Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (22º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 645 a 652

 

SOBRE A DIFICULDADE DA INDICAÇÃO ACERTADA DA PARACENTESE DA MEMBRANA DO TIMPANO E A POSSIBILIDADE DE EVITA-LA.

Autor(es): DR. FREDERICH MÜLLER

Provavelmente ultrapassou a cirurgia o seu ponto culminante. Na Europa, sobretudo na Alemanha, está surgindo uma reação contra o modo de pensar mecanico, que dá um valor excessivo á técnica, á custa do tratamento geral do paciente. A critica movida por essa corrente de reação é, ás vezes; bastante severa, opondo ao simples técnico e ao, em alemão chamado "Mediziner", o medico verdadeiro, cuja profissão de modo algum se restringe á ciência e á técnica, mas é uma, arte que, ao lado dos varios processos curativos, faz largo uso tambem da psicoterapia.

Conquanto não neguemos o valor e, mesmo a necessidade de muitos exames laboratoriais, estamos certos de que eles representara um perigo, no sentido de superficializar a arte da observação medica, prejudicando assim, de modo não desprezível, os doentes.

E' bem recente, a admoestação de um pediatra notavel, dizendo, que o médico deve ser capaz, de, perante o deito do doente, fazer o diagnostico de difteria, independentemente do exame bacteriológico. Isto vale para muitos outros casos. A visão medica, os sentidos educados para a observação medica e a experiencia devem, sempre, constituir os nossos guias por excelencia.

Mas, não só o medico que se acha á frente deste grande movimento doe reação, marcando limites á cirurgia, tambem aquele que exerce calmamente sua profissão, torna-se no decorrer dos anos anais conservativo. A experiencia lhe mostra que a cirurgia, abstraindo das dores a que gela sujeita o paciente, não raro falha; por outro lado, vê métodos não cirurgicos coroados muitas vezes de exito; onde não se esperava mais conseguir um resultado favoravel.

Isto tudo observa-se tambem no caso particular da paracentese, de que aqui tratamos.

Parece que entre nós, a antrotomia se tornou muito mais rara. Julgamos poder afirmar isto, baseando-nos em varias comunicações que nos foram feitas em particular. Conclue-se daí que, provavelmente, a indicação da antrotomia é feita com mais parcimonia. Não cremos que essa orientação tão desejável seja resultante de modificações do proprio modo de tratamento em uso.

Entre as intervenções mais dignas de menção, feitas por nós, só podemos citar dois casos de diabete, necessitando um deles absolutamente da intervenção e o outro dela não pôde ser poupado, apesar de nossos esforços.

Na literatura medica, que folheamos, encontra-se relativamente pouco sobre este tema.

P. Stenger escreve, no Manual Oto-rino-laringologico o seguinte: - O otologista experiente será capaz de julgar os diversos casos acertadamente e de trata-los sem paracentese.

Sem duvida, baseia-se todo o saber medico na experiencia. Mas em que consiste esta? Sobre este assunto pouco se acha na literatura. Citam-se sintomas perigosos que parecem justificar a intervenção e, mesmo aí, quanto á indicação desta, recorre-se á experiencia do otologista. Entre os sintomas representam um papel primordial as dores, a febre e outros gerais, labirinticos e meningiticos. Somos, no entanto, da opinião que, ao lado desses sintomas, tem importancia a constituição, isto é, a capacidade de resistencia geral do paciente que é produto de fatores hereditários e de outros, resultantes do modo de vida do indivíduo. Esses fatores influenciam, em primeira linha, o decorrer do processo. Deles depende a função mobilizadora das defesas orgânicas.

Recordamo-nos, a este respeito, de dois casos caraterísticos No primeiro, tratava-se de um homem forte, robusto, sofrendo de inflamação grave, aguda do ouvido médio, consequente á uma gripe. Achamos indicada a paracentese, exigindo, entretanto, que o doente fiasse de cama durante dois dias. Respondeu-me ele que isto era impossível e assim tornou a andar pela cidade com febre e dores, observando, porém, á noite, os conselhos que lhe tenham-nos dado.

A este doente encontramos depois, certificando-nos ele de estar completamente curado e que a observância de nossos conselhos conseguira trazer-lhe, rapidamente, o alivio do mal.

O outro doente era de constituição visivelmente franzina, podendo, no entanto, permitir-se toda especie de cuidados e estando, desde o inicio, sob tratamento medico escrupuloso. A paracentese fora feita a tempo. Apesar de tudo foi obrigado, vinte e quatro dias depois de ter adoecido, submeter-se á operação.

Esses casos evidenciara a importancia enorme da constituição. Podem ser considerados os limites entre os quais decorrem, em geral; as numerosas supurações agudas do ouvido médio.
Qual deve ser a posição do medico?

Nosso lema "nihil nocere" abriga-nos a não procedermos simplesmente e de modo geral á paracentese, mas a deliberarmos com cuidado em cada caso, independentemente dos outros. Nisto consiste a arte do medico

Evidenciamos aqui intencionalmente o facto de nos ter parecido varias vezes, não exercer a paracentese uma influencia favoravel, mas que, pelo contrario, prejudica o doente, acarretando uma piora da inflamação. Na intervenção cirurgica, somos ainda protegidos, a principio, pelo modo de pensar cirurgico do doente que, embora procure evitar a paracentese, se sujeita a esta, movido pela propria razão, quando o medico o exige.

Mas, façamos abstração da piora após paracentese, consequente ou não á mesma e consideremos a possibilidade de, pela mesma intervenção, prejudicarmos a audição do doente.

Embora subsista a intenção de nada fazer sofrer a este sentido, não nos será possivel dar, para cada caso em. particular, uma garantia absoluta.

Estamos atualmente tratando um caso de inflamação aguda e bilateral do ouvido médio, caso em que, do lado do ouvido que sofreu a paracentese, a audição não voltou, apesar de parada a supuração, do estado geral bom do paciente e de, pelo cateterismo, passar o ar perfeitamente. já decorrem vinte e oito dias da doença, sem que o doente perceba com o ouvido mencionado palavras em voz baixa (*). Isto evidencia um processo de enfraquecimento da força auditiva do ouvido médio. Terá a paracentese, executada segundo a "lege artis", prejudicado a capacidade auditiva? Não nasce desta observação, por outro lado, o dever de procedermos de modo ainda mais conservativo, quando temos á mão meios de curar, sem essa intervenção?

O caso citado fez com que nos perguntássemos, si não teria sido mais acertado esperar com a paracentese, - si prejudicamos o paciente, com a mesma, em vez de lhe termos ajudado, - ou, si uma antrotomia, depois da qual se conserva a audição não é melhor que a cura, por -meio da paracentese, sem antrotomia, perdendo; entretanto, o doente o ouvido?

Um ouvido perdido representa para o paciente, mormente nos dias de hoje um prejuízo grande, tanto sob o ponto de vista físico, como tombem psiquico.

E isto porque não pratico mais o corte do timpano; faço só 2 até 3 cortadas com uma agulha curva para conservar a estrutura do timpano o mais possivel.

A questão da execução da operação da mastoide com o fim, não de conservar a vida, mas a função do ouvido, nunca encontramos discutida na literatura, embora, do lado pratico, seja de alta importancia.

Sabemos que a ciência erra, que nela ha modos de ver muito instáveis; basta lembrar as idéas que ha poucos anos se tinha sobre a alimentação, idéas hoje tidas por completamente errôneas.

Porque nem sequer menciona a literatura a questão de que aqui tratamos? Não consola ao medico o facto de o doente pensar que tal era o seu destino; com todos os meios devemos lutar pela conservação da capacidade funcional do ouvido, como tambem procurarmos, o melhor possivel, manter a função, em casos da vista.

Si o medico trabalhar com esta mentalidade, observará melhor a capacidade auditiva do doente, determinação aliás difícil e, por isso, muitas vezes omitida. Os leigos em medicina deveriam tombem ser levados, pouco a pouco, a adquirirem tal modo de pensar.

Quando, ha muitos anos, iniciamos nossa carreira, trabalhava na cidade, onde. começamos a praticar, um otologista que fazia, em crianças muitas operações da mastoide, que poderíamos chamar de apócrifas. O corte não constava apenas de uma incisão da pele, como acontece no processo de Wilde, mas interessava sempre o proprio osso na região mastoidéa, deixando uma pequena depressão no osso. E' possivel que este medico evitava a paracentese, nas crianças, preferindo esta operação pequena que sarava rapidamente. Talvez vizasse conservar assim com mais segurança, a função do ouvido.

Depois de escrever este trabalho descobri no boletim da semana de oto-rino-neuro-oculistica de São Paulo 1926 o trabalho do ilustríssimo professor dr. Paula Santos intitulado "Da incisão de Wilde como cirurgia de urgência na mastoidite".

Este trabalho revela idéas semelhantes ás minhas; ele não é de pouca relevância como o senhor professor diz modestamente e terá talvez grande importancia no futuro. Na medicina muito é transitório ; o Herakleitos diz "panta rhei". Não é permitido de duvidar nas suas afirmações, que todos os sucessos registrados são indubitáveis e apreciáveis.

E' evidente que os resultados do corte de Wilde são os melhores operando-se o mais cedo possivel. De acôrdo com as proprias palavras do ilustríssimo senhor professor Dr. Marinho pelo corte o tecido inflamado envolve depressa e contribua para cicatrização rapida da ferida. Nestes casos não ha ainda osteite rarefaciente. Para poder praticar o corte de Wilde seria preciso a variação da mentalidade no sentido de evitar o mais possivel ferir o timpano sendo este uma parte muito melindrosa de um dos sentidos mais preciosos e indispensaveis á vida social.

Sendo aceita esta proposta é justificado o corte de Wilde cario operação leve e não perigosa. Não ha duvida que por meio da mesma conservamos a muitos doentes a agudez auditiva

Infalivelmente o método de cortar o timpano repetidamente e de ampliar o corte, que todos nós praticamos, prejudica a estrutura do timpano para a transmissão exata. das ondas acústicas.

Evitar isto deve ser o nosso sumo dever e estou convencido que o corte de Wilde contribuirá para alcançar este fim nobre. Por esta razão é um mérito especial do professor dr. Paula: Santos ter publicado suas observações sobre o corte de Wilde, que talvez se torne para o futuro de maior utilidade.

Não removemos tambem o apêndice nas primeiras 48 horas para prevenir possivel catástrofe? Porque não devemos praticar.

o corte de Wilde em casos adequados sufocando por isto com a maior probabilidade a "priori" a mastoidite e conservando a agudez auditiva.

Lembro-me especialmente de uma senhora que tratei durante 62 dias, curando-a semi operação com -agudez auditiva relativamente diminuida. A operação de Wilde de certo teria conseguido a cura mais rapidamente e provavelmente sem prejudicar a agudez auditiva.

E provável que no corte de Wilde a sangria. abundante local influa favoravelmente no processo inflamatorio. Substitue sanguessugas e semelhantes métodos derivativos.

Si foi a cortical aberta, ainda mais favoravelmente se torna a cura do processo. As palavras do ilustríssimo senhor professor dr. Martinho revelam tambem a tendencia conservadora dizendo ele "com assim suster o ímpeto operatorio que a seguir seu impulso pararia antes de alcançar osso duro". Lembrando-nos da operação de Thies que somente depois de 28 anos começa a ser conhecida, é evidente que estas considerações não terão aceitação de todos os ilustríssimos colegas.

Para evitar a paracentese, recomendamos, pois, o seguinte processo terapeutico:

1 - Nunca aplicar vacinas, mas sempre sôro, em doses mais altas.

2 - Fazer um tratamento geral intenso. Este ultimo deve consistir na observância de jejum, enquanto dura a febre. Combate-se a sede dando agua e caldos de fruta preparados na hora.
Durante o jejum, procede-se uma a duas vezes por dia a uma lavagem intestinal. Desejando o doente comer, dá-se somente frutas cruas. E' bom administrar-se tambem com uma colher -de chá, um pouco de agua com mel, o que tonifica, o coração. Enquanto durar a febre, fazem-se alternadamente pediluvios, semicupios e imersões em meio banho, de temperatura progressivamente crescente. Em seguida aplicam-se envolturas secas ou húmidas, pelo corpo inteira ou só abrangendo os tres quartos. Podem estas permanecer durante algumas horas. Si tal tratamento for feito pela manhã, pode proceder-se, á tarde, a um enfaixamento do abdômen, deixando-se o mesmo durante a noite, quando preciso. O quarto deve ser bem arejado, devendo-se absolutamente evitar o fumo. E' evidente o asseio escrupuloso da boca.

3 - Aplicar localmente calor sob varias formas, como são cataplasmas, compressas húmidas e quentes, banhos de luz. Durante a noite se colocará uma atadura com compressa húmida sobre a região do ouvido. O ouvido médio é tratado localmente segundo os princípios correntes.

Sem duvida, atravessaremos muitas vezes a situação critica bem, por areio deste tratamento. Desaparecida a febre, receitasse uma dieta vegetariana. Nós combatemos, sobretudo, a administração de caldo de carne.

Esperamos que as ideias aqui mencionadas concorram para o aperfeiçoamento da cura da supuração do ouvido médio, pela método conservador.

Em nosso país, favorece-nos o clima, diminuindo consideravelmente o numero de adoecimentos e de complicações o que não acontece na Alemanha. Apesar disso temos por -dever de experimentar tudo que possa levar á cura sem operação.

A cirurgia deve ser apenas nosso ultimo recurso.

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