Versão Inglês

Ano:  1985  Vol. 51   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 12 a 18

 

GRANULOMA LETAL DA LINHA MÉDIA POR RETICULOSE POLIMÓRFICA COM EVOLUÇÃO PARA LINFOMA

Autor(es): CARMEN LUCIA PENTEADO LANCELLOTTI-1
GIULIO CESARE SANTO-2
LÍDIO GRANATO-3
LUIS TADEU MARQUES VICENTIN-4
ROBERTO ANTONIO PINTO PAES-5

Resumo:
Os autores apresentam um caso de granuloma letal de linha média com quadro anatomopatológico de reticulose polimórfica, que evoluiu para linfoma imunoblástico. Fazem uma revisão da literatura sobre o quadro ch"nico e aspectos anatomopatológicos e comparam o caso com os jd descritos, enfatizando seu quadro anatomopatológico peculiar.

Introdução

A referência mais antiga de que tivemos conhecimento sobre o granuloma letal da linha média foi a descrita em 1897 por Mcbride (8). Em 1933 Stewart (12) relatou seus principais aspectos clínicos e anatomopatológicos.

Fauci e cols., em 1976 (3), definiram esta entidade como um processo inflamatório lentamente progressivo, localizado e destrutivo, que envolve predominantemente o nariz, seios paranasais e palato, com erosão das estruturas contíguas, particularmente á face.

Mais recentemente, outros autores (4, 10, 11, 13) consideraram o termo granuloma letal da linha média como expressão apenas de um quadro clínico. Assim, com esse quadro clínico foram descritas três entidades anatomopatológicas - reticulose polimórfica, granulomatose de Wegener e linfoma maligno.

A reticulose polimórfica (1, 9) ou reticulose maligna da linha média (4, 6) é considerada um processo linfoproliferativo atípico caracterizado histologicamente por infiltrado de células inflamatórias em meio às quais há células anaplásicas. Estas se assemelham ora a linfócitos, ora a histiócitos, sendo nítido o polimorfismo celular, geralmente com áreas de necrose. Clinicamente (9) tem localização preferencial no trato respiratório superior, mas pode se manifestar inicialmente por um quadro pulmonar, cutâneo e em outras localizações. É portanto uma doença potencialmente sistêmica. Fechner e Lamppin (4) reuniram 30 casos de reticulose maligna da linha média em sua revisão e em 10 desses casos o estudo necroscópico mostrou comprometimento visceral, além da face.

Por outro lado, a granulomatose de Wegener (2, 14), cujos aspectos anatomopatológicos foram descritos por Godman e Churg (5), é uma doença inflamatória sistêmica caracterizada histologicamente por vasculite necrosante com lesões granulomatosas nas vias aéreas e por glomerulonefrite (7, 13).

Já o linfoma maligno da linha média (1) é uma neoplasia imatura com manifestação primária nessa localização. Microscopicamente se observa o quadro clássico de linfoma, que será posteriormente denominado segundo as classificações utilizadas para os linfomas. Eichel e cols. (1), em 1966, verificaram na sua revisão que a maioria dos linfomas era do tipo histiocítico ou de células reticulares, difusos.

O propósito deste trabalho é o de apresentar um caso de granuloma letal da linha média, cujos aspectos clínicos e anatomopatológicos são singulares e não absolutamente superponíveis aos dos casos descritos na literatura.

Apresentação do caso

J.F.P., com 30 anos de idade, de cor preta, do sexo masculino, borracheiro e natural de Minas Gerais.

Em 16 de agosto de 1979 procurou o Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo com queixa de obstrução nasal, rinorréia à direita e febre não muito alta há aproximadamente três meses. Notou também o aparecimento de orifício no palato, com saída de secreção purulenta, que aumentou progressivamente de diâmetro. Nessa ocasião foi medicado com Benzetacil (três ampolas de 1.200.000 U, IM), sem melhora (sic), com aparecimento de dor e amolecimento dos dentes superiores.

Nos antecedentes referiu que um ano antes teve quadro semelhante caracterizado por febre, rinorréia fétida e obstrução nasal direita que melhorou com o uso de inalações (sic).



Figura 1 - Lesão destrutiva do palato duro com rebordas irregulares evidenciando lesão em atividade.



Ao exame físico, na internação, apresentou estado geral regular, anictérico, hidratado e febril (38,5°C). Encontrou-se um linfonodo submandibular amolecido e doloroso, com 1 cm de diâmetro e dor à palpação dos seios maxilares e nariz. A rinoscopia anterior evidenciou grande quantidade de secreção purulenta e fétida no assoalho da fossa nasal direita. Os dentes estavam em estado regular de conservação, doloridos ao toque, com halitose e presença de fístula localizada no palato duro à direita, circundada por halo eritematoso e que dá saída a secreção purulenta (Fig. 1). A otoscopia nada revelou de particular.

Quanto aos exames de laboratório para pesquisa do agente etiológico - reação de Montenegro, reações sorológicas para Lues, pesquisas de bacilo de Kõch no escarro, do fator reumatóide e de células LE - os resultados foram negativos. A reação de Mantoux foi de 5 mm e a velocidade de hemossedimentação foi de 97 mm na 1 hora e de 106 mm na 2. A eletroforese de proteínas mostrou aumento das proteínas totais (9,2 golo), com o seguinte diferencial: albumina, 2,53 golo; alfa 1 globulina, 0,47 golo; alfa 11 globulina, 1,05 golo; betaglobulina, 1,47 golo e gamaglobulina, 3,68 golo. A radiografia dos campos pulmonares bem como o hemograma, a glicemia, as dosagens de uréia e de creatinina e a urina tipo I não evidenciaram quaisquer alterações.

As biópsias realizadas no palato em três ocasiões diferentes tiveram sempre o diagnóstico de processo inflamatório crônico inespecífico, ulcerado e infectado.



Figura 2 - Perfuração ampla do palato, com bordos lisos e regulares, após tratamento radioterápico.



Durante a evolução ocorreu aumento da lesão do palato com episódios de hemorragia ao nível da lesão e através das fossas nasais, sendo então o paciente submetido a transfusões sangüíneas.

O tratamento indicado foi radioterapia por alta voltagem com 5.000 rads, recebendo alta em 15 de Outubrobro de 1979 com estabilidade da lesão.

Em 22 de novembro de 1979 foi reinternado por apresentar seqüestro ósseo nasal, removido cirurgicamente na ocasião, com colocação de prótese ocluindo o orifício do palato. Novamente recebeu alta em 20 de dezembro de 1979.

O paciente permaneceu inalterado e assintomático até maio de 1981, fazendo controle ambulatorial a cada dois ou três meses (Fig. 2).

Em 13 de outubro de 1981 retornou ao hospital referindo dor no palato com irradiação para a hemiface direita e com aumento da quantidade de crostas nas fossas nasais.

Ao exame otorrinolaringológico nesse período observou-se massa tumoral na região submandibular direita, com cerca de 4 cm de diâmetro, de consistência elástica à palpação, não aderente a planos profundos e indolor. Notou-se também micropoliadenomegalia em todas as cadeias linfáticas cervicais, com linfonodos móveis e indolores. Os bordos da perfuração do palato estavam hiperemiados e doloridos ao toque e havia grande quantidade de crostas com presença de ulceração na porção anterior do septo nasal.

Realizou-se antibioticoterapia e biópsia da massa cervical, cujo resultado foi linfoma imunoblástico. Instituiu-se a seguir quimioterapia com metotrexate, enduxan, oncovin e meticorten, e o paciente apresentou grande melhora do quadro clínico, com desaparecimento da massa tumoral após essa primeira fase do tratamento.



Figura 3 - Solução de continuidade do palato com faixa superficial de necrose e na base neoformação vascular, infiltrado linfoplasmocitário, com presença de neutrófilos H.E. 192X.



Em seguida evoluiu mal e veio a óbito em 3 de setembro de 1981, sendo necropsiado.
A perfuração na região antral do palato duro apresentava entre 2 e 3 cm de diâmetro, com bordas congestas e necróticas. À microscopia havia solução de continuidade comprometendo também o tecido ósseo adjacente, com necrose e acúmulos de bactérias na superfície, além de neoformação vascular, infiltrado linfoplasmocitário, com predominância destes e presença de neutrófilos (Fig. 3).



Figura 4 - Linfonodo cervical com proliferação de imunoblastos e de linfócitos em diferentes graus de diferenciação até plasmócitos, com várias células atrpicas. Giemsa 488X.



Na região cervical encontraram-se 18 linfonodos, o maior com 2 cm de diâmetro, constituídos por tecido firme, homogêneo e amarelado, porém não coalescentes. Ao exame microscópico a estrutura dos linfonodos estava substituída pela proliferação de células com núcleo grande ovalado ou arredondado, com cromatina frouxa e nucléolo evidente central, com caracteres de imunoblastos. Ao lado destas também havia linfócitos em diferentes graus de diferenciação até plasmócitos, várias mitoses atípicas e focos de necrose com infiltração da cápsula dos linfonodos. A coloração destas células pelo verde-metil-pironina revelou-se positiva (Fig. 4).

Além do descrito, apenas no apêndice ceral observou-se comprometimento pelo mesmo processo - infiltrado mononuclear com predominância de plasmócitos e área de necrose desde a mucosa até a túnica muscular.

Nos demais órgãos verificou-se, de particular:

- Hemorragia gastrintestinal, que foi considerada a causa do óbito.
- Hepatite transinfecciosa.
- Edema intersticial difuso no miocárdio.
- Congestão visceral generalizada.

Nessa ocasião foram revistas as biópsias anteriores do palato e constatou-se que em meio às células inflamatórias havia algumas células polimórficas, que ora se assemelhavam a histiócitos, ora a linfócitos e que tinham aumento da relação núcleo-citoplasmática, hipercromasia e atipias nucleares (Fig. 5).



Figura 5 - Lesão do palato, onde se destacam células atepicas em meio às células inflamatórias. H.E. 210X.



Amostras para histologia retiradas dessa região na necropsia evidenciaram células atípicas em meio às células inflamatórias, mas como predominavam a necrose e a contaminação bacterialra secundária, foi difícil a sua caracterização.

Comentários

Quando o paciente procurou nosso Serviço, apresentava-se com quadro clínico que sugeria um processo. agressivo, apesar do seu estado geral bom para regular.

A persistência da sintomatologia nasal - rinorréia e obstrução nasal durante meses, acompanhadas por febre e posteriormente ulceração do palato - descartava a hipótese de uma sinusite banal. A negatividade em todas as pesquisas para identificação dos agentes etiológicos mais freqüentes em nosso meio afastava doenças específicas.

O velamento do seio maxilar direito, ao exame radiológico, também n~o, contribuiu para estabelecer a etiologia do processo.

Por outro lado, o exame histopatológico da amostra colhida junto à borda da fístula oronasal, assim como a impressão clínica não sugeriram granulomatose de Wegener e nem neoplasia. Por esta razão, essas duas entidades anatomopatológicas ficaram afastadas para explicar o quadro clínico de granuloma letal da linha média e a evolução com aumento rápido e progressivo da lesão ulcerada, acompanhado por episódios hemorrágicos freqüentes, fortalecia a hipótese de reticulose polimórfica.

A resposta ao tratamento radioterápico correspondeu ao esperado para essa entidade. Com o resultado terapêutico foi possível ao paciente, com sua prótese para ocluir a fístula, levar vida praticamente normal. Porém, com a recidiva do processo após um ano e meio, acompanhada de linfadenomegalia cervical e com diagnóstico anatomopatológico de linfoma imunoblástico, foram levantadas as seguintes hipóteses: ou a reticulose polimórfica teria sofrido uma transformação para linfoma ou tratava-se de um linfoma desde o início, não diagnosticado pelas biópsias.

O diagnóstico clínico de granuloma letal da linha média ficou bem estabelecido.

Comparando nossos achados histopatológicos da lesão do palato com os descritos por outros autores verificamos que são os mesmos observados na reticulose polimórfica, inclusive com comprometimento visceral - apêndice cecal. Optamos portanto por esse diagnóstico. Tratandose de entidade reconhecida na literatura como potencialmente maligna, a evolução para linfoma imunoblástico contribuiu para confirmar esse diagnóstico. Além disso, este caso também sugere que a reticulose polimórfica é um processo linfoproliferativo atípico. Não encontramos porém na literatura citação de casos com esse tipo de evolução.

Fica mais uma vez comprovada a necessidade de, diante de caso com diagnóstico clínico de granuloma letal da linha média, se realizar biópsias de material suficiente para que possa ser feito o diagnóstico anatomopatológico, que irá posteriormente indicar a conduta terapêutica adequada.

Summary

The autoors present a case of Lethal Midline Granuloma with the pathologic pattern of Polymorphic Reticulosis, which changed to Immunoblastic Lymphoma. A review of the fterature about the mainly clinical and pathologic features was dope comparing this case with others reported.

Referências

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2. FAUCI, A.S.; WOLFF, S.M. - Wegener's granulomatosis: studies in eighteen patients and a review of the literature. Medicine (Baltimore), 52:535-561, 1973.
3. FAUCI, A.S.; JOHNSON, R.E.; WOLFF, S.M. - Radiation therapy of midline granuloma. Annals of Interna! Medicine, 84:140-147, 1976.
4. FECHNER, R.E.; LAMPPIN, D.W. - Midline malignant reticulosis. A clinicopathologic entity. Arch. Otolaryng-95:467-476, 1972.
5. GODMAN, G.C.; CHURG, J. - Wegener's granulomatosis - pathology and review of the literature. Arch. Pathol., 58:533-550, 1954.
6. KASSEL, S.H.; ECHEVARRIA, R.A.; GUZZO, F.P. - Midline malignant reticulosis: so called lethal midline granuloma. Câncer, 23:920-935, 1969.
7. KORNBLUT, A.D.; FAUCI, A.S. - Idiopathic midline granuloma. Otolaryngologic Clinics of North America, 15 (3):685-692, 1982.
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10. MINITI, A.; MATA, R.A.; BENTO, R.F. - Granuloma letal de linha média facial. Otorrinolaringologia, 48:6-13, 1982.
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12. STEWART, J.P. - Progressive lethal granulomatous ulceration of the nose. J. Laryngol. Otol, 48:657-701, 1933.
13. WETMORE, S.J.; PLATZ, C.E. - Idiopathic midface lesions. Ann. Otol. Rhinol. LaryngoL, 87:60-69, 1978.
14. WOLFF, S.M. et al. - Wegener's granulomatosis. Ann. Int. Med, 81:513-525, 1974.




Endereço da autora

DRA. CARMEN LUCIA PENTEADO LANCELLOTTI Rua Cesário Motta Junior, 112
VI. Buarque - 01221 - São Paulo - SP.

Trabalho realizado no Hospital da Santa Casa de São Paulo - Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - Departamento de Anatomia Patológica e de Otorrinolaringologia.

1 - Professora Assistente do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
2 - Professor Instrutor do Departamento de Anatomia Patológica da FCMSCSP
3 - Professor Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da FCMSCSP
4 - Ex-Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da FCMSCSP
5 - Professor Assistente do Departamento de Anatomia Patológica da FCMSCSP

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