Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (19º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 629 a 632
HEMATOMA DO TIMPANO POR TRAUMA SONORO (grito)
Autor(es): DR. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO
A produção de graves danos para o lado da orelha média, na dependencia de estampidos retumbantes, como as detonações de canhão e outros engenhos belicos, é facto assás conhecido. Ruturas mais ou menos extensas da membrana do tímpano, que chegam até o completo despedaçamento da mesma, acompanhadas de infecção da caixa, são corriqueiras nos tempos de guerra, quando troam as peças de artilharia, espalhando o horror e a morte. Do mesmo modo, observam-se esses acidentes morbidos por ocasião de sinistros, representados pela explosão de depositos de dinamite e outras materias inflamaveis, a curta distancia das vitimas. Ha muitos anos, no inicio de minha aprendizagem ato-rino-laringologica, tive oportunidade de deparar, no serviço clinico-hospitalar do Prof. Eduardo de Moraes, da Baía, varios tripulantes de um cargueiro, se me não engano o "Caxambú", do Lloyd Brasileiro, a cujo bordo explodira determinado carregamento de nitro-glicerina, levando pelos ares grande parte da pôpa do navio. Os pacientes apresentavam efrações variaveis do tímpano, complicadas de otite média supurada, sobrevindas com a catastrofe. Segundo me informou o Dr. Aristides Monteiro, após o pavoroso sinistro verificado, ha mais de um quinquenio, em Armação, (Niterói), o qual, determinado pela fragorosa explosão de muitas dezenas de kilos de dinamite, abalou profundamente o Rio de janeiro, procuraram a clinica do Prof. João Marinho, no Hospital de S, Francisco de Assis, levados pelo então assistente Dr. Maurílio de Mello, inumeros bombeiros, cerca de trinta, que tiveram a desdita de sofrer, durante os trabalhos de salvamento, dilacerações do timpano as mais bizarras e interessantes, em consequencia dos estrondos. Aquele mesmo colega narrou-me, igualmente, ter examinado, de certa feita, uma telefonista, que recebera forte descarga de ruídos, dando-se-lhe, ato continuo, rutura do timpano no quadrante postero-superior (1). O caso de que vou tratar, a seguir, diz respeito a certo traumatismo sonoro, interessando aquele segmento do aparelho transmissor; de pequenas proporções embora, mas sumamente curioso.
OBSERVAÇÃO: - Emma G. B., branca, solteira, com 25 anos, residente á rua Marechal Deodoro 80, nesta cidade, veiu a meu consultório em 13-1-1936, contando-me o seguinte: á tarde da antevéspera, estava distraída á janela, quando alguem, aproximando-se pé ante pé, com o intuito de causar-lhe susto, gritou de maneira estridente junto ao pavilhão esquerdo. Sentiu, instantaneamente, dor agudíssima, que cessou dentro de pouco tempo, dando lugar a um atordoamento, como si o ouvido estivesse cheio de ar (sic). Escutava bem. Passando a inspeciona-la, percebi, á otoscopia, instalado na espessura do tímpano, entre a inserção do cabo do martelo e o bordo posterior da membrana, minúsculo hematoma, de volume aproximado de um grão de arroz. As demais porções da membrana mostravam-se sem alteração, com a cor habitual. Não havia nenhum vestígio de rutura. A transmissão sonora fazia-se bem, igual á do outro lado. Rinne positivo e Weber ausente. Subjetivamente, continuava a ter a sensação de atordoamento supra-citada. Prescrevilhe, então, uma formula contendo licor de Van Swieten e glicerina em partes iguais, para ser instilada no conduto, Depois de haver redigido a presente comunicação, chegou-me ás mãos o n.° de Março de 1936 de "Les Annales d'Oto-laryngologie", no qual vem inserto um trabalho intitulado "Sur un cas de ruptura spontanée du tympan", da autoria de Philippe Panneton, de Montréal. Expõe o especialista canadense fato semelhante, por ele observado: certa telefonista, ao receber forte descarga sonora em seguida á brusca interrupção de uma ligação, fora vitima de rutura do tímpano esquerdo, acompanhada de hemorragia intra- tecidual dessa membrana. Admite o A. como determinante de tais lesões "a contração brutal reflexa do musculo do martelo, provocada pelo violento ruído percebido ". varias vezes ao dia, com prévio aquecimento a banho-maria, e mantive-a sob vigilancia. Dois dias depois tornei a examina-la: coincidindo com o aparecimento de picadas intermitentes, discretamente incomodativas, ostentava-se a parte do tímpano não atingida pelo derrame sanguíneo, modificada em sua coloração, apresentando-se rosea. Em vista disso. temendo complicações inflamatorias mais serias, resolvi associar proteinoterapia (injeções de Protinjetoi B) ao tratamento tópico. Não toquei no hematoma, deixando que a reabsorção se fizesse espontaneamente. No fim de pouco mais de uma semana, tudo voltava á normalidade, sem ter havido qualquer distúrbio outro digno de menção.
COMENTARIOS : - Surpreendido com a etiologia da lesão que o acaso colocara sob meus olhos, tratei de apurar si alguem já tivera ensejo de notar facto identico. Resultou infrutífera toda minha busca neste sentido. Quer compulsando abundante material de estudo, quer interrogando verbalmente colegas especialistas de largo tirocínio, não obtive indicação alguma no tocante a observações daquele jaez. O prof. Eduardo Moraes, reputando excecional e quiçá inédito o acontecimento em questão, comunicou-me, por outro lado, interessante ocorrência que lhe fora dado presenciar. Certo emulo dos artistas dá tela, de uma feita, beijara tão violentamente o ouvido de sua companheira, que esta foi obrigada a procurar, em seguida, o otologista, deparando-se congestionamento intenso do timpano, verdadeiro processo de miringite, particularmente rebelde. O dr. Aristides Monteiro também me referiu ter observado o prof. João Marinho, em determinada ocasião, igual sucesso, isto é, aspiração brutal da membrana por beijo aplicado no ouvido, com subsequente processo inflamatorio traumatico.
Como fecho destes rápidos comentarios, desejo traçar algumas linhas, afim de elucidar a patogenia de meu caso. Segundo se depreende do estudo acerca do mecanismo da audição, os sons agudos, ao percutirem o timpano, provocam a distenção deste, graças á contração do musculo interno do martelo, que o repuxa para dentro. Implantando-se tal ossículo na parte central da membrana em apreço, justamente o faz na zona mais rica em vasos sanguineos. Estes costumam seguir trajeto ao longo daquela inserção até a umbigo, irradiando-se depois para a periferia. Em face de semelhante dispositivo anatomico, é simples compreender a maneira pela qual atração operada sobre o cabo do martelo, pode promover a efração de uma vênula na espessura do timpano, desde que aquele ato se exerça violentamente, como sóe acontecer quando um soar muito agudo fere inopinadamente essa membrana. O derrame intra-teci,dual resultante traduz-se pela formação do hematoma.
ZUSAMMENFASSUNG
Dr. EDGARD DE CERQUEIRA FALCÃO - "HAMATOMA DES TROMMELFELLS DURCH SCHALL-TRAUMA (SCHREI) ".
Nachdem der Verfasser auf die schweren Verletzungen nach der Seite des Mittelohres zu speziell Platze des Trommelfells durch heftlgen Schall wie bei Kanonenschüssen und tosenden Dynamit-Explosionen und anderen entzündlichen Materialen anspielt, indem er besonders die Opfer der Katastrophe des Dampfers "Caxambú" und der Munitions lager (Nietheroy) erwãhnt, legt er eine gewisse Beobachtung dar, die der Zufall ihm zuführte: Am linken Ohr eines Frãuleins wurde unerwartet ein derart durchdringender Schrei losgelassen, dass ein kleines'Hãmatom des Trommelfells verursacht wurde, der sich zwischen der Einfügung des Hammerstiels und dem hinterem Rand der Membrane bemerkbar machte, sich ohne Zwischenfall von selbst reabsorbierte und den Transmission apparat unversehrt liess.
Der Verfasser shliesst, nachdem er die Eigenheit einer solchen Verletzung streift, indem er die Pathogenese derselben erkllãrt.
DISCUSSÃO
Dr. Edgard Falcão: - Agradeço ao Prof. Sanson a adição de mais um caso ao numero de traumatismos do tímpano por beijos violentos. Tenho ainda a acrescentar outra observação que me foi verbalmente referida pelo Dr. Colombo Spinola, hontem á noite. Trata-se de um individuo que procurou este colega da Baía, por ter tido copiosa, otorragia, após um beijo ardente aplicado em seu ouvido por uma mulher.