Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 255 a 258

 

Fratura de Mastóide com Enfisema Subcutâneo Cervical.

Mastoid Fracture and Cervical Sulrcutaneous Emphysema.

Autor(es): Saramira C. Bohadana*,
Fabiana Gonçales**,
Marco Antonio M. Name***,
Ana Laura A. Brandão***,
José Alexandre Médicis da Sílveira****,
Mário Bernando G. Rausis*****.

Palavras-chave: fratura, mastóide, enfisema subcutâneo

Keywords: fracture, mastoid, subcutaneos emphysema

Resumo:
O ouvido médio e o osso temporal são freqüentemente envolvidos em acidentes que cursam com traumatismos cranianos. As fraturas do osso temporal em geral envolvem forças de impacto intensa. Traumas menores na região encefálica raramente levam à lesão do osso temporal. No caso relatado, o paciente sofreu fratura de mastóide em decorrência de queda da própria altura, apresentando como único sinal enfisema subcutâneo cervical que evoluiu espontaneamente em alguns dias. Os autores chamam a atenção para este caso, devido à sua raridade, apesar da aparente benignidade da sua evolução. O enfisema subcutâneo cervical conseqüente a fratura de osso temporal é um achado incomum, não tendo sido encontrados relatos na literatura mundial.

Abstract:
The structures of the middle ear and temporal bone are frequently involved in head traumas. High impact traumas may cause fracture to the temporal bone. Fortunately, a fracture of the temporal bone does rarelly result in low head traumas. The present case shows a mastoid fracture resulted from a fall and presented a cervical subcutaneos emphysema as the only symptom which spontaneously disappeared in few days. The authors aim to call attention to the rarity of this case as a complication of temporal bone fracture, inspite of its benign evolution. Cervical subcutaneous emphysema following temporal bone fracture is unsual and still not reported in the world literature.

INTRODUÇÃO

As fraturas de rochedo representam de 20 a 40% das fraturas cranianas. Ocorrem em conseqüência, particularmente, de acidentes de trânsito e de trabalho.

As seqüelas otológicas dos traumatismos cranianos são conseqüentes à fratura de rochedo atingindo a orelha média ou interna, podendo haver lesões de estruturas membranosas ou nervosas cocleovestibulares, do sistema timpano-ossicular e do nervo facial. Podem estar associadas a lesões cerebrais ou cervicais, o que explica a riqueza e complexidade dos sintomas.

O enfisema subcutâneo consiste na presença de ar ou gás no tecido subcutâneo do corpo, podendo ocorrer em conseqüência de trauma fechado ou penetrante. O enfisema subcutâneo cervical relaciona-se comumente com. trauma de face, tórax, traquéia e esôfago, não tendo sido relatado associado com fratura de mastóide, razão pela qual apresentamos este caso.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

O paciente FGB, com 15 anos de idade, do sexo masculino, deu entrada na Clínica Otorhinus, com história de queda da própria altura há 30 horas e trauma direto da região retroauricular direita, evoluindo 24 horas após com crepitação à palpação cervical ipsilateral e restrição da movimentação cervical.

Ao exame otorrinolaringológico, observaram-se:

Crepitação à palpação cervical direita anterior ao músculo esternocleidomastoideo e otoscopia normal.

O exame audiométrico e imitanciométrico mostrou-se dentro dos limites da normalidade.

A tomografia computadorizada dos ossos temporais revelou: Traço de fratura da cortical da mastóide na região de transição do seio sigmóide com o bulbo da jugular e velamento das células mastóideas à direita. Presença de ar em tecido subcutâneo e entre os músculos da região póstero-lateral cervical, dissecando tecidos moles da região infratemporal e espaço parafaríngeo à direita, no corte coronal (Figura 1).

No corte axial, observou-se presença de ar na região occipital subgaleal (Figura 2).

Optou-se por conduta expectaste em relação à fratura e antibioticoterapia oral (cefalexina) por 10 dias, além de repouso relativo.

O paciente evoluiu com remissão total dos sintomas e resolução do enfisema no 20°- dia, confirmadas por tomografia computadorizada de controle (Figura 3).

DISCUSSÃO

As fraturas de rochedo podem ser classificadas em três grupos: longitudinal, transversal e mista.

As fraturas longitudinais são mais freqüentes que as transversais 3,2, representam de 70 a 90% das fraturas do rochedo e resultam de choque lateral, parietal ou parietotemporal3,5.

Cerca de 10% das fraturas são cominutivas ou mistas, podendo ocorrer linha de fratura estendendo-se em mais de uma direção através da base do crânio.

A lesão timpano-ossicular secundária à fratura longitudinal, mais freqüentemente, corresponde à luxação incudoestapediana (82%)3 seguida pela luxação incudomalear que representa 57% dos casos, podendo ocorrer ainda formação de hemotímpano. A presença de otorragia após trauma craniano é uma forte evidência de fratura longitudinal².



Figura 1 A e B. Nestes cortes coronais, observam-se traço de fratura da cortical da mastóide na região de transição do seio sigmóide com o bulbo da jugular e velamento das células mastóideas à direita, além da presença de enfisema subcutâneo e entre os músculos da região póstero-lateral cervical, dissecando tecidos moles da região infratemporal, e espaço parafaríngeo à direita.



Figura 2. No corte axial, observa-se presença de ar na região occipital subgaleal.



Figura 3. Tomografia computadorizada no 20°- dia. Observa-se remissão total do enfisema.



As lesões da orelha interna geralmente resultam de uma fratura transversal do rochedo, de uma fratura parcial (promontório ou platina) ou, na ausência de fratura, secundária à luxação estapediana intravestibular por comoção labiríntica.

A paralisia facial é freqüente nas fraturas de rochedo, ocorrendo em cerca de 40% das fraturas transversais e em 20% das fraturas longitudinais. Nestas, o nervo facial é lesado, mais freqüentemente, no nível do gânglio geniculado.

Entre as seqüelas funcionais, a disacusia neurossensorial e condutiva ocorrem em 22% dos traumatismos cranianos e são imediatas. A disacusia condutiva é freqüentemente unilateral e conseqüente à fratura longitudinal do rochedo, enquanto que a disacusia neurossensorial ou cofose, que ocorre em 90 a 100% das fraturas labirínticas, é mais rara e conseqüente à fratura transversal.

Zumbido está presente em 54% dos traumatismos cranianos com fratura de rochedo. O déficit vestibular agudo total é complicação imediata dos traumatismos cranianos em conseqüência de fratura transversal de rochedo. As fraturas extralabirínticas representam 91% das fraturas: 79% são longitudinais; e 16%, mistas. As fraturas labirínticas representam 9% das fraturas, podendo estar associadas à pneumolabirinto, ou mesmo à lesão do nervo facial no nível da 1ª e 2ª porção².

Uma vez que o paciente tenha sido estabilizado do trauma agudo, uma avaliação completa das estruturas do osso temporal deve ser feita. Tomografia computadorizada de alta resolução em cortes axiais e coronais, usando janela para osso, é o estudo radiológico de escolha para avaliar fraturas da base do crânio.

Quando o paciente estiver em condições satisfatórias, deve ser realizado estudo audiológico completo. Os testes vestibulares não são importantes na decisão da conduta cirúrgica precoce em casos de trauma. A audiometria de tronco cerebral também é útil na tentativa de localizar o nível da lesão.

Na presença de lesão do nervo facial, a eletroneurografia é de fundamental importância na avaliação do grau de acometimento neural e na indicação cirúrgica.

O tratamento depende da gravidade e tipo de lesão e consiste em: Antibioticoterapia, corticoterapia como antiedematoso, vasodilatadores para melhorar a microcirculação ao nível do labirinto e nervo facial. Se liouver hemotímpano deve ser realizado paracentese.
O enfisema subcutâneo e o pneumomediastino ocorrem freqüentemente em associação com trauma fechado ou penetrante, infecção de tecidos moles ou outras condições que criam um gradiente de pressão intra-alveolar e intersticial perivascular. Há continuidade do plano fascial conectando os tecidos moles do pescoço para medíastíno e retroperitônio, facilitando a dissecção do ar nos tecidos destas áreas 4,1.

O enfisema cervical pode ser originado de múltiplas causas, como:

o Perfuração de víscera oca abdominal e/ou torácica.
o Trauma direto na via aérea, como na face, traquéia, tórax, abdome, freqüentemente resultando em pneumomediastino com ou sem pneumotórax 6.

O diagnóstico é feito pelo exame clínico e radiológico (raio X simples e tomografia computadorizada).

O conhecimento imediato da causa do enfisema é essencial, pois alguns traumas requerem intervenção imediata4.


CONCLUSÃO

O relato do presente caso visa chamar a atenção do otorrinolaringologista para a possibilidade de enfisema cervical subcutâneo, com progressão para o espaço parafaríngeo, como sinal indireto de fratura de rochedo. Apesar da raridade desta complicação e da benignidade da evolução neste caso, é um dado novo que deve ser incluído na propedêutica da fratura de rochedo. Tal complicação ainda não havia sido descrita na literatura mundial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BENITO, J. L; MARCOS, M.; MORAIS, D.; PEREZ, R. - Enfisema cervical y mediastinico espontaneo. Acta Otorrinolaringol. Esp., 46 (2): 152-6, 1995.
2. CONRAUX, C.; GENTINE, A. - Séquelles otologiques des traumatismes craniocervicaux. - Encycl. Méd. Chir. (Paris-France), Otorhino-laryngologie, 20-222-A-10, 1995, pp 1-9.
3. HOUGH, J. V. - Otologic trauma. In: Paparella MM, Shumrick DA eds. Otolaryngology (vol 2). The ear. WB Saunders. Philadelfia. 1980; pp 1656-1679.
4. MAUNDER, R. J.; PIERSON, D. J.; HUDSON, L. D. - Subcutaneous and mediastinal emphysema. Pathophysiology, diagnosis and management. Arch. Intern. Med., 144 (7):144753, 1984.
5. PROCTOR, B.; GURDJIAN, E. S.; WEBSTER, J. E. -The ear in head trauma. Laringoscope, 66.16-59,1956.
6. SCHOEM, S.R., CHOI, S.S., ZALZAL, G.H. -Pneumomediastinum and pneumothorax from blunt cervical trauma in children. Laringoscope, 107(3):351-6, 1997.




*Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
**Médica Assistente da Clínica Otorhinus (São Paulo /SP).
***Médico Residente da Clínica Otorhinus (São Paulo /SP).
****Diretor da Clínica Otorhinus (São Paulo /SP) e Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
*****Diretor da Clínica Otorhinus (São Paulo /SP) e Assistente da Disciplina da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da USP.

Trabalho realizado na Clínica Otorhinus (São Paulo /SP). Centro de Estudos Alexandre Médicis da Silveira. Apresentado na XII Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia & III Encontro Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia. Realizado de 15 a 18/11/1997, no Rio de janeiro /RJ.
Endereço para correspondência: Dra. Saramira C. Bohadana. Clínica Otorhinus (São Paulo /SP)-Rua Cubatão 1140- Vila Mariana-São Paulo /SP. Telefone: (011) 572-0025 - Fax: (011) 575-8010. Artigo recebido em 5 de novembro de 1998. Artigo aceito em 6 de abril de 1999.

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