Ano: 1955 Vol. 23 Ed. 3 - Maio - Junho - (4º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 90 a 104
A OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA TUBERCULOSE (1) - PARTE 1
Autor(es): Dr. FABIO BELFORT (2)
I - Introdução
II - Tuberculose dos ouvidos: Ouvido externo; Ouvido médio; Tuberculose e VIII par
III - Tuberculose nasal e dos seios paranasais
IV - Tuberculose bucal
V - Tuberculose faríngea
VI - Tuberculose laríngea: Considerações gerais Patogenia; Sintomatologia; Exame objetivo e tipos anátomo-clínicos; Diagnóstico; Prognóstico; Seqüelas; O problema das doenças associadas; Tratamento: Estrepto e dádroestreptomicina; Acido paraminosalicílico; Hidrazida do ac. Isonicotínico; Tiosemicarbazonas; Outros medicamentos anti-tuberculosos; As medicações antigas; Cirurgia.
VII - Tuberculose da traquéa e brônquios
VIII - Referências
A OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA TUBERCULOSE
I -INTRODUÇÃO
A oto-rino-laringologia seguiu uma curiosa evolução. Nasceu quando os antigos otologistas começaram a perceber claramente que boa parte da patologia auricular se achava intimamente ligada à patologia nasal. Como esta se relaciona, por sua vez, diretamente com a patologia faríngea e esta com a laríngea, formou-se pouco a pouco, uma especialidade médica.
Além disso, a própria natureza do trabalho exigindo uma técnica comum (iluminação de cavidades estreitas e profundas, instrumental acotovelado, etc.), contribuiu para a formação definitiva desse ramo da Medicina.
Não sabemos quem empregou pela primeira vez a palavra oto-rino-laringologia, mas podemos afirmar que, em meados do século passado, a especialidade se achava claramente definida.
Com o tempo, a "marcha descendente" da oto-rino-laringologia prosseguiu, extendendo-se do laringe à traquéa e desta aos brônquios, incorporando, também, o esôfago. Nestes últimos 20 anos a especialidade expandiu-se através do território pulmonar de tal maneira que se tornou banal encontrar, na literatura oto-rino-laringológica, artigos sôbre bronquectasias, abcessos pulmonares, neoplasias torácicas, cistos aéreos pulmonares, mediastinites, etc. Para essa expansão muito contribuiu a vulgarização das técnicas endoscópicas e da broncografia. Ao mesmo tempo, especialistas em doenças pulmonares e cirurgiões torácicos principiaram a fazer uso da endoscopia com fins de diagnóstico e tratamento, resultando um esmaecimento do que chamaríamos de limites inferiores da especialidade.
O advento dos antibióticos acarretou, por parte do laringologista, uma atitude menos contemplativa frente ao tuberculoso. A uma posição quasi expectante, aos tratamentos paliativos, sucedeu mentalidade mais intervencionista. Realmente, há uns oito anos, de maneira geral, a laringite tuberculosa era tratada com olhos fitos nas radiografias do tórax. A esperança do laringologista residia nas possíveis melhoras do estado pulmonar, com a consequente evolução favorável das lesões laríngeas. A idéia do "paralelismo" dominava a prática do laringologista perante o tuberculoso, embora já se ouvissem vozes discordantes.
Com o advento das estreptos, do ác. paraminosalicílico, da hidrazida do ác. isonicotínico, surgiam novos aspectos a serem investigados, interessando, por igual, o tisiólogo e o laringologista e reclamando uma revisão de alguns conceitos, tanto mais que as exposições de conjunto sôbre a tuberculose, do ponto de vista oto-rino-laringológica, são relativamente raras. Os conhecidos volumes de Collet, de Portmann e Retrouvey, de Ormerod e de Meyerson, excelentes no momento de sua edição, estão completamente fora de época no que se refere à terapêutica e a certos pontos de patologia. Os recentes tratados são cada vez mais concisos sôbre o assunto, inclusive os de Lederer e de Scott-Brown.
Assim, cremos útil e oportuno proceder a uma revisão, embora sumária, da oto-rino-laringologia da tuberculose. No presente estudo tocamos em algumas questões, de plena atualidade, que interessam às duas especialidades e sôbre várias das quais possuímos alguma experiência pessoal. Tendo dirigido o serviço de oto-rino-laringologia do Instituto Clemente Ferreira durante mais de 3 anos, com um volume de serviço de mais de 4.500 unidades, bem como o do Hospital-Sanatório do Mandaquí (secção masculina), durante 4 anos, com um total de mais de 8.000 unidades, acreditamos possuir base para expender algumas opiniões próprias.
Deixamos de mencionar a tuberculose do esôfago, por se tratar de forma raramente encontrada na clínica. Em mais de 1 .000 tuberculosos, não tivemos ocasião de encontrar um único que apresentasse sinais clínicos de localização esofagiana. Pelo mesmo motivo não abordamos o lupus, sabidamente raro no nosso meio. Valemo-nos, constantemente, do apoio dos autores que se dedicaram ao assunto, consultando-os, na sua grande maioria, em seus originais.
II - OTOLOGIA DA TUBERCULOSE
Ouvido externo - A tuberculose primitiva do pavilhão ou do conduto (primitiva no sentido de Ranke), raríssima, se explica pela inoculação direta do b. Koch, por meio das unhas ou alguns outro agente traumatizante. Menos rara é a tuberculose secundária, originada pela inoculação de bacilos proveniente do pús de uma otite média específica preexistente. As lesões podem permanecer limitadas à pele ou se extender ao pericôndrio, geralmente se complicando com a proliferação de germens não específicos da flora cutânea.
O diagnóstico etiológico, em qualquer caso, só pode ser feito por meio da biópsia, uma vez que não existe quadro característico. Tivemos ocasião de observar, no Hospital-Sanatório do Mandaquí, um portador de eczema do conduto no qual sobreveio uma otite média supurada crônica, surgindo, mais tarde, lesões infiltrativas e proliferastes circunscritas da pele do conduto, que o histo-patologista classificou de granuloma tuberculoso. Taes lesõe não cederam aos toques com cáusticos químicos, mas desapareceram após 8 aplicações de raios ultra-violetas, durante 2 minutos, uma vez por semana, embora a supuração da caixa prosseguisse mesmo depois da cicatrisação das lesões do conduto. E claro que, enquanto durarem a otite média e o eczema, subsistirá o perigo de nova localização tuberculosa no conduto.
Ouvido médio - A patogenia da tuberculose do ouvido médio se resume na admissão das duas vias de extensão do processo tuberculoso pulmonar: via hematica, a mais comum; e via tubária, durante os acessos de tosse, espirros ou vômitos. A primeira é mencionada por Banham (1) e outros; a segunda é bem explanada por Proctor e Lindsay (2) com todas as minúcias do trajeto do b. Koch a partir dos pulmões e, através do temporal, até a caixa.
A questão de saber se existe ou não uma tuberculose primária do ouvido médio tem um interêsse puramente acadêmico. Na catástrofe de Lübeck, Kleinschmidt e Schürmann observaram 8 casos (3), mas nas circunstâncias habituais essa primo-infecção do ouvido médio é sempre secundária a um foco pulmonar.
Do ponto de vista clínico, o que interessa, antes de tudo, é desconfiar da natureza tuberculosa de uma otite média, não só em pacientes tuberculosos comprovados como nos indivíduos aparentemente sãos. Para isso convem procurar as características da otite média tuberculosa.
Alguns autores têm descrito sinais precoces dessa entidade mórbida. Assim, Blegvad (4) e Lüscher e Rotmann (5) descreveram aspectos que consideram característicos (êstes últimos lançando mão do oto-microscópio). A maioria dos autores, porém, não dá grande valor a taes aspectos.
Em um tuberculoso - grande baixa de audição, ausência de otalgia, às vezes ruídos auriculares, tom cinza azulado da membrana, apagamento do triângulo luminoso e do desenho do cabo do martelo - são os sinais orientadores geralmente levados em consideração. Bateman (6), recentemente, fala em um tom amarelado especial. Mais tarde pode sobrevir hiperemia dos vasos da zona do umbus e enfunamento da metade superior do tímpano.
Em certos casos o processo regride espontaneamente mas, na maioria das vezes, há ruptura da membrana - puntiforme, paracentral, geralmente múltipla, correspondendo à fusão de vários focos miliares. Myerson e Gilbert (7) contestam essa multiplicidade de perfurações, porém Lederer (8) explica que ela nem sempre é encontrada porque, com o tempo, as perfurações múltiplas se alargam, fundindo-se em um único orifício, largo, central ou para-central, de tal maneira que só quando se tem a oportunidade de examinar o processo muito no seu início, se pode observar mais de uma perfuração.
Na prática os otologistas, mesmo trabalhando em sanatório ou ambulatório de tuberculosos, confessam sua reduzida observação desse início, o que se explica pelo fato mesmo do começo silenciosos do processo. O caso mais frequente é o do paciente vir a exame se queixando de uma súbita humidade no conduto. A otoscopia nos mostra um tímpano perfurado e um processo relativamente avançado. Raramente se terá a oportunidade de encontrar as lesões tuberculosas do tímpano em sua fase anterior à fusão da membrana, isto é, na sua fase de mudez clínica, por maneira que um caso belamente ilustrado como o de Dingley (9) desperta excepcional interêsse.
O processo da caixa, via de regra, se estende ao antro e células mastóideas. As possíveis complicações são as mesmas das otites médias em geral, com a diferença de que, geralmente, tem início menos brusco, porém são acompanhadas de lesões ósseas mais frequentes e mais extensas.
Aqui, como, aliás, nas otites médias supuradas não específicas, surgem, por vezes, problemas de difícil solução. Por exemplo, uma paralisia facial, em certo paciente, será devida a um processo auricular ou não? Perturbações endocranianas serão causadas por processo menigêo ou à extensão para dentro do encéfalo? Não trataremos dêstes problemas que não são exclusivos da otite média tuberculosa e que exigem, muitas vezes, a colaboração do neurologista, mas há outros que são próprios da tuberculose do ouvido médio.
Por exemplo, um estado vertiginoso correrá por conta de extensão do processo da caixa ao labirinto ou será devido à estreptomicina, que os tuberculosos, 100%, estão tomando ou já tomaram? Esse ponto será estudado mais adiante.
O diagnóstico diferencial com as otites médias não específicas, quando a otite se acha em início, far-se-á com base nos dados acima mencionados. Na maioria dos casos, porém, deparamos com uma otorréa antiga, em paciente tuberculoso, e as coisas já não são tão simples. A pesquisa do bacilo resolveria as dificuldades, porém êsse método é, na ocorrência, bastante inseguro.
Ormerod (10) acredita que, nas otites médias tuberculosas clinicamente diagnosticadas, encontra-se o b. Koch apenas em 1/3 dos cassos. Myerson (11) afirma:
"Pode ser extremamente difícil estabelecer a natureza tuberculosa de uma infecção auricular, mesmo que a observação clínica conduza à suspeita de que tal é o caso. Pode ser impossível
estabelecer a presença de b. tuberculoso por meio de repetidos esfregaços, culturas e biópsias".
O mesmo autor, em colaboração com Gilbert (7), escreve: "Fomos incapazes de provar a existência de um b. tuberculoso por meio de repetidos esfregaços, culturas e biópsias".
Wilson (12) lembra que a presença de b. Koch não prova que a otite seja tuberculosa, visto como secreções com bacilos vindos do pulmão podem ser projetadas, durante a tosse, através da trompa, para dentro de uma caixa em processo de supuração anterior, pela ação de germens não tuberculosos.
Quando existem granulações da caixa, a biópsia poderá evidenciar, de maneira conclusiva, a natureza tuberculosa da otite. O tratamento, outrora penoso e de poucos resultados, tornou-se mais eficiente com a descoberta de novos anti-tuberculosos. Não devemos nos esquecer dos germens secundários, uma vez que a sua invasão é inevitável, após algum tempo do aparecimento da perfuração da membrana. Por isso, além das drogas anti-tuberculosas, convem lançar mão da penicilina, tirotricina, aureomicina, terramicina, cloramfenicol, bacitracina, polimixina, sulfas em pó, furacin. Sempre que houver facilidades de laboratório, deve ser feito o antibiograma, incluindo, pelo menos, 4 dos antibióticos de espectro mais discordante entre si.
Dadas as dificuldades de esclarecer, em muitos casos, a natureza específica ou não das otites médias em tuberculosos, pensamos em usar, em todos êsses casos, uma certa medicação que pudesse beneficiar os dois processos. Acreditamos que o Tb. 1 se preste a isso, graças à sua atividade anti-tuberculosa e sabendo que já existem preparados de semi-carbazonas que se revelaram eficientes em muitas otites médias não específicas. Assim, o Tb. 1 agiria, simultaneamente, sôbre o processo específico e sôbre o não específico. Alguns resultados, publicados em nota prévia (13), foram animadores.
O moderno oto-rino-laringologista já não hesita em praticar a cirurgia nos tuberculosos, auxiliado que é pelas novas drogas. A verdade é que, apesar destas drogas, terem alterado muitas perspectivas da otologia, a cirurgia otológica encontra, nos sanatórios, um campo de ação bastante amplo. Os novos anti-tuberculosos previnem muitas complicações das otites médias nos tuberculosos, porém, uma vez instaladas essas complicações, caberá à cirurgia resolver a maioria dos casos. Os colesteatomas, as cáries do rochedo, os diversos tipos de mastoidite, as paralisias saciais octógonas, as complicações endocranianas, constituem, ainda, indicações bastantes para as intervenções cirúrgicas, sempre que as condições gerais dos doentes as permitirem. O emprego da estrepto., no pré- e pós-operatório constitue um aperfeiçoamento que faculta operar em condições mais satisfatórias do que antigamente.
Aliás, a tendência atual da tisiologia é intervir na extirpação dos focos tuberculosos, principalmente daqueles constituídos de tecido necrotico, mais ou menos abundante de bacilos tuberculosos. Como diz bem Muskat (14), temos nas mastoidites tuberculosas exemplo de casos nos quais é possível erradicar, cirurgicamente, um foco tuberculoso, e devemos fazê-lo sem hesitação.
Aqui é bom lembrar a existência de mastoidites tuberculosas d'enblée, isto é, sem lesões da trompa nem da caixa, o processe; se instalando no osso por via hematogênica, como sugere Turner (15).
Cessada a supuração do ouvido médio, permanecem sequelas mais ou menos importantes, a baixa de audição é sempre considerável e o eventual tinnitus, de tratamento difícil.
Tuberculose e VIII par - o acústico pode ser atingido pela propagação de uma inflamação tuberculosa do ouvido médio ao labirinto e dêste ao nervo. Também uma osteite tuberculosa do rochedo pode acarretar lesões do VIII par ou de seus ramos. Nos dois casos o nervo é atingido no seu extremo intra-labiríntico ou na sua porção juxta-labiríntica. Conforme seja atingido predominantemente o ramo coclear ou o vestibular, assim predomina uma ou outra sintomatologia.
Mas o acústico também pode ser lesado no seu trajeto intra-meningêo, isto é, entre o ângulo ponto-cerebelar e o fundo do conduta auditivo interno. Os sintomas otológicos serão, algumas vezes, acompanhados de distúrbios para o lado do facial e outros pares cranianos próximos. Contudo, sendo o facial propriamente dito e o intermediário de Wrisberg mais resistentes que o acústico, tal associação é excepcional.
Portanto a suspeita da natureza tuberculosa da lesão do VIII par surge quando coexiste uma otite média ou uma méningite. Além desses dados, nada possuímos que facilite o diagnóstico de lesão tuberculosa do nervo ou de seus órgãos periféricos. German e Nakó (16) assinalaram que, na tuberculose, pode-se encontrar uma baixa da condução óssea, com a conservação da condução aérea, mas isso também foi observado por Beck (17) em relação à sífilis, o que tira muito do possível valor desse dado.
Nesse ponto, somos conduzido ao assunto das lesões do acústico e seus ramos, produzidas pelos modernos anti-tuberculosos.
Foram Hinshaw e Feldman, em 1945, os primeiros a chamarem a atenção para a neurotoxidéz da estrepto., em relação ao vestibular (18). Mais tarde, Brown e Hinshaw (19) apresentaram
o primeiro relato especialisado das complicações óticas da estrepto. no homem.
Molitor e outros estudaram a ação sôbre o vestibular, em cães, enquanto Mushett e Martland (20) observaram o efeito sôbre o sistema nervoso central, também no cão. Verificou-se logo que a ação neurotoxina da estreptomicina se evidenciava, de preferência, sôbre o vestibular, enquanto o da diidroestreptomicina se voltava preferentemente para o coclear. No entanto há casos (e nós temos observado diversos dêles), nos quais a diidro, em doses elevadas, acarreta distúrbios do equilíbrio, além de hiperacusía e tinnitus. Por sua vez a estrepto. pode produzir hipoacusía.
Fowler e Seligman (21) estudaram a reação vestibular e os audiogramas de 81 pacientes submetidos à ação da estrepto., encontrando 3 com inexcitabilidade do vestibular e tonturas. Dois apresentavam alterações do audiogramas atribuíveis à estrepto.
Chase (22), da Administração dos Veteranos do Exército Americano, encontrou distúrbios vestibulares em 15 sôbre 18 doentes tratados pela estrepto., porém as doses foram muito altas, como as que então se empregavam nas experiências terapêuticas.
Barnwel e outros (23), da Comissão de Estreptomicina da mesma Administração, em cooperação com a direção médica do Exército e da Marinha norte-americanas, encontraram "algum grau de vertigem" em 204 sôbre 223 pacientes.
No relatório apresentado ao Conselho de Farmácia e Química da Associação Médica Americana (24), a percentagem de distúrbios vestibulares era de 96% sôbre 800 casos.
Brown e Hinshaw (19), em 23 casos não encontraram vertigem objetiva nem subjetiva. Com as doses de 1 a 2gr. diárias não notaram hipoacusía.
Com a purificação da droga, essa alta percentagem caiu notavelmente, mas o assunto ainda é digno de estudo.
Onde se localizam as lesões e qual a sua natureza? Nesse sentido foram realisados belos estudos, com resultados um tanto divergentes.
Walner (25), examinou 93 pacientes tratados pela estrepto., com doses de 1 e 2 gr., encontrando sintomas vestibulares subjetivos e hipoexcitabilidade vestibular em grande número dos doentes. Segundo êle não se conhece a séde exata das lesões, se bem que "um processo envolvendo tão comumente o vestibular e o coclear, é central, antes que periférico".
Mais tarde, o mesmo autor (26), empregando 1/3 gr. diária, observou vertigens fugazes em 7 casos sôbre 66. Na discussão dêste último trabalho, na Sociedade Otológica e laringológica de Chicago, a opinião geral era de que as lesões responsáveis pela ataxia pos-estrepto. eram centrais e não periféricas.
Furstenberg (27), chama a atenção para o fato de que a vertigem ocasionada pela estrepto. não é idêntica à produzida pela excitação artificial ou patológica do labirinto estático. Suspeita de que a lesão "deve estar situada algures nos núcleos da base ou ao longo das fibras cortico-bulbares do nervo auditivo". Stevenson e outros (28), em cães, acharam lesões do núcleo coclear central e não nos núcleos vestibulares.
Floberg e outros (29), em cobaia, encontraram lesões predominantes dos núcleos vestibulares e, menos apreciáveis, no núcleo de Deiters.
Berg (30), em minucioso estudo feito em gatos, demonstrou lesões no epitelio sensorial dos canais semi-circulares, do utrículo, do sáculo e do órgão de Corti. No cérebro nada encontrou de notável e nos núcleos vestibulares apenas pequenas alterações.
Embora a questão ainda esteja aberta, parece que os trabalhos de vários autores, inclusive de Ruedi, Hawkins e Caussé (31) vieram provar que as lesões produzidas tanto pela, estrepto. como pela diidro. se encontram realmente no epitelio sensorial, sendo as outras lesões encontradas, secundárias às alterações periféricas. Outro problema que desperta grande interêsse clínico é o seguinte:
Num portador de meningite tuberculosa, tratada pela estrepto. ou diidro., apresentando sintomatologia vestibular ou coclear, como se poderá saber se tais sintomas correm por conta da meningite ou se têm sua origem nos antibióticos?
Sabe-se que a meningite tuberculosa pode atingir o VIII par em seu trajeto intra-meningêo. Salvaing (32) afirma que antes do emprego da estrepto., êsse fato nunca fora consignado. Esse autor discute o assunto e parece se inclinar para a possibilidade da estrepto. intra-raquidiana favorecer a localisação do exsudato em torno do VIII par. Dada a escassez da literatura a respeito do assunto, cremos interessante relatar uma observação de Salvaing: Trata-se de paciente submetido à estreptomicina, por via geral e suboccipital (0,1 gr. diariamente), no qual, após um mês de tratamento, apareceu surdez total. Depois de seis meses de tratamento, veio a falecer. A necroscopia mostrou lesões de causeuse da base, englobando o angulo ponto-cerebelar e as origens dos nervos correspondentes.
Ao corte, o acústico apresentava lesões exsudativas e "foliculares (células gigantes) ", formando uma verdadeira bainha de tecido tuberculizado cercando por todos os lados o nervo em questão sôbre uma parte do seu trajeto intra-craniano.
Que casos semelhantes possam surgir pela interferência da estrepto. ou sem ela, o fato é que há duas modalidades possíveis de lesões do nervo, durante o tratamento das meningites tuberculosas pela estrepto.: Em uma delas, as lesões resultariam do processo de inflamação das meninges; em outro, não passariam das lesões neurotoxinas acarretadas pela estrepto, a qual também as produz em paciente com meningite e mesmo sem tuberculose. Como distinguir essas duas modalidades, na clínica?
A questão tem muita importância. Com efeito, se o paciente se encontra em fase de pleno desenvolvimento de processo meningeo, pode-se insistir no tratamento pela estrepto. (ou diidro), embora surjam sinais de comprometimento do VIII par. Se, porém, a meningite cedeu ao tratamento, é discutível se deva insistir na medicação, uma vez que ela própria pode ser a causa das lesões do acústico. Os distúrbios correm por conta da meningite? Então podemos prosseguir com o antibiótico. Correm por conta dêste último? Então devemos suspendê-lo.
Possuímos algum meio clínico para o diagnóstico diferencial? Seria realmente útil se dispuséssemos de algum artifício que facultasse saber, por exemplo, se um estado vertiginoso é, realmente produzido pela estrepto. ou se uma hipoacusía é produzida pela diidro.
Quando éramos oto-rino-laringologista do Hospital-sanatório do Mandaquí, elaboramos um plano de estudos com a finalidade de verificar se haveria um audiogramas mais ou menos típico das hipoacusía de origem meningítica e outro audiogramas quanto possível característico das hipoacusías pós-estreptomicínicas. Para êsse fim seria necessário obter uma série de audiogramas de pacientes com meningite tuberculosa ainda não tratados pela estrepto. (ou diidro.) e portadores de hipoacusía. Em segundo lugar seria necessário conseguir uma série de audiogramas de pacientes não meningiticos, tuberculosos, tratados pela droga em causa. É claro que, em ambos os grupos, seria indispensável excluir os portadores de afecções do aparelho de condução e, de maneira geral, todos os que acusassem um passado otológico capaz de falsear os resultados.
Realmente, até hoje não foi estabelecido um audiogramas típico, pouco que o seja, da surdez estreptomicínica (ou diidro.). Hinshaw e outros (33) acreditam que a baixa de audição se dê para os sons baixos, o que é contestado por Fowler Jr. (21), mas confirmado, recentemente, por Cline e outros (24 a).
Cremos que as lesões do VIII par, produzidas pela meningite e pela estrepto. obedecendo a um mecanismo diferente, e atingindo, provávelmente, pontos diferentes, devem apresentar disparidades de audiometria utilisáveis clinicamente.
É mesmo possível que surjam alterações precoces do audiogramas, numa fase pré-clínica, isto é, antes de se declararem os sintomas subjetivos, o que permitiria a suspensão da droga em tempo hábil, antes de se estabelecerem lesões avançadas, às vezes irreversíveis. Mutatis mutandis, foi o que conseguiram Rubin e outros (34), em relação ao aparelho vestibular, obtendo nomogramas que se revelaram "valiosos no indicar a ocorrência precoce de toxides estreptomicínica, mesmo antes do início dos sintomas vestibulares".
Trata-se aqui de simples suposições, mas suposições razoáveis que o projetado estudo viria ou não confirmar, e que ficou prejudicado com a nossa saída daquele Hospital-sanatório. É um trabalho que só pode ser realizado em hospital, com serviço de oto-rino-laringológica, equipado com audiométro e respectiva câmera sitentez. E é também um estudo de interêsse prático, embora a neurotoxidéz de ambas as estreptos tenda a diminuir, não só pela purificação das drogas, como pelo emprego de doses mais baixas e pela combinação das duas drogas, o que permite baixar ainda mais a dose de cada uma por si, o que tem importância considerável nas pessoas de idade avançada, cujo aparelho vestibular é particularmente sensível à estrepto (35 e 36).
Finalmente, mencionemos a ação sôbre o VIII par de antibióticos mais recentes como a neomicina (36) e a viomicina, esta última estudada por Hackney e outros (37). Êstes autores, em 23 pacientes tratados durante 5 a 6 meses, encontraram hipoacusía em 6 deles, sendo que 3 perderam 30 a 60 dcbs., de 1024 d. v, para cima. Em 10 outros verificaram a perda de estímulo calórico em 3, mas dêstes, 2 já tinham sido tratados anteriormente pela estrepto.
II - RINOLOGIA DA TUBERCULOSE
Tuberculose das fossas nazaes - A tuberculose da mucosa nazal constitue, sem dúvida, uma raridade e o número de casos tende, ainda, a diminuir depois do emprego dos antibióticos. Em cêrca de 1.000 tuberculosos que tivemos ocasião de examinar do ponto de vista oto-rino-laringologico, não observamos um só caso. As lesões, geralmente devidas à extensão hematogênica das lesões pulmonares, se assentam, principalmente, sobre a porção cartilaginosa do septo, mas podem se estender, por proximidade, às paredes laterais das fossas nazaes. Apresentam-se sob o aspecto de infiltrações, ulcerações, proliferações, podendo se propagar à cartilagem e ossos subjacentes, surgindo então pericondrite, periosteais e consequentes perfurações do tabique.
Quando deparamos com lesões desse tipo em pacientes tuberculosos, a tendência natural é pensar na etiologia tuberculosa, quando na realidade, mesmo em tuberculosos, outras são mais frequentes. A pesquisa direta do bacilo é geralmente negativa. A biópsia virá resolver o problema, na maioria dos casos, mas sómente o achado de um granuloma tuberculoso típico nos pode trazer convicção, visto como o septo é séde frequente de localização da lues, lepra, diversas micoses e até de simples reações a corpo estranho. Lederer (8) lembra a possibilidade de confusão com a rinosporodiose e o rinoescleroma, ambos muitos raros entre nós. Todas essas infecções podem dar origem a granulomas cuja natureza nem sempre é fácil de estabelecer pelo simples exame histo-patologico.
Para ilustrar a dificuldade de um diagnóstico exato, citemos um caso por nós examinado há alguns anos. Tratava-se de paciente em tratamento de tuberculose pulmonar comprovada, submetido à estreptomicina, e, portador de uma úlcera do septo cartilaginoso, de fundo liso, bem como de lesões ulcerativa da cabeça do corneto inferior esquerdo, em posição bem fronteira à úlcera do septo. A R.W. era negativa, não havia granulações caractecísticas da leishmaniose. Naturalmente opinamos pelo diagnóstico de tuberculose nasal. Como o paciente não permitisse a biópsia, pedimos a cultura do material de raspagem das lesões, a qual foi negativa para B. Koch. As aplicações locais de estreptomicina, de óleo de chalmoogra e de cáusticos químicos foram ineficientes. Iamos iniciar o ultra-violeta local quando o paciente abandonou o tratamento para seguir para uma estância climática. Voltou cêrca de um ano depois, com as lesões inteiramente cicatrizadas, contando-nos que um clínico geral da aludida estância fizera o diagnóstico de blastomicóse, tendo praticado uma biópsia (cujo material, aliás, se perdeu) e receitando sulfas em alta dose, após o que toda a sintomatologia desapareceu. Blastomicóse ou não, o fato é que, muito provávelmente, não se tratava de úlcera tuberculosa. A biópsia, recusada pelo doente, teria, se fôsse feita, evitado um erro de diagnóstico, de nossa parte.
Os antigos tratamentos pelos raios X, rádio, diatermo-coagulação, chalmoogra, sempre deram resultados precários. A aplicação local de estrepto., durante 27 semanas trouxe, apenas, "melhoras notáveis" entre as mão de Lane (38), que, aliás, não deixou de ministrar estrepto. por via parenteral. Tendo em vista os bons resultados por nós obtidos na tuberculose ulcerativa do faringe bucal, cremos justificável o emprego do ultra-violeta, com o aparelho adequado às cavidades.
Tuberculose dos seios para-nazais - Quanto às sinusites tuberculosas, sua freqüência não é bem conhecida e seu diagnóstico não é fácil. Dada a freqüência das sinusites produzidas por germens não tuberculosos e das sinusites alérgicas, podemos dizer que a sinusite tuberculosa é a exceção, mesmo em pacientes tuberculosos: No Hospital-sanatório do Mandaquí tivemos ocasião de observar a grande incidência das sinusites não tuberculosas em doentes de tuberculose pulmonar. Dizemos sinusites não tuberculosas porque conseguimos obter uma percentagem de curas relativamente alta, usando métodos de tratamento habitualmente empregados nas sinusites não específicas, o que não conseguiríamos se de fato se tratasse de sinusites tuberculosas.
As formas clínicas da tuberculose dos seios para-nazais podem ser assim descritas, de acôrdo com Portmann e Retrouvey (39):
a) Sinusites de decurso banal, cujo diagnóstico etiológico só pode ser feito por meio de exame histo-patologico da mucosa;
b) Sinusites com processo de osteite e fistulização, facilmente confundíveis com sinusites luética ou actinomicóticas;
c) Sinusites tuberculosas, com formação de aspecto tumoral - uma curiosidade da literatura.
O tratamento apresenta duas faces: A das lesões tuberculosas e a do processo infeccioso não específico ou alérgico subjacente.
Em um serviço de massa como é o de um Hospital com mais de 1.000 pacientes, não se pode apurar, em cada caso de sinusite, se ela é de natureza tuberculosa ou não. A orientação prática será a de tratar de todas as sinusites e, caso o tratamento fracasse procurar averiguar a natureza tuberculosa possível, e que só pode ser levado a efeito pela biópsia da mucosa.
A verdade é que, com a drenagem pelas vias naturais; com o emprego de antibióticos por via parenteral; com a aerossolterapia, que empregamos em grande escala; e com a cirurgia - conseguimos "clarear" a maior parte das inflamações dos seios para-nazais dos tuberculosos. É quasi desnecessário mencionar que todos os pacientes se achavam em regime sanatorial, a maior parte sob a ação de diidroestreptomicina, do PAS ou da hidrazida do ac. isonicotinico, ou de uma combinação dos mesmos, durante todo o tratamento. Fica subentendido que só eram praticadas intervenções cirúrgicas mediante prévia autorização do tisiólogo (vale dizer, em pacientes sem sinais de atividade de processo pulmonar) e após exames pré-operatórios de rotina.
IV - OROLOGIA DA TUBERCULOSE
A tuberculose da mucosa bucal é rara, mas é relativamente frequente na fase terminal da doença. A localização se dá de preferência na língua. Geralmente se apresenta sob o aspecto de úlcera arredondada, localizada na ponta, no dorso ou nos bordos, acompanhada de dores violentas. Tivemos ocasião de observar um único caso genuíno, em centenas de doentes examinados em consultório. As lesões ulcerativa dos bordos, encontradas em alguns pacientes, nada revelaram de específico ao exame histo-patologico e, geralmente, correspondiam à infecção secundária de erosões produzidas por dentes mal tratados, em pacientes em mau estado geral. Alguns casos, com lesões vegetantes da boca, tiveram diagnóstico de ca. Entretanto tem sido descritos alguns casos enter nós, destacando-se os de Fleury da Silveira e Souza Dias (40). Aqui, também, o emprego dos antibióticos tem, provávelmente, contribuído para a escassez dos casos, além de ser muito mais eficiente do que o emprego dos antigos métodos. É esta uma das localizações tuberculosas nas quais as novas drogas produzem os resultados mais espetaculares, tanto mais que a tuberculose da língua, grandemente dolorosa, dificulta a alimentação do doente, abatendo mais o físico e moral, já muito combatídos, do tuberculoso pulmonar.
Schugt (41), revivendo uma antiga técnica de Skillern, propõe a alcoolização do lingual, para alívio das dores, mas prefere a ressecção do nervo.
V - FARINGOLOGIA DA TUBERCULOSE
A tuberculose do faringe se apresenta sob três formas clínicas principais - a ulcerosa, a miliar e a amigdaliana.
A primeira reveste a forma de lesões destrutivas mais ou menos superficiais da mucosa, atingindo qualquer ponto, desde o hipo até o epifaringe.
O diagnóstico seguro só pode ser feito pela biópsia. É claro que a pesquisa direta de b. Koch no material de raspagem não prova a natureza específica da lesão, uma vez que o faringe é a passagem obrigatória dos bacilos eliminados pelas lesões pulmonares tuberculosas, sempre presentes.
Os toques medicamentosos, etc., foram substituídos pelos novos agentes anti-tuberculosos. No entanto, observamos um caso no qual o ultra-violeta deu excelentes resultados. Quando as lesões se estendem ao rinofaringe, é necessário aplicar o ultravioleta com lâmpada especial, de ponta curva, que se insinua por trás do véu, após anestesia do faringe bucal.
A forma miliar é mais comum, na nossa casuística, que conta com cêrca de 15 casos, alguns dados à publicidade (42). Geralmente é associada à tuberculose miliar do laringe, constituindo o quadro denominado de moléstia de Isambert, tão típico que o diagnóstico se faz à primeira vista. Tivemos ocasião de tratar dois casos por meio de estreptomicina e, com surpresa de nossa parte, nada obtivemos, apezar do emprego de 2 gr. diárias. Comer Tb. l tivemos outro fracasso. Os últimos dois casos que observamos foram tratados com a hidrazida, com resultados verdadeiramente dramáticos, uma vez que os pacientes, extremamente depauperações pela doença e pela dificuldade de alimentação, após iniciado o tratamento, recuperavam, a olhos vistos, um bom estado geral; as granulações miliares desapareciam rapidamente, permanecendo em seu lugar apenas alguns pontos brancos, provávelmente cicatriciais, que passariam despercebidos se não tivéssemos examinado os casos antes do tratamento.
A tuberculose das amígdalas deve ser considerada separadamente. Com efeito, se as duas formas anteriores podem ser encontradas nas amígdalas, o mais frequente é depararmos nestas, às vezes por acaso, com lesões histo-patológicas típicas, sem que o doente apresente qualquer sintoma local (43).
Em trabalho recentemente publicado (44) tratamos da tuberculose amigdaliana de maneira algo extensa, podendo ser encontradas, nesse trabalho, as referências bibliográficas mais importantes sôbre o assunto. Aqui diremos apenas que, na maioria dos casos, não há sinais que permitam suspeitar, clinicamente, de tuberculose amigdaliana, a qual pode se manter tórpidas durante muito tempo. Sabe-se da sua freqüência relativamente grande pelos achados dos patologistas, nos serviços que praticam, sistematicamente, o exame das peças extirpadas cirurgicamente ou o exame necroscópico.
Em 68 pares de amígdalas extirpadas de crianças tuberculosas, encontramos 7 casos com exame histo-patologicos positivo (10,28%). Ajuntemos que, em 55 crianças bem observadas, só uma teve seu processo pulmonar exarcebado no período imediato à operação, sendo que nessa criança o exame histo-patologico revelou lesões específicas.
Também devemos mencionar a tuberculose das adenoides, às quais se pode aplicar, mutantes mutantes, o que dissemos sôbre a tuberculose das amígdalas palatinas.