Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (16º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 591 a 600

 

GOMA DO CONDUTO AUDITIVO EXTERNO

Autor(es): DR. ANGELO MAMA 1

SERVIÇO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA E CIRURGIA PLÁSTICA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE SÃO PAULO (Chefe: Dr. Schmidt Sarmento)

Existem certas lesões, cuja séde constante em determinados tecidos, autorizam o seu diagnostico apenas devido á sua localização. Outras existem, porem, de localizações atipicas, as quais, embora carateristicas no seu aspecto objetivo, desviam o verdadeiro diagnostico, apenas pela anomalia de séde.

Esta é a razão de ser, desta pequena nota clinica.

J. T. S. - 26 anos, brasileiro, solteiro, agricultor.

HISTORIA DA MOLÉSTIA ATUAL - O paciente queixase de uma `"ferida" no ouvido. Diz mesmo que essa "ferida se iniciou com uma vermelhidão, indolor, mesmo ao toque. Não fez caso da mesma, no entretanto, foi peiorando cada vez mais, obrigando-o a procurar o medico que o aconselhou a consultar um especialista de ouvido, motivo pelo qual apresentou-se no Ambulatório de Oto-Rino-Laringologia do Dr. Schmldt Sarmento na Sta. Casa de Misericordia de São Paulo.

ANTECEDENTES PAMILIARES - Nada soube informar.

ANTECEDENTES PESSOAIS - Refere ha um ano cancro duro e alguns meses depois acidentes cutâneos por todo o corpo. Procurou nessa ocasião um medico que lhe receitou alguns medicamentos anti-lueticos. Usou os mesmos até a cicatrisação do acidente inicial, abandonando a seguir o tratamento.

EXAME LOCAL DA LESÃO AUDITIVA - A inspeção verifica-se que a lesão localizasse no introito do conduto auditivo externo. De fato, todo o contorno da abertura inicial do conduto auditivo externo encontra-se tomado pelo processo. Na parte anterior, o tragus acha-se infiltrado e ligeiramente congesto; do mesmo modo o anti-tragus encontra-se tambem infiltrado e intensamente congesto. Porem, o que ressalta logo a vista é a ulceração da parede postero-superior do conduto auditivo externo sempre, porem, ao nível do introito; é arredondada, de bordos infiltrados, talhados á pique e de coloração vermelha escura. O fundo da ulceração é acidentado como se poderá ver na fotografia que está mais adiante, e recoberto por um exsudato fibrinoso de cor amarelada. As paredes do conduto para dentro da ulceração, encontram-se ligeiramente infiltradas, estenosando-o levemente não perturbando, porem, a audição; esta é perfeita, comprovada pelo exame de diapasão e vóz.

EXAMES DE LABORATORIO

R. Wassermann++++ Biopsia: E' o seguinte o relatorio; processo granulomatoso luético de tipo gomoso.

(a)Dr. H. Cerrutti.

COMENTARIO: - O paciente, como já vimos, queixa.-se apenas da "ferida" no ouvido, indolor. A lesão apresentava-se mascarada por algumas crostas e sobertudo escassez de escrúpulos higiênicos. Desse modo, não atinamos, á primeira vista, com o verdadeiro diagnostico. A lesão em si não autorizava nenhum diagnostico a não ser um processo luético. No inquérito, referiu-se aos antecedentes venereo-sifilíticos, informação esta que solidificou a idéa ainda incerta de um processo sifilítico. Mas estaríamos nós elaborando um erro diante de tão excecional localização? O fator idade (26 anos), excluía a possibilidade de uma neoplasia ulcerada. Estaríamos diante de uma micose? Ocorreu-nos, então, a idéa de praticar uma biopsia e simultaneamente requisitamos uma reação de Wassermann, exames esses que vieram revelar a verdadeira etiologia da lesão.

Esta breve e resumida observação tem por finalidade senão evidenciar uma séde original, pelo menos mostrar uma, das localizações excepcionais da lúes em periodo terciário.





A sifilis, mais do que qualquer outra afecção, padece de um acentuado polimorfismo clinico, rompendo as vezes preceitos classicos e revelando-se por fôrmas bizarras e localizações as mais disparatadas. Estas considerações, como é obvio, deverão pesar no julgamento de uma lesão cujo aspecto fizer transparecer um fundo luetico e cuja etiologia pudesse ser afastada pela atipicidade de séde da lesão.

Constitue vulgaridade no conceito do medico pratico e sobretudo do especialista, que a sifilis, em qualquer dos seus estadios, encontra o seu "habitat" predileto no territorio oto-rino-laringologico. Para o lado do ouvido, porém, não podemos dizer o mesmo porquanto, se de um lado o ouvido interno é uma séde não rara de lesões lueticas (neuro-labirintites), por outro, raramente elas se assestam no ouvido externo. E' noção corriqueira que a sifilis ataca qualquer tecido: pele, mucosas, visceras, etc. ; todavia, na sua fase terciaria ela atinge de preferencia o sistema nervoso, pele, mucosas.

Sabendo-se que tanto o pavilhão como o conduto auditivo externo apresentam um revestimento cutaneo, não causa especie nem surpreza um terciarismo do ouvido externo; contudo, neste a lues é de dificil observação, sendo mesmo rarissima.

Especialmente o periodo terciario da lues constitu~e localização excecional do ouvido externo.

Percorrendo a literatura no espaço compreendido em 19221936, não conseguimos encontrar um numero superior a 5 casos, sendo que um deles já constituiu assunto de comunicação pelo Dr. Guedes de Mello, de Campinas.

BIBLIOGRAFIA

GOURGÉROT - Traitment de Ia syphilis en clientéle. Maloine editor - 1927.
GUEDES MELLO - Gomma do conduto auditivo externo. Arch. Instituto Penido Burnier 3:87-88. Março 1934.
LAURENs G. - Precis d'Oto-rhino-laryngologie - Masson - 1931.
MEIROWSKI e Pineus - La syphilis - Editorial Labor - 1925.
PAYNEVILLE): É CASTAGNOL - Infiltração esclero-gommosa do pavilhão da orelha. Normandie Medicale Rev. - 1924 (citado).
SCALZITTI - Osteoperiostite gonunosa do meato auditivo extenuo Valsalva 9:611-618 - Agosto 1933 (citado).
ZINSSER - Affeccions syfilíticas e syphilitiformes da boca - Editorial Labor 1926.

- Sifilis 3.a com largos papilomas confluentes no ouvido e região pré-auricular (citado). Boll. Soc. franc. de Dermatologie et Syphilis. 40: 488-491.

DISCUSSÃO

Prof. Alonso - Quero fazer uma simples referencia ao trabalho do Dr. Mattos Barreto, considerando dois pontos: primeiro quanto ao tratamento medico. Creio que para determinados grupos de micro-organismos, especialmente para os streptococo hemolitico a soroterapia e muito bôa. Em 1925 publiquei um trabalho em que relatava uma serie de tratados todos pela soroterapia no Instituto Biológico Argentino. Outro ponto é quanto a ligadura da Jugular. Não me aprofundarei no assunto, mas direi que pelo material de clinica, notei, de fato, uma porcentagem maior de casos felizes, onde havia a ligadura da jugular.

Dr. Mario Ottoni de Rezende - A comunicação do Dr. Barreto é interessante e diz, de fato, do que deve fazer o medico em tal emergência. A intensidade dos sintomas e a meningite vêm provar que se em casos de fratura, com supuração. n6s não intervirmos imediatamente o doente morrerá. O Dr. Kós apresenta 2 casos de mastoidite atípicas. O primeiro me pareceu curioso, porque segundo diz, a cultura revelou atreptococus; e acredito que se os exames e as culturas tivessem sido praticadas, 1, 2 ou 3 vezes, se teria chegado a descobrir o streptococus mucosus, pois achamos a marcha quasi sintomática e de evolução relativamente grave, indicando como sabido, a existencia de pneumococus, tipo III ou atreptococus mucosus.

O Dr. Guedes de Melo Filho falou sobre septicemia otogena. E' um problema dos mais suscetíveis a discussões em nossa especialidade, pela questão da ligadura. Sou contra a ligadura e o Prof. Alonso é pró ligadura e assim é provável que, na Casa, estejamos mais ou menos equilibrados, quanto & questão da ligadura. Alonso diz que a ligadura parece melhorar a estatística. Eu digo que, em meus casos e nos que tenho podido observar, a -ligadura talvez tenha favorecido complicações outras que eu penso não existiriam sem ela. Acho que para se aumentar as probabilidades de se evitar a septicemia otôgena, não se deve, em condição alguma, expor o seio nas mastoidites simples e nas radicais sem outras complicações de tipo septicemico. Isso é uma doutrina vencida no ultimo Congresso de Berlim. Toda a exposição de seio sem necessidade é uma probabilidade a mais para uma septicemia, mas o contrario tambem pode ser verdadeiro. Atualmente, com certa prudencìa como fez o Dr. Guedes de Melo, pôde não haver uma septicemia.

Dr. Sanson - Sou suspeito para fazer qualquer consideração sobre o trabalho do dr. Kós. Com relação ao caso do dr. Matos Barreto, insistirei sobre a, Políuria de origem traumatica. Possuo no meu arquivo um caso desta natureza, acidente de automovel. Fui chamado para ver um paciente, meu conhecido, engenheiro, nos quartos particulares da Assistencia Municipal, ha alguns anos atras. Achava-se em estado de "schok" e assim se manteve por muitos dias. Apresentava estrabismo convergente e uma poliuria que variava de 5 a 8 litros por dia. A radiografia pedida, diante de suposição de uma lesão da hipofise, demonstrou a existencia de uma extensa fissura ossea que alcançava a região Pronto-parietal. Nestes casos o tratamento é meramente contemplativo. Os medicamentos habitualmente aconselhados não trouxeram benefícios. O paciente curou-se ao termo de algumas semanas, sem sequelas. Com relação ao assunto exposto pelo dr. Guedes de Mello e sobre o qual diz o prof. Alonso, fez uma verdadeira conferencia, falo com um pouco de experiencia. Em dezembro de 1934, publiquei um trabalho em colaboração com o dr. Antonio Leão Velloso sobre o assunto, baseado em 15 casos de trombo-flebite de seio lateral e 8 casos de trombo-flebite do seio cavernoso, além de possuir no meu arquivo muitos outros de septicemia otogenica. Conclue a minha experiencia que o tratamento da septicemia otogenica é eclético.

Ninguem pôde determinar uma linha de conduta a seguir: - Estou de pleno acordo com o dr. Mario Ottoni, a ligadura da jugular tem a sua indicação em casos excepcionais. Os Drs. Mauro Penna e Ermiro Lima, aqui presentes, poderão dizer da critica que fiz á ligadura da jugular no trabalho que apresentaram á Academia de Medicina e tenho o prazer de verificar que no segundo caso, eles mudaram de criterio

Bareichnikoff em 29 casos de trombo-flebite do seio lateral, feitas em indivíduos, mais ou menos, da mesma idade - 22 a 24 anos - e da mesma complexão, chegou á conclusão da inutilidade da ligadura. Basta a eliminação completa do fóco e a sua drenagem. Consultando a literatura veremos que sobre este assunto as opiniões são muitos divididas. Hinojar y Pons acompanha a Escola de Haymann, sistemática na ligadura, enquanto que Alexander vê o assunto debaixo de outro prisma.

Desejo acentuar que diante de uma trombo-flebite do selo lateral não se pôde indicar a ligadura da jugular, de modo sistematico. A restrição da ligadura não seria a consequencia do fato de se praticar atualmente em muito menor escala a curetagem do trombo e a introdução de dreno dentro das extremidades do vaso que foi aberto? No meu arquivo tambem possuo, dois casos já publicados e que se curaram sem o recurso de intervenção cirurgica. N'um dos casos estava em jogo uma otite média supurada aguda e no outro um surto agudo no decurso de uma otite média supurada crônica. Num dos casos tratava-se da neta de antigo e conhecido político paulista, já falecido. Em ambos os casos a pressão do ambiente era grande no sentido da terapêutica, cirurgica. A minha oposição a uma intervenção cirurgica, se baseava em ambos os casos, no mau estado geral. Broncopneumonia e sinais de insuficiencia cardíaca e tambem porque a analise do quadro da temperatura, que era elevada, me permitiu encontrar no plateau argumentos a meu favor. A observação, durante alguns dias, do plateau, fortaleceu a minha convicção. Em ambos os casos os sintomas de metástase, na pequena circulação eram patentes. E, num deles tambem na grande circulação: infiltração dos tornozelos e dos grandes artelhos, extenso abcesso da região coxofemoral, cuja dilatação deu grande quantidade de pús. Neste doente que tambem se curou havia pielite acompanhada de hematuria e intensa neutrofilia. Acho que o dr. Guedes de Melo, usa e abusa da punção do seio lateral. Porque fazer a punção sistemática de um seio, que se apresenta normal, diante da simples hipotese da trombo-flebite? Haverá vantagem nesta manobra? Não seria mais razoável esperar com paciencia e observar, cercado de todos os exames de laboratorio? Uma observação publicada em 1873, por Wreden, nos "Archiv für Ohrenheilkunde" que apresentava todas as complicações Possíveis de septico-pioemia: flebite do seio longitudinal superior, dos dois seios transversos, do seio cavernoso do lado direito, das veias jugulares, estáse papilar e cegueira passageira, alterações no domínio do terceiro, do quarto e do sexto pares cranianos, enorme hipertrofia do fígado e do baço, sintomas meningêos, que terminou pela cura sem sequelas, vêm demonstrar que diante do criterio que se tem atualmente da septico-pioemia, todo e qualquer ato cirurgico discutível, só deve ser praticado diante de indicações muito precisas. Devo assinalar nunca ter praticado a ligadura da jugular diante de uma trombo-flebite. Não estendo este absolutismo aos meus assistentes. Não ha na minha conduta a menor obstinação e aceito como possivel a hipotese de vir a praticar a ligadura da jugular. Outra interrogação é o capitulo da terapêutica química. Qual o valor do azul de metileno, da violeta de genciana, do mercurio-cromo, etc.?

Presentemente o Rublasol, em França, e o Prontosil, na Alemanha, preparados de formulas parecidas, alcançaram um certo renome, sendo que em Paris já começa, a não gozar o Rubiasol das mesmas credenciais. A estatística apresentada por Vincent, na Academia de Medicina, de Paris, é realmente sedutora, 80 % de curas em casos de septico-pioemia, dos mais graves, tratados com seu sôro, constitue um fato notavel. Resta saber si, nestes casos de cura, que dizem respeito a, nossa especialidade, foi o foco inicial removido ou não. Se em principio a remoção do foco, na grande maioria dos casos, traz a cura da trombo-flebite, o valor do sôro fica prejudicado. Tambem carece de observação a terapêutica pela transfusão e imuno-transfusão. Nas convalescenças arrastadas temos obtido ótimos beneficios com as pequenas transfusões repetidas. Para terminar insisto que, por enquanto, no tratamento da septico-pioemia otogenica, a orientação do tratamento deve ser eclética.

Dr. Justo Alonso - Creio que não se deve tocar num seio. Não afirmo, porém; quanto á ligadura não se viu nunca que uma ligadura posta debaixo de um trombo, possa trazer complicações e as complicações que se podem produzir são contrarias a lógica que está por cima dos conhecimentos medicos.

Dr. Sanson - Si justamente toquei nos acidentes da ligadura é porque alguns autores a elas se referem. Entretanto, não tenho experiência para cita-los. Mencionarei, todavia, as observações de Alexander, Ruttin, Frey e Herzfeld de acidentes consecutivos á ligadura da jugular.

Dr. Guedes de Mello Filho (em resposta) - Conheço o trabalho do Prof. Alonso sobre soroterapia bem como o largo emprego nos Estados Unidos do sôro anti-escarlatinoso de Dick. No 1.° doente empreguei, a principio, o sôro antiestretocócico do I. S. Milanés. Entre nós desconheço qualquer resultado apreciavel colhido na septicemia com esse meio terapêutico.

No atinente á. ligadura da jugular, referiu-se o Prof. Alonso a estatísticas que se opõem á de Mygind. Não pretendo examinar aqui a questão complexa das vantagens e inconvenientes da ligadura da veia, cuja discussão nos levaria longe. Não pratiquei a ligadura da jugular nesses casos por não me parecer indicada. O seio era normal á inspeção e ó, palpação, as punções foram positivas e a compressão de baixo para cima (sinal de Whiting) mostrava que o vaso de novo se enchia com o sangue provindo do golfo, o que excluis a trombose, pelo menos obliterante, do selo, quer na parte exposta., quer na região do golfo. Em materia de ligadura. da jugular são muito interessante as observações de Dixon, tendentes a demonstrar que a trombose se processa sempre por via retrograda e que assim a ligadura é, de todo, ilógica. Ottenberg, por sua vez, fazendo culturas de sangue retirado das duas jugulares, verificou que as colônias eram quasi sempre muito mais numerosas do lado são do que do comprometido, o que confirmaria as observações de Dixon.

Não tenho experiência com o Prontosil citado pelo Dr. Mario Ottoni.

Julgo que um seio, mesmo de aspeto normal deve ser puncionado, porquanto pode acontecer - e é rato assinalado na literatura - que um seio aparentemente normal se apresente trombosado. Dai, a necessidade da punção em todos os casos.

O brilhante resultado de 81% de curas com a soroterapa de Vincent não deve sofrer restrições pelo fato de, em muitos doentes, ter sido praticado o tratamento cirurgico do fóco. Efetivamente não conheço terapêutica que, combinada á cirurgia, conte em seu favor com tão alta cifra de curas na septicemia.

Quanto ao valor da imuno-transfusão, eu direi que é, pelo menos, o mesmo que todos reconhecem na transfusão de sangue, acrescido possdvelmente de propiriedades especiais graças aos elementos de defesa elaborados no organismo do doador.




1 adjunto voluntario

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