Versão Inglês

Ano:  1985  Vol. 51   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 18 a 31

 

CRIOTERAPIA NASAL - RESPOSTA DA MUCOSA NASAL À CRIO-CIRURGIA

Autor(es): EDMIR AMÉRICO LOURENÇO-1
CLEMENTE ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA -2
MÁRCIO COSSI-3
REGINA KIKUE MIZUTANI-4

Resumo:
Foram tratados 44 pacientes portadores de rinites crônicas de várias etiologias com auxílio da crioterapia nasal. Como na literatura, comprovamos excelentes resultados, superiores aos métodos convencionais, tais como eletrocoagulação, infiltração, turbinectomia e outros. Além da superioridade dos resultados, observamos que o tratamento é bem suportado até mesmo sem anestesia e realizado deforma simples em consultório.

Introdução

O uso de baixas temperaturas no campo da Medicina vem de longa data. Em 2.500 a.C. já havia citações a esse respeito no tratamento de diversas doenças no Papiro Cirúrgico de Edwin Smith. Hower, Hipócrates e Harvey também usaram o resfriamento com fins terapêuticos (apud Principato, 7).

Em meados do século XIX James Arnott, na Inglaterra, citado por Principato (7), estudou extensamente os efeitos anestésicos e terapêuticos do .congelamento.

O emprego do congelamento foi incrementado após a introdução do éter spray e do ethyl cloride como anestésicos locais, no final do século XIX.

Dr. Temple Fay, citado por Principato (7), no início deste século empregou técnicas de congelamento superficial e profundo no tratamento de uma grande variedade de doenças, inclusive câncer em estado avançado e doença de Hodgkin.

A aplicação da criocirurgia em Otorrinolaringologia começou com Cahan (1965), citado por Principato (7), quando realizou tonsilectomias em cachorros. Esse tipo de procedimento cirúrgico tem aplicações, descritas na literatura, no tratamento de patologias as mais diversas, como adenoamigdalectomias, hemorragias nasais, tumores benignos e malignos da pele e mucosas, angiofibromas juvenis da nasofaringe, polipectomias nasais, microcirurgias de laringe, papilomas juvenis e carcinoma de laringe, estenose de laringe e traquéia, melanoma maligno do palato duro, síndrome de Ménière e tumores vasculares de cabeça e pescoço, como por exemplo, hemangioma de língua (2, 3, 4).

Ozenberger (6) e Principato (7) (1969), aplicaram a criocirurgia no tratamento de rinites crônicas. O primeiro foi o autor que descreveu, além dos resultados excelentes, a simplicidade da técnica e a ausência de complicações, usando óxido nitroso na crioterapia nasal.

Principato (7) (1978) usou óxido nitroso para o tratamento dos seus 350 pacientes e fez revisões uma semana, três semanas e seis meses após a criocirurgia. Verificou com isso que mais da metade desses indivíduos apresentaram resultados ditos excelentes quanto à sintomatologia, segundo classificação por ele estabelecida (houve melhora da obstrução nasal e da rinorréia).

O presente trabalho procura mostrar os benefícios da crioterapia nasal nos casos de rinite crônica, seja alérgica, vasomotora ou medicamentosa, utilizando para tal o C02 (dióxido de carbono).

Fisiopatologia

A rinite crônica é patologia freqüentíssima na clínica otorrinolaringológica. As queixas mais comuns referidas pelos pacientes são obstrução nasal, rinorréia, espirros, prurido e, eventualmente, ressecamento da garganta, pigarro e ronqueira.

O nosso século foi marcado pela descoberta de vários elementos químicos que proporcionavam baixas temperaturas no tecido vivo, se submetidos a determinadas condições de pressão. Foram usados gases como Freon, nitrogênio líquido, dióxido de carbono (C02), oxigênio (02) e óxido nitroso (N20). O nitrogênio líquido é o que permite grandes variações de temperatura (até -1960C).

A criocirurgia emprega as três propriedades fisiológicas do frio intenso: 1) de-20 a -,40°C, o frio exerce efeito aderente (e é usada principalmente em Oftalmologia, nas cirurgias de catarata); 2) de-40 a-60°C, provoca reação inflamatória localizada, e por isso os oftalmologistas usam-na para tratar descolamentos de retina; 3) entre -120 e -190°C, ocorre destruição localizada dos tecidos.

A temperatura de -30°C já é letal para as células. A morte celular ocorre porque há ruptura das membranas celulares pela formação intra e extracelular de cristais de gelo e também desidratação, que leva à destruição tóxica pelo aumento de eletrólitos e por trocas de pH nos líquidos intra e extracelular.



Figura 1 - Equipo criocirúrgìco.



O alcance da congelação depende da bola de gelo que se forma, com linha de separação bem delineada com o tecido não atingido. O grau de destruição tecidual depende da temperatura e do tempo a que ele é exposto.

O congelamento produz edema da região tratada.

Em 24 horas, forma-se exsudato fibrinoso sobre a região tratada, que gradualmente se elimina, com pouca ou nenhuma reação tecidual.

A regeneração do epitélio dos cornetos ocorre entre o quinto e sétimo dias pós-operatórios e continua até completar cerca de 14-28 dias. Em quatro a cinco semanas, os sinais inflamatórios desaparecem e a área tratada é totalmente coberta por epitélio ciliado normal, em virtude da não destruição da estrutura colágena da membrana basal.

Histopatologicamente, verifica-se que há boa regeneração do epitélio superficial e alterações mínimas ocorrem no tecida conjuntivo subjacente.

Os autores são unânimes em exaltar as vantagens da criocirurgia em ORL, particularmente com o nitrogênio líquido, que atinge temperaturas de até -1960C.Os nossos pacientes foram tratados com C02.

Material e métodos

Este trabalho foi realizado no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (São Paulo), no período de 1982-1984.

Quarenta e quatro pacientes foram submetidos a uma única sessão criocirúrgica por criocauterização dos cornetos nasais inferiores. Todos eram portadores de obstrução nasal por hipertrofia dos referidos cornetos, incluindo-se rinites alérgicas, vasomotoras e medicamentosas e os resultados foram observados dentro de um período de 30 a 90 dias.

Todos os pacientes tratados já haviam sido submetidos a tratamentos clínicos, sistêmicos e tópicos, sem sucesso.

Foi utilizada rotineiramente a anestesia tópica da mucosa nasal com algodão embebido em neotutocaína a 2% ou lídocaína a 10%, associada a um vasoconstritor tópico, exceto em quatro casos, para os quais não foi feita qualquer anestesia da mucosa, sendo utilizado nesses casos (um deles um paciente com apenas 11 anos de idade) apenas o vasoconstritor tópico. Nenhum deles referiu dor.



Figura 2 - Manômetro e cabo.



Figura 3 - Caneta.



Os sintomas pesquisados foram: obstrução nasal, rinorréia, prurido e crises esternutatórias, (de espirros), quantificados de zero a + + + (graus leve, moderado ou intenso). Foram anotados os sintomas pigarro e ressecamento da garganta apenas quando o paciente espontaneamente os referiu e, desta forma, foram desconsiderados.

Clinicamente foram observados: hipertrofia dos cornetos, pólipos e degenerações polipóides, coloração da mucosa e rinorréia.

0 instrumental utilizado (Fig. 1) constou de um cilindro de 4 kg com C02 pressurizado, um manômetro, um cabo adaptado do manômetro a um pedal, um cabo adaptado do manômetro à caneta (Fig. 2) e esta à ponta (probe), angulada em 15 graus especialmente para uso intranasal. As dimensões da ponta são: 7 x 2,5 milímetros (Figs. 3 e 4).



Figura 4 - Ponta do equipo ('probe').



Completada a anestesia e a retração ou apenas a retração da mucosa dos cornetos nasais inferiores, procedeu-se à sua criocauterização com a ponta (probe) já descrita (Figs. 3 e 4), constituindo-se, em todos os casos, num procedimento estritamente ambulatorial. Ao acionarmos o pedal, o contato da ponta com a mucosa dos cornetos nasais inferiores promove suas aderências e a formação de pequeno fragmento de gelo em toda a extensão da ponta, congelando o ponto de contato. Este procedimento foi'realizado em vários pontos dos cornetos inferiores (em média três a seis), de acordo com sua maior ou menor superfície (Fig. 5). A temperatura na probe variou de-70 a=80°C.



Figura 5 - Algumas posições de contato da 'probe':



A duração da congelação em cada ponto foi de 60 segundos, a 700-800 lbf/po12, em uma única sessão. O descongelamento de cada ponto leva alguns segundos, sem tracionarmos a ponta, uma vez que a mesma se solta espontaneamente, evitando-se assim arrancamento de fragmentos da mucosa.

Imediatamente após a cirurgia, a mucosa assume ooloração vermelho-vivo, aparentando acentuado ingurgitamento vascular, embora não tenhamos observado nenhum caso de sangramento pós-operatório.

Durante o ato cirúgico, a única intercorrência observada foi de lipotimia em três pacientes (7% da população estudada), todos do sexo masculino, de rápida recuperação apenas com ventilação com ambu, no próprio consultório. Esses três casos estavam sob anestesia tópica da mucosa.

Não ocorreram hemorragias, perfurações septais, sinusites, otites serosas, necroses ósseas do corneto, febre ou cefaléia no pós-operatório, complicações descritas principalmente com o nitrogênio líquido. Os únicos sintomas pós-operatórios observados foram rinorréia variável de 12 a 24 horas e, às vezes, exacerbação transitória dos espirros.


Resultados

Dos 44 pacientes submetidos à criocirurgia nasal; 19 eram do sexo masculino e 25 do sexo feminino, com idades variando de 10 a 56 anos, em média 23 anos.

Em todos os casos havia obstrução nasal de diferentes graus, classificada em leve (+), moderada (+ +) e acentuada (+ + +). A alteração sintomatológica até 90 dias de observação foi registrada nos mesmos parâmetros acima.

A melhora ou desaparecimento do sintoma obstrução foi muito evidente e ocorreu em todos os pacientes estudados, conforme se verifica nas Tàbelas 1 e 2.


Tabela 1 - Do sintoma obstrução nasal 30 a 90 dias após a criocirurgia



Tabela 2 - Intensidade do sintoma obstrução nasal antes e 30 a 90 dias após a criodrurgia



Tabela 3 - Da concomitância dos sintomas nasais



O índice global de melhora do sintoma obstrução foi de 72%.

A queixa de rinorréia ocorreu em 21 pacientes (48% do total), a de prurido em 27 (61% do total) e a queixa de crises de espirros em 25 (57% do total). A concomitância destes sintomas com a obstrução nasal pode ser avaliada na Tabela 3.

Os efeitos da criocirurgia sobre os sintomas rinorréia, prurido e espirros esião representados na Tabela 4.


Tabela 4



A melhora objetiva observada, com relação à hipertrofia dos cornetos nasais inferiores e quanto à melhora do aspecto de coloração da mucosa, é mostrada na Tabela 5.


Tabela 5 - Avaliação clinica pós-operatóría



Dos 44 pacientes submetidos à criocirurgia nasal, 11 (25%) eram portadores de acentuados desvios do septo nasal (desconsiderando-se os portadores de pequenos desvios, cristas, esporões ou meras irregularidades septais, todos freqüentes na população em geral) e dois (4,5%) eram portadores de polipose nasal, um deles recidivante e também um dos portadores de desvio septal acentuado

Conclusões e comentários:

Revendo a literatura, é consenso que a crioterapia nasal traz benefícios aos pacientes a ela submetidos. Moore e Bicknell (1980), comparando os resultados do tratamento da rinite crônica vasomotora, pela crioclrurgia e pela cauterização convencional, observaram que eles praticamente se equivaliam. Entretanto, segundo nossa observação e pelo estudo anatomopatológico que consta da literatura citada, concluímos que a crioterapia é um procedimento eficaz e muito menos agressivo à mucosa e, portanto, à sua fisiologia.

A crioterapia engloba inúmeras -vantagens quando comparada a outros tipos de tratamento usados para solucionar os problemas da rinite crônica.

Podemos dizer em relação à crioterapia nasal que:

1. Há regeneração do epitélio ciliar, o que não ocorre com a eletrocoagulação e a diatermia. 2. É realizada usando-se anestesia local, ou mesmo sem qualquer anestesia.
3. É realizada em nível ambulatorial ou de consultório, evitando-se, assim, internação hospitalar.
4. É um método relativamente barato, quando usado o C02
5. É seguro. 6. É prático. 7. Não necessita de pré-medicação.
8. Não afasta o paciente de suas atividades habituais.
9. Produz alívio dos sintomas tão bom quanto com a diatermia ou eletrocoagulação.
10. Não produz sangramento.
11. Não produz cicatrizes associadas às cauterizações profundas.
12. Não há o inconveniente do odor desagradável de tecido queimado.
13. Excepcionalmente produz dor no pós-operatório, que cede com analgésicos suaves.
14. As aplicações podem ser repetidas.
15. É comprovadamente eficaz a curto e médio prazo.
16. Pode complementar uma cirurgia septal ou, uma diatermia da mucosa.
17. Embora seja inútil em indivíduos portadores de acentuados desvios septais, alivia os sintomas pré-operatórios enquanto estes aguardam a cirurgia.

Summary

Forty four patients of chronic rhinitis carriers of different etiologies were treated by nasal cryotherapy.

As in the bibliography, we hereby confirm its superior and excellent results to the convencional methods like electrocoagulation, infiltration, turbinectomy and others
Beyond the superiority of the results, we noted that the treatment is so innocuous that it can be performed easily in a consultation room without any anethesia.

Referências

1. BICKNELL, P.G. - Cryosurgery for allergia and vasomotor rhinitis. A new probe. The Journal of Laryngology and Otology, 93: 143-146, 1979.
2. GOODE, L. - A liquid nitrogen turbinate probe for hypertrophic rhinitis. Arch. Otolaryngol., 103:431, 1977.
3. VON LEDEN, H. - Criocirurgia de Ia cabeza e cuello. Acta ORL. IberAmer, XXII (3):275-290, 1971.
4. LEITE, F.A. & col. - Criocirurgia em Otorrinolaringologia. Revista Brasileira de ORL, 43:224-229, 1977. 5. MOORE, J.R.M. & BICKNELL, P.G. - A comparison of cryosurgery and submucous diathermy in vasomotor rhinitis. The Journal of Laryngology and Otology, 94:1411-1413, 1980.
6. OZENBERGER, J.M. - Cryosurgery in chronic Minits. Presented at the meeting of the Eastern Section
of the American Laryngologicai, Rhinological and Otologicai Society, Inc., Boston, Mass., Jan. 7, 1970.
7. PRINCIPATO, J. - Chronic vasomotor rhinitis: cryogenic and other surgical modes of treatment. The Laryngoscope, 89:619-638, 1979.
8. SOLERO, C. & SKONDRAS, C. - La criochirurgia nelle riniti vasomotorie. Minerva Médica, 73:809-810, 1982.




Endereço dos autores
Faculdade de Medicina de Jundiaí
Rua Francisco Telles, 250 - B. Vila Arens 13200 - Jundiaí - SP.

1 - Professor Assistente nível I da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Jundiar-SP.
2 - Professor Titular da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Jundiaí-SP.
3 - Médico Colaborador Voluntário do Serviço de ORL da Faculdade de Medicina de Jundiaí=SP.
4 - Interna de 6.º Ano do Curso Curricular de Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiar=SP.

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