Ano: 1955 Vol. 23 Ed. 3 - Maio - Junho - (5º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 105 a 108
RINITE ATRÓFICA FÉTIDA E ÓLEO DE CHALMOOGRA (*)
Autor(es): Dr. CELIO DE ALMEIDA - Otorrinolaringologista
A Ozena tem merecido a atenção especial de muitos estudiosos que, imbuídos do mais sadio espírito de solidariedade humana, têm procurado lenitivo para os infelizes portadores de tão repugnante doença. E nosso intuito, divulgando nosso método de tratamento, avançar mais um passo no combate a essa desagradável afecção.
ETIOPATOGENIA
As teorias que tentam explicar a Ozena são múltiplas e variadas. Não vamos discuti-las, apenas enumerá-las.
Muitos autores tentam explicá-la pela disorquidia (Champy e Dirtch 1929) ou pela distereoidia (Watt e Ingram), ou ainda pela disovaria (P. Dalch), mas a aplicação da opoterapia não deu os resultados esperados.
A teoria infecciosa por infecção nasal, principalmente após doença grave como tifo, escarlatina, pneumonia, etc., não se manteve em face de experiências realizadas em vivo, com homens e mulheres nos quais foram feitos todos os testes para a produção da Ozena experimental, com resultado nulo.
A aplicação de vitaminas, de acecoline, de fisostigmina e até de anatoxina anti-diftérica nenhum resultado trouxe para a cura da Ozena.
A medicação sôbre o simpático, como seja: adrenalina, ezerina, pilocarpina, provocando o aumento da secreção nasal, igualmente não satisfez.
Goetz Fabian e Horst Zuz Horst - Meyer (Deutsch Medizinische Wochenschrift, 78-13-1953) em "Contribuição à Etiologia da Ozena" cujo extrato do trabalho foi publicado em "Resumos Terapêuticos" analisam as perturbações metabólicas dos doentes da Ozena, com distúrbios circulatórios terminais e dos mecanismos de regulação central, e consideram a Ozena como uma perturbação de irrigação neuro hormonal, condicionada por distúrbios do sistema diencéfalo-hipofisário. Com a terapêutica de ação sôbre o sistema diencéfalo-hipofisário (vitamina E) conseguiram e obtiveram excelentes resultados: Melhoria em 91% dos casos.
A. Miehlkei e R. Diepen verificaram e estudaram a distrofia pituitária-hipotalâmica na Ozena.
Recentemente, Chiodi relata os resultados que alcançou pela anestesia por infiltração novocaínica do gânglio cervical superior, apresentando casos de melhoria com duração até de 7 meses; entretanto não apresenta casos de cura definitiva.
Observamos a direção das pesquisas, orientadas atualmente para as perturbações do sistema nervoso, com abandono das teorias - que consideravam a Ozena como doença infecciosa ou endocrínica. Acreditamos tratar-se não de uma disfunção de determinado órgão ou sistema, mas sim de uma multiplicidade de perturbações funcionais, interessando glândulas endócrinas e sistema nervoso central (perturbações endócrinas-simpático).
TRATAMENTO
A terapêutica da Ozena é também, como as teorias, muito variada. Cada teoria apresenta seu método próprio de tratamento. E verdade que muitos obtiveram magníficos resultados com as mais variadas medicações, as quais infelizmente, não puderam ser generalizadas pela ineficácia de ação em grande número de doentes. Analisa-las de per-si seria improdutivo, maçante, e êste não é nosso objetivo, mencionaremos apenas algumas das mais aceitas.
Além do tratamento com o estrogênios, hormônios vários, estreptomicina, vitaminas, citaremos o cirúrgico, que até hoje tem merecido a aprovação geral dos especialistas. A técnica é muito variada; uns, indicam a implantação de placenta, de cartilagem humana, de cartilagem bovina; outros, a cauterização visando a formação de bridas, com o objetivo uns e outros na diminuição da amplitude de cavidade nasal; a grande maioria, porém, prefere a implantação de substâncias neutras nas paredes nasais.
Ernesto Moreira (Ernesto Moreira-Ozena 1942) conseguiu uma percentagem de 48% de cura, 50% de melhoria e 2% de resultados nulos.
Otacílio Lopes obtêm bons resultados com seu método, usando lâminas delgadas de vinilite ao invéz de bastonetes de palaton. Apesar dos bons resultados obtidos, nem todos os casos se prestam para a cirurgia; os êxitos cirúrgicos dependem do grau de atrofia dos elementos anatômicos da cavidade nasal, estando em razão indireta com ela.
A nossa singela contribuição para a terapêutica da Ozena, é constituída de 23 observações de ozenosos por nós tratados desde 1938, com o ester-etílico do óleo de Chalmoogra.
Conhecemos 2 derivados do óleo de Chalmoogra: o ester-etílico e o chalmorroato de etila, êste sem ação sôbre a Ozena.
Usamos unicamente o ester-etílico do óleo de Chalmoogra na totalidade de nossos clientes de Ozena, eliminando todo e qualquer outro medicamento, até mesmo a simples lavagem nasal.
Ao iniciarmos as nossas observações, usamos o ester-etílico em injeções intra-glútea, semanalmente, na dose de 5 cc. Posteriormente, modificamos para injeções diárias de 1 cc. Atualmente, usamos 1 cc. diariamente ou 2 cc. em dias alternados, indiferentemente.
Ernesto Moreira em seu livro "Ozena", no capítulo da terapêutica, faz menção ao uso do Óleo de Chalmoogra, com resultado nulo. Não explica qual o radical empregado, nem entra em detalhes sôbre o modo de usá-lo. Como o chalmorroato de etila é inativo para a Ozena, pensamos tenha sido êste o derivado utilizado pelo cientista patrício em suas experiências.
Logo após a 1.ª semana de tratamento com o ester-etílico observamos a diminuição e o desaparecimento da fetidez característica da Ozena. Num período mais longo de tratamento notamos a diminuição das crostas, que se tornam moles, muito aderentes. Num estágio ainda mais avançado observamos a ausência completa de crostas e a presença de catarro amarelo espesso, abundante. E finalmente, na última fase, o catarro se fluidifica, tornando-se incolor e dando o aspecto de corisa (os doentes julgam-se gripados).
Nas 23 observações do nosso arquivo, das quais as 13 primeiras já foram motivo de uma publicação, temos os seguintes dados terapêuticos: ALTAS CURADAS 7; PROVÀVELMENTE CURADAS 3; ABANDONARAM O TRATAMENTO 4; CONTINUAM EM TRATAMENTO 9.
Tivemos, ainda recentemente, a grande satisfação de dar alta curada a mais um de nossos doentes - obs. n.º 18 e temos ainda 4 doentes bastante melhorados, devendo terminar seus tratamentos dentro de alguns meses.
As 3 altas provavelmente curadas, foram de doentes que, após receberem a alta curada, deixaram de comparecer a novos exames, não dando mais notícias de seu estado.
No decurso do tratamento, o olfato se beneficia com a ação do medicamento. Em todos casos tratados, a recuperação do olfato, numa intensidade maior ou menor, esteve sempre presente.
A mucosa nasal sofre um processo de regeneração intenso, tornando-se de coloração rósea, úmida, brilhante. juntamente com os cornetos ela se normaliza na maioria dos casos.
O ester-etílico, a par de sua atuação benéfica e indiscutível na Ozena é, infelizmente, de ação muito lenta. A duração do tratamento varia de 8 meses a 4 anos.
Chamamos a atenção para a obs. n.º 11. Trata-se de uma senhora em tratamento há 10 meses e já bastante melhorada. No decurso do tratamento engravidou-se (3ª, gestação). Logo após os primeiros 3 meses, verificamos que a ação do medicamento era nula, sua doença regredia com a evolução do féto. Após o parto a recuperação foi rápida e a cura se processou alguns meses mais tarde.
Podemos dividir o tratamento da Ozena em 3 fases distintas:
l.ª fase - desaparecimento do mau cheiro, logo após as primeiras injeções.
2.ª fase - desaparecimento das crostas. Nesta fase as crostas tornam-se moles, facilmente elimináveis e vão lentamente desaparecendo, deixando em seu lugar um catarro amarelo, espesso, muito aderente. Nesta fase, a mucosa nasal, após a eliminação do catarro, já tem coloração normal.
3.ª - fase do coriza - o catarro vae se fluidificando, tornando-se incolor. E comum encontrarem-se nesta última fase lâminas papiráceas, que chamamos de crostas nas nossas descrições, aderentes no cartucho médio, no superior, ou no septo, mas que absolutamente não têm os característicos das crostas da Ozena. Nesta fase a mucosa nasal é normal, a recuperação olfativa atinge o seu máximo e a regeneração dos cartuchos é um fato. A amplitude inicial das fossas nasais acha-se bastante diminuída, normalizando-se geralmente, ou, pelo menos, recompondo-se parcialmente nos processos atróficos muito intensos.
Temos em nossos arquivos 2 cartas de colegas que experimentaram o ester-etílico do Óleo de Chalmoogra, sendo que um deles em pessoa da própria família e ambos atestaram a sua eficácia no tratamento da Ozena.
(*) Bauru - São Paulo.