Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 217 a 219

 

Sinusite Aguda em Aeronautas: Estudo Retrospectivo de 131 Casos

Acute Sinusites in Aricrew: A Retrospective Study of 131 Cases.

Autor(es): Fernando C. Ribeiro* ;
Antonio Eduardo A. da Morta** ;
AneteTrajman***;
Ellzabeth Fuzimoto****;
Paulo M. Alves*****

Palavras-chave: sinusite, antibiótico, corticosteróides, medicina aeroespacial

Keywords: sinusites, antibiotics, steroids, aerospatial medicine

Resumo:
O tratamento ideal da sinusite aguda em aeronautas não está estabelecido. Com o objetivo de avaliar a melhor escolha de antibióticos e a utilidade do uso de corticosteróides sistêmicos na sinusite aguda nesta população, foi realizado um estudo retrospectivo de 131 episódios de sinusite aguda em 116 comissários de bordo tratados num período de dois anos. A duração média da dispensa médica foi comparada de acordo com o antibiótico empregado e com a administração de corticosteróide sistêmico. A utilização de um segundo curso de antibioticoterapia também foi considerada como parâmetro para avaliar a eficácia do antibiótico utilizado. A associação amoxicilina/clavulanato foi a primeira escolha na maioria dos casos (36%). A corticoterapia sistêmica foi associada em 44% dos casos. A necessidade da troca de antibióticos ocorreu em 52,4% dos pacientes tratados com macrolídeos, em contraste com 17,3% dos pacientes tratados com outros antibióticos (p=0,02). A duração média do afastamento médico foi de 11,3 ± 7,4 dias para os pacientes em uso de macrolídeos versus 10,1 ± 5 dias nos pacientes em uso dos outros antibióticos (p=0,84). O tratamento com corticosteróides diminuiu o tempo de dispensa de 10,6 ± 4 para 9,8 ± 5,6 dias, sem atingir significado estatístico (p=0,13). Concluímos que a duração do afastamento do trabalho não sofre influência significativa segundo a escolha do antibiótico ou a utilização de cortícosteróide sistêmico. No entanto, os macrolídeos não devem ser utilizados como primeira escolha para o tratamento da sinusite aguda em aeronautas, tendo em vista o número elevado de falência terapêutica.

Abstract:
The optimal tratment of acute sinusits among aircrew is not established. The aim of this study was to evaluate the best choice of antibiotics and the usefulness of systemic steroids in the treatment of acure sinusitis in this population. A retrospective study of 131 episodes of acure sinusites, in 116 flight attendants was performed during a period of two years. We compared the duration of medical leave according to the choice of antibiotics and the use of systemic steroids. The need for a second course of antibiotics was also used to evaluate the efficacy of the antibiotics used. The association of amoxicillin/clavulanate was the first choice in the majority of the cases (36%). Systemic steroids were associated in 44% of patients. A second course of antibiotics was necessary in 52.4% of patients initially treated with macrolides, contrasting to a 17.3% failure rate with nonmacrolide antibiotics (p=0.02). The mean duration of medical leave was 11.3 ± 7.4 days for patients on macrolides as compared to 10.1 ± 5.0 days for patients on other antibiotics (p=0.84). The association of systemic steroids reduced the time of medical leave from 10.6 ± 4 to 9.8 ± 5.6 days but this did not reach statistical significance (p=0.13). We conclude that the duration of medica] leave is independent of the choice of antibiotics or the association of systemic steroids. Nevertheless, macrolides should not be used as a first choice treatment of acure sinusitis in aircrew, since it failed in over 50% of patients.

INTRODUÇÃO

A sinusite aguda tem alta prevalência entre os aeronautas e é uma causa freqüente de dispensa médica nessa população. Diversos fatores têm sido associados à etiopatogenia da sinusite aguda em aeronautas. Um gradiente de pressão nos seios paranasais, que costuma ocorrer durante os procedimentos de pouso, pode acarretar uma pressão negativa ou mesmo o vácuo no interior dos seios paranasais, resultando em edema da mucosa sinusal e possível hemorragia da cavidade paranasal.9 Este quadro é associado a dor intensa em topografia de seios paranasais e é denominado barotrauma ou compressão dos seios paranasais.9 O ressecamento do ar da cabine é apontado como outro fator de risco, uma vez que, em algumas aeronaves, a umidade relativa do ar atinge níveis de até 10%.1,2,6,7,11,3 Ademais, os aeronautas, por estarem submetidos a variações bruscas de temperatura conseqüentes à mudanças de clima constantes, ficam mais susceptíveis ao resfriado comum, gripes e outras infecções das vias aéreas superiores que podem se complicar por uma sinusite aguda.34,s 10,12

A terapêutica antibiótica é usualmente empírica e não foi bem estabelecida para esta população. O antibiótico escolhido deve cobrir os agentes etiológicos mais freqüentes nas sinusites agudas da população geral: Streptococcus, Staphylococcus aureus e algumas bactérias Gram negativas (Brarhamella catarrhalis, Haemophilus inf tzenzaee Escherichia coli ).3,4.5,8,12 A utilização de corticosteróides no tratamento da sinusite aguda também é matéria de controvérsia. 1,13

Com o objetivo de avaliar as características clínico-radiológicas e o tratamento ideal da sinusite aguda em aeronautas, foi realizado um estudo retrospectivo de 131 episódios desta afecção em 116 comissários de bordo de uma grande empresa aérea brasileira, cobrindo um período de dois anos.

MATERIAL E MÉTODO

Todos os tripulantes da Varig com dispensa médica devem obrigatoriamente passar pelo serviço médico da Fundação Ruben Berta, onde as dispensas são registradas em computador, com o respectivo Código Internacional de Doenças (CID). Revisamos todas os prontuários médicos dos aeronautas afastados com dispensa médica por CID 461 no período de dezembro de 1993 a dezembro de 1995. Foram registradas as observações clínicas feitas pelos médicos do setor de medicina de aviação e pelos otorrinolaringologistas do serviço médico da Fundação Ruben Berta, no Rio de Janeiro. O aspecto radiológico no momento do diagnóstico foi revisado e classificado de acordo com o seio paranasal envolvido.

Foram incluídos todos os casos que preenchiam os critérios clínico-radiológicos para sinusite aguda. Os critérios clínicos foram definidos como: dor em topografia dos seios paranasais, congestão de vias aéreas superiores e secreção posterior de faringe, observadas pelo otorrinolaringologista. Os critérios radiológicos incluíram a presença de nível hidro-aéreo ou velamento de pelo menos um dos seios paranasais. Os pacientes com rinite, sem os critérios radiológicos mencionados, não foram incluídos no estudo, mesmo quando havia rinorréia purulenta.

Foram anotados os antibióticos utilizados, a associação de corticosteróides e a necessidade de uso de um segundo curso de antibióticos. Os tempos médios de dispensa médica foram comparados de acordo com a escolha do antibiótico e com a associação de corticosteróides. A eficácia do antibiótica empregado foi também avaliada através da necessidade de um segundo curso de antibioticoterapia.

Para a comparação das médias de tempo de dispensa médica, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Para a variável categórica (necessidade ou não de um segundo curso de antibioticoterapia), foi utilizado o teste do qui-quadrado com a correção de Yates quando apropriado. Um valor de p menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Inicialmente, foram selecionados 198 prontuários médicos com 224 registros de casos de sinusite, segundo o CID 461, atribuído nas dispensas médicas. Entre eles, foram incluídos 131 episódios ocorridos em 116 aeronautas (13 com 2 episódios e um com 3 episódios). Outros episódios, em número de 68 (524%, preencheram somente os critérios radiológicos de inclusão e 63 (484/0) preencheram a ambos os critérios. Os 93 episódios restantes foram excluídos por não apresentarem confirmação clínica ou radiológica no prontuário, e foram considerados pelos autores casos de rinite purulenta.

A idade média foi de 34 anos (25 a 56). Pacientes em número de 67 (584/4) eram do sexo masculino sendo que 40 (314/4) apresentaram sinusite maxilar, 33 (254/4) tiveram acometimento maxilar esquerdo, 31 (244/4) tiveram sinusite maxilar direita, 19 (154/4) tiveram pansinusite e em 8 (64/4) outros seios estavam envolvidos.

Os antibióticos foram utilizados conforme demonstrado na Tabela 1. Os macrolídeos administrados foram os de segunda geração, eficazes contra H. Influenza. Um segundo curso de antibiótico foi necessário em 30 episódios (234/4). A falha terapêutica dos macrolídeos, julgada pela necessidade de um segundo curso de antibiótico, ocorreu em 11 dos 21 casos em que estes foram administrados (524/4), comparada com 19 dos 110 pacientes (17,34/4) tratados com os outros grupos de antibióticos (p-0,02). O antibiótico mais freqüentemente usado após uma falha terapêutica foi a associação de amoxicilina e clavulanato (404/4).

A duração média do afastamento do trabalho foi de 11,3 ± 7,4 dias para os pacientes em uso de macrolídeos e de 10,1 ± 5 dias para os pacientes que usaram outros antibióticos (p=0,84, Tabela 2).

A associação de corticosteróides sistêmicos foi prescrita em 56 casos (44%). A duração média de afastamento do trabalho para os pacientes que usaram corticosteróides foi de 10,6 ± 4 dias e de 9,8 ± 5,6 dias para os pacientes que não os receberam (P-O, 13).

DISCUSSÃO

A sinusite aguda representa uma questão de saúde relevante entre os aeronautas, representando cerca de 2.400 dias de afastamento médico por ano na empresa. Trata-se da quarta causa de absenteísmo nesta população, depois da gravidez, gripe e distúrbios de ordem psicológica e psiquiátrica (dados não publicados). No entanto, nenhum trabalho a respeito do tratamento da sinusite aguda em aeronautas foi encontrado na literatura médica indexada.

No presente estudo, observamos que a sinusite maxilar é a mais freqüente, confirmando estudos realizados na população geral.5 O antibiótico mais utilizado foi a amoxicilina, seguida das associações amoxicilina/clavulanato e trimetoprim/ sulfametoxazol, nas doses recomendadas para a população geral, por 14 dias.8 A escolha dó antibiótico e o uso de corticosteróides não alteraram significativamente o tempo de absenteísmo. No entanto, a julgar pela necessidade de um segundo curso de antibiótico, os macrolídeos foram menos eficazes, com falha terapêutica em 52% dos casos.


TABELA1 Antibióticos usados no primeiro tratamento.
ANTIBIÓTICO / n (%)
Amoxicilina/clavulanato - 47 (36%)
Amoxicilina - 27 (21%)
Macrolídeos - 21 (16%)
Trimetoprim/sulfametoxazol - 14 (11%)
Cefalosporina de 12 geração - 12 (9%)
Cefalosporina de 22 geração - 8 (6%)
Cefalosporina de 32 geração - 2 (1 %)
TOTAL 131 (100%)
Legenda: n= número de pacientes.

TABELA 2 - Duração média das licenças médicas, conforme o antibiótico usado.
ANTIBIÓTICO / Média (± desvia padrão)
Cefalosporina de 1 á geração - 11,4 (±6,9)
Cefalosporina de 2á geração - 11,0 (±0)
Amoxicilina/clavulanato - 10,7 (±6,1)
Macrolídeos - 10,0 (±4,9)
Trimetoprim/sulfametoxazol - 9,9 (±2,8)
Amoxicilina - 9,3 (±3,3)
Cefalosporina de 3.ª geração - 8,4 (±3,0)

CONCLUSÕES

Embora não tenhamos realizado um estudo bacteriológico, o sucesso terapêutico com o uso empírico de ß-lactâmicos sugere que os agentes etiológicos da sinusite aguda em aeronautas é similar aos da população geral. Estudos prospectivos são necessários para estabelecer os fatores predisponentes, os agentes etiológicos envolvidos e o tratamento ideal da sinusite aguda em aeronautas.

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* Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de janeiro.
** Gerente Médico da Fundação Ruben Berta - Rio de Janeiro /RJ. Pós-graduado em Administração Empresarial pela Universidade Federal Fluminense.
*** Mestre e Doutora em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio de janeiro. Professora Adjunta das Universidades Gama Filho e Souza Marques.
**** Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
*****Mestre em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de janeiro, Gerente Geral do Serviço Médico da Fundação Ruben Berta.

Fundação Ruben Berta, VARIG Brazilian Airlines. Parte dos resultados deste trabalho foi apresentada no Congresso do Instituto George Portmann, realizado em Knokke-le-Zoute, Bélgica, de 22 a 24 de maio de 1997. Endereço para correspondência: Dr. Fernando Ribeiro - Serviço Médico da Fundação Ruben Berra - RIOW W - Avenida Almirante Silvio Noronha, 361 - Bloco A - 2º Andar - Centro - 20021-010 Rio de janeiro /RJ - Brasil - Telefone/Fax: (021) 325-7546 - Endereço eletrônico: fce.sar@unisys.cont.br Artigo recebido em 14 de dezembro de 1999. Artigo aceito em 6 de abril de 1999.

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