111-15, 1982.
9. BERNATZ, P.E. et al. - Benign pedunculated intraluminal tumors of the esophagus. J. Thorac. Surg, 35:503-12, 1958.
10. MORIYASU, Y. et al. - Esophageal lipoma. Otolaryng. (Tokio), 40:51-4, 1968.
11. COCHET, B. et al. - Asphyxia caused by laryngeal impaction of an esophageal polyp. Arch. OtolaryngoL, 10:176-8, 1980.
12. LALLEMANT, Y.; GEHANNO, P & CORNET, A. - Tumeur pédicullé angiomateuse bénigne de 1'oesophage. Ann. Oto-Laryng. (Paris), 97:917-22, 1980.




Trabalho realizado nos Serviços de ORLOFT e de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

1 - Professor Assistente da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina do ABC.
2 - Professor Assistente do Serviço de ORL-OFT da FCMSCSP.
3 - Ex-Residente do Serviço de ORLrOFT da FCMSCSP.
4 - Ex-Residente e Médico Voluntdrio do Serviço de ORL-OFT da FCMSCSP.
5 - Professor Pleno do Departamento de Patologia da FCMSCSP.

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