Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (23º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 653 a 660

 

RESULTADO SINGULAR DO EXAME DA AGUDEZ AUDITIVA E ANOTAÇÕES SOBRE APLICAÇÕES DE DUCHAS DE AR EM CASO DE OTITE MEDIA AGUDA

Autor(es): DR. FRIEDRICH MÜLLER

Paciente com 20 anos de idade, solteira, aparencia bôa, proporção de peso e dimensões normais sofre de forte mouquidão do ouvido direito desde a infancia, ouvindo relativamente bem á esquerda mau grado haver aí uma grande perfuração da membrana do tímpano que se estende por toda a metade inferior, faltando a borda. A parte restante está espessada. Não ha otorréa. Quando veiu ao consultório sofria ha 3 dias de um forte resfriado com dores no ouvido esquerdo notando-se nela uma secreção purulenta catarral e notavel diminuição da audição.

Fazemos além do tratamento usual a insuflação de ar por meio do. cateter. Após oito dias está curada a doente e a acuidade auditiva foi restabelecida até 3 m. para a voz cochichada.

Empregamos frequentemente a insuflação de ar nos casos de perfuração timpanica velha acompanhada de mouquidão originada por uma inflamação aguda sem que até hoje tivéssemos observado uma danificação consequente a isto, provavelmente se removem por meio deste tratamento as secreções localizadas por trás dos elementos timpânicos conservados, em especial no espaço de Troltsch, sobrevindo destarte urna melhora rapida da acuidade auditiva.

Tratando-se de uma otite média aguda com ou sem perfuração do timpano convem proceder com a maxima cautela não obstante indicações contrarias feitas por alguns autores. A insuflação se fôr .feita, deve ser com pouca, pressão. Tivemos ocasião de observai complicações rápidas em casos de otite média aguda após insuflações. Voltou a supuração já desaparecida e surgiram dóres mais ou menos fortes. Todos os casos sararam, porém sem a necessidade de ser operados.

Quanto ás provas funcionais do ouvido notamos ouvir a paciente o do pequeno melhor a direita que á esquerda, apesar de não ouvir voz cochichada pelo ouvido direito.

Ao se proceder a prova de Weber com diapasão do pequeno e la 1, aplicados no vertex, o doente lateralizou o som á esquerda. A investigação da condução do som do diapasão do pequeno revelou uma diminuição de condução aérea em ambos os lados. Contudo o tempo de percepção era á direita o dobro do da esquerda. A condução óssea para o mesmo do era um pouco diminuida a direita e muito aumentada á esquerda.

A paciente ouvia bem na via aérea os sons graves a direita e apagadamente á esquerda; 1 a 1 quasi não percebia á direita e durante 30 segundos (40%) á esquerda. Havia uma diminuição do limite superior da percepção ampla á direita e pouco pronunciada a esquerda.

Havíamos portanto no campo sonoro de a um uma diminuição, de percepção. Como no exame pela voz cochichada são os vogais só que soam, compreende-se o facto da paciente não ter ouvido a voz cochichada ao lado direito embora ouvisse os sons de do pequeno.

A posição das vogais é a seguinte

A = si bemol, uni; E = si bemol, dois; I = fá, tres ; O = Te, um; U = fá, um; äe alemão = sol, dois; Oe alemão = sol, dois; Ue alemão = 1a, dois, portanto em uma região cuja possibilidade de percepção era muito diminuida para a paciente. A mouquidão era portanto nervosa á direita e do ouvido médio á esquerda.

Não havia evidentemente possibilidade -de melhorar a audição do ouvido direito prejudicado ha muitos anos.

O que tornou o caso interessante foi a combinação de surdez nervosa de um lado e outra do ouvido médio do outro lado na mesma pessoa.

DISCUSSÃO

Dr. Mario Ottoni de Rezende - O 1.° trabalho apresentado pelo Dr. F. Müller, trata da radical conservadora. Todos nós estamos inteirados em saber qual o, valor das radicais conservadoras e qual as suas especies e variedades. Dentre as amplas lançou Lernfert, nos Estados Unidos, um novo metodo de radical transconduto, tal qual aquele que o Dr. F. Müller acaba de aconselhar. Sendo que a de Lernfert é uma radical muito mais ampla, podendo servir até, a operação transconduto, para uma operação simples de mastoidite. Confesso que não sou muito simpatico a radical atravez do conduto auditivo externo. Prefiro praticar as radicais mesmo conservadoras, pelas suas vias normais; tans-antro, transatico e assim por diante. Acho que a operação fica mais bem feita e a audição será conservada melhor, além de melhor orientação para, em cada caso, resolver sobre uma possivel transformação de uma radical conservadora em uma completa. Além disto certos tipos de radicais conservadoras, com conservação dos ossiculos devem ser evitados o mais possivel, porque conservados restos desses ossiculos que, geralmente se apresentam já infetados por um processo de osteite que vai impedir ser o resultado operatorio aquele desejado para o doente. Eram estas as considerações que queria fazer sobre o primeiro trabalho.

Em seguida ele fez, o Dr. F. Müller, uma exposição destruidora da paracentese. A paracentese tem indicações formais, a que não podemos fugir. Casos ha e o Dr. Mülier citou um de um doente que sofria de diarréa ha 2 meses, e a paracentese não melhorou. Neste caso a qualidade do agente causador é de importancia. Si se tratar, por exemplo, de stretococos mucosus, ou pneumococus, de evolução lenta e sintomatologia lenta, e audição relativamente abaixada, não adianta fazer a paracentese. Que a paracentese dá. quando bem indicada, resultados brilhantes, não ha duvida. E demais, a paracentese muito raramente pôde deixar pela cicatriz íntempestuosa, de uma paracentese amplissima, um certo abaixamento da audição, do tipo condução, tão insignificante será este que não podemos recusar a uma operação tão boa e tão util para o doente, só com o fim de evitar um possível abaixamento desta especie.

A paracentese deve continuar a ser aplicada, e acredito que a profilaxia da mastoidite entre nós em S. Paulo, quer em outras cidades do Brasil, tem sido feita pela paracentese precoce e as mastoidites, muito embora as condições climatericas favoraveis de nosso meio, são raras, e a causa desta raridade está na pratica, em tempo, da abertura do tímpano, dando escoamento ao pús retido na caixa.

Sou simpatico á proposta que vem de ha tempo da antrotomia preventiva nas otites médias agudas e acho que se fóra possivel fazer o doente compreender a utilidade da intervenção cirurgica, não só para a cura da otite, para a preservação da audição, para a diminuição do tempo de tratamento, para a eliminação das probabilidades das otites médias crónicas, que não podemos garantir se serão ou não crónicas, mesmo, ás vezes, com tratamento bem feito, se pudéssemos no nosso meio, em cuja intelectualidade é relativamente baixa, e em que mesmo a classe ilustrada pouco conhece da questão, então sim: poderíamos determinar: otite média aguda é igual a antrotomia, mas infelizmente entre nós isso não se dá, pois que os doentes mal deixam fazer uma paracentese. A incisão de Wilde está muito bem indicada nos abcessos sub-periostais das crianças. Nisto estou de pleno acordo com o Dr. Müller e poderá se fazer a incisão de Wilde nos casos em que se não tenha tempo de praticar uma operação de urgência, em que se queira fazer, por exemplo, o doente se operar em melhores condições de meio, de modo a correr o risco de uma complicação endocraniana, ou íntra-labiríntica ou outra.

Aceito que no adulto se faça a incisão de Wilde, mas sã neste sentido. Mas na criança, com antro superficial, célula unica, geralmente bem aberta. sub-pertostalmente, então, em grande parte dos casos, a indicação é boa, talvez mesmo melhor do que a antrotornia.

Prof. Justo Afonso - As intervenções pelas vias naturais das mastoidites crónicas, tem algumas vantagens e algumas desvantagens. Tem desvantagem, especialmente quando de um fenomeno inflamatorio agudo, em que haja comprometimento dos seios venosos, e mesmo nas fôrmas agudas. Nos processos cronicos, eu confesso minha posição, de acordo com a experiencia. Fiz, ha alguns anos, intervenções pelo conduto, com bastante dificuldade. Von Eicken, em 1981, publicou um trabalho sobre todos os detalhes de técnica operatoria, mencionando todos os casos de otite crónica que necessitam operação pelo conduto.

Não creio com o metodo se possa obter melhor resultado, que com o outro, quanto á cura definitiva do processo.

Em troca leva menos tempo para que o paciente retome sua atividade, tempo ínfimo, na realidade muito menor do que para outras técnicas operatorias, que só permitem o doente trabalhar ao fim de poucos meses.

Em segundo lugar, si bem que a operação seja bôa como pela parte externa, e a segurança seja identica com respeito ao facial canal semi-circular externo, a da via posterior, a visibilidade para os que rodeiam o operador é nula, muito embora permita, tambem, a pratica de todas as variedades, quer se deixe a membrana do tímpano, a cadeia de ossiculos, e mesmo a alguma radical bastante ampla.

Em alguns casos, no entanto, continuo procedendo as radicais parciais por detras do tímpano.

Dr. Sanson -Desejo tecer alguns comentarios sobre as duas primeiras comunicações do Dr. Friedrich Müller.

Sobre a intervenção pelo conduto devo dizer que não tenho experiencia. Conheço o processo de Guns. Suponho que se aproxime do processo citado pelo Dr. Müller. Não me tentou a cirurgia pelo conduto; todavia diante das palavras que acaba de proferir o Prof. Alonso, estou resolvido a tentar esta via de acesso na primeira oportunidade.

Dou-me por satisfeito, até hoje, com os resultados colhidos com o esvaziamento petro- mastoideo. No que diz respeito cicatrização não vejo porque sejam os pacientes prejudicados. Na simples antrotomia, os curativos podem ser praticados no ambulatorio depois do quarto dia e no esvaziamento petro-mastoideo depois do sexto dia.

Quanto â paracentese, devo acentuar que sou um adepto fervoroso desta intervenção. Nunca me foi dado comprovar um acidente secundario á paracentese. Diante das possíveis complicações da retenção do pds no ouvido médio, creio razão suficiente para praticar este pequeno ato cirurgico. Como muito bem frízou o dr. Mario Ottoni, se atualmente diminuem as complicações de otites é porque os especialistas se tornaram mais avisados. Já se foi o tempo dos conhecimentos rudimentares da especialidade que exigiam para a pratica da paracentese um exagero de cuidados. E' frequente observar-se casos de verdadeiros ressurgimentos com a simples paracentese, especialmente nas chamadas otites latentes -e dentro do ponto de vista do dr. Mario Otton1 acreditamos não haver exagero em fazer-se a indicação da antro. tomia para certos casos. Com este critério agem Panneton e Longpré, no Canadá. Estes especialistas, um dos quais é pediatra e outro oto-rino-laringologista, consideram que todas as vezes que a paracentese é insuficiente para resolver um possível otite latente, deve o especialista livrar-se dos preconceitos e procurar, na antrotomia, a finalidade terapeutica. Com este ponto de vista conseguiram nos seus Serviços, baixar consideravelmente o coeficiente de letalidade.

Para terminar, considero a paracentese como um meio terapêutico de grande alcance.

Julgo ter seguido de perto o raciocínio do dr. Müller e peço permissão para uma observação. Diz, o dr. Müller, ter aconselhado a um seu doente que se recolhesse ao leito; que este paciente se achava atacado de uma otite aguda; que não seguiu os seus conselhos, curando-se todavia. Vejo neste resultado um fato meramente individual, difícil de analisar e muito variavel. Nem sempre os indivíduos, na aparencia mais robustos, resistem melhor do que os anêmicos. Torno a insistir que a paracentese, nenhum prejuízo pode acarretar para o doente.

Dois dias antes d.e vir a S. Paulo fui procurado no meu consultório, por um amigo cuja filha, apresentava febre alta, dóres num dos ouvidos e grande prostração. Paracentese indicada. e praticada, resolveu a situação e permitiu que me ausentasse completamente tranqüilo.

Fatos desta natureza se sobrepõem a qualquer consideração.

Prof. Ildeu Duarte - Desejo apenas fazer um comentario, Após uma inflamação aguda do ouvido médio, podemos observar uma baixa de audição definitiva, mesmo que não se tenha rompido a membrana timpânica ou que não tenha sido incisada pele medico. Em outros casos, apesar de varias paracenteses ou mesmo de uma trepanação simples da mastoide, a audição, ao cabo de algum tempo, volta aos limites normais. O restabelecimento integral da função do ouvido médio depende mais do tipo ou do gráu do processo inflamatório, do que mesmo das intervenções praticadas sobre a membrana timpânica.

Dr. Paula Santos - Peço a palavra apenas para uma explicação: não tive oportunidade de ouvir toda a comunicação do Dr. Müller, mas presumo que ele tenha citado um trabalho meu, a proposito da incisão de Wilde, na mastoidite, talvez com interpretação que não desejava dar a esse trabalho. Acerca de 10 anos, realmente, apresentamos, á 1.a Semana de Oto-rino-laringologia uma estatística de diferentes casos tratados e curados, com a simples incisão de Wilde. Vejo neste resultado um fato meramente individual, difícil trabalho esse realizado no ambulatorio de oto-rino- da Policlínica de S. Paulo, serviço chefiado pelo Dr. J. J. da Nova. Eram casos de mastoidite exteriorizada para a taboa externa e quasi todos eles em crianças e as circunstancias especialíssimas em que trabalhávamos, não permitiram de modo algum uma outra intervenção. De modo que, racionalmente, fazíamos a incisão de Wilde, manejávamos uma cureta, porque, quasi todos os casos eram de ossos fistulados, tendo obtido cura completa. Os doentes ficavam aguardando futura operação, na espectativa de possível indicação. Em cerca de 10 vezes, observamos que os doentes se curavam, mas mesmo assim não queríamos nem pretendíamos generalizar o metodo nem substitui-lo pela operação classica, assinalando apenas que a simples incisão de Wilde, realmente é muito boa em grande numero de casos.

Octacilio Lopes - Desejava dizer ao presado colega que seguindo a escola do eminente Prof. Morais, de quem muito me orgulho de ser um dos mais obscuros discípulos, sou partidário entusiasta da paracentese do tímpano, pequena operação de grandes efeitos e que me tem dado, em multiplas ocasiões, os melhores resultados. Tanto assim que chego ao ponto de pensar que a paracentese do tímpano, com as operações de urgência deve ser praticada por todos os clínicos que para tal devem fazer uma aprendizagem nas clínicas especializadas. Isto porque nem sempre os clínicos dispõem de especialistas a pequena distancia que possam resolver os casos mais urgentes quando a membrana do tímpano aparece abaulada pelo acumulo de secreção na caixa e otalgia intensa.

Vem a proposito citar um caso da minha clínica. Chamado para vér o filho de um amigo particular que estava sendo tratado com diagnostico de tifo sem confirmação de laboratorio, tive a atenção despertada para o ouvido do pequeno que se queixava de celaféa e verifiquei um abaulamento do tímpano com dores fortes na região mastoidea. Chamei a atenção do clinico para o caso e propuz uma paracentese. O colega, aliás um clinico distinto e bastante acatado, respondeu com azedume a tal operação ele não faria nem aconselhava, pois considerava uma operação grave. Como se tratava do filho de um amigo insisti pela opinião de outro colega que confirmando meu modo de pensar prontificou-se a me auxiliar. Aberto ó tímpano e drenado o pús que já se havia formado, a febre caiu e o diagnostico de tifo tambem caiu.

A respeito da incisão de Wilde, devo declarar-me pessimista sobre os seus resultados. Pelo menos em 12 casos em que lancei mão dela tive insucesso em 10. Mesmo em crianças não a pratico mais. Em 2 casos depois de 6 ou 6 meses em que os pacientes pareciam curados, a coleção purulenta retro- auricular formou-se novamente obrigando-me a curetar o antro. Aliás, em geral nas crianças a mastoidectomia é operação facil pois quasi sempre a cureta abre o antro sem que se necessite de goiva e martelo.

Não admito mesmo o emprego da incisão de Wilde por especialista a menos que seja como operação preparatória.

Dr. Frederich Müller - Na operação radical de Thies não se trata de um problema mas de fato; fizeram-se, na Alemanha, cerca de 2.000 operações deste genero que tiveram exito completo. Si a entrada for estreita poderá ser alargada por meio de um dilatador.

A operação torna-se sobretudo interessante,, quando se alcança a região do nervo facial e do canal semi-circular horizontal, vendo-se o ultimo que se apresenta diretamente em face do operador.

O problema não consiste na escolha entre a paracentese e a antrotomia, mas em se evitar a paracentese e na execução precoce, havendo necessidade, do corte de Wilde com abertura da cortical da apofise mastóide, afim de prevenir complicações, de livrar o doente de uma intervenção mais grave e de conservar com mais segurança a audição.

Entendemos de evitar a paracentese por um tratamento geral enérgico, visto ser a otite média a localização de uma molestia geral. Pertence ao tratamento geral tambem a sangria.

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