Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (15º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 587 a 590
UM CASO DE MASTOIDITE DE MOURET COMPLICADO DE TROMBO-FLEBITE E FLEIMAO PROFUNDO DO PESCOÇO. OPERADO E CURADO.
Autor(es):
DR. JOSÉ ARTUR DE CARVALHO Kós 1
DR. RUBEM C. L. AMARANTE 2
DR. NILSON TORRES DE REZENDE 2
TRABALHO DO SERVIÇO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DO HOSPITAL DA FUNDAÇAO GAFFRÉ E GUINLE
R. X. 41 anos, casado, lavrador, branco, brasileiro, residente no Municipio de Campos, Estado do Rio.
Procurou o Serviço em 28-8-1935, trazendo uma recomendação do dr.Cardoso de Mello, para o dr. Nilson de Rezende.
Informa o paciente que na segunda quinzena de Janeiro de 1935, começou a sentir, repentinamente, fortes fisgadas no ouvido esquerdo. Ha já algum tempo que, doe vez em quando, sentia qualquer duvida para o lado deste mesmo ouvido (zoadas, estalos e fisgadas). Nesse mesmo dia em que as fisgadas se tornavam mais fortes sobrevieram intensissimas dores e inchação atrás da orelha esquerda obrigando o paciente a ficar de cama. No dia seguinte manífestou-se abundante purgação no ouvido doente resultando no completo alivio das dôres. Residindo longe da cidade não procurou consultar um medico e assim permaneceu cone abundante purgação no ouvido esquerdo, até fins de abril. Por esta época voltaram as dôres e a inchação que não tinha desaparecido de todo. Ao mesmo tempo sentiu mal estar, alguns calafrios, abatimento, inapetencia. Como desta vez o "mal" estivesse custando a ceder, foi chamado um medico de Campos. Este receitou compressas quentes, proporcionando temporário alivio ás dôres, e assim se passou mais de um mez. Como no entanto, a inchação fosse aumentando e a situação não se resolvesse, dirigiu-se á Santa Casa de Campos onde se internou em fins de Junho. Ahi foi examinado e lhe fizeram uma incisão retro auricular com retirada de grande quantidade de pús.
Esta intervenção deu bastante alivio ao doente por uns 8 dias,mas após esse tempo o enfermo começou a sentir dôres no pescoço, por debaixo do musculo externo cleido mastoidêo.
Transcorridos dois meses de tratamento (o doente teria tomado -grande numero de injeções, cuja natureza não sabe identificar) como não obtivesse melhoras, foi enviado ao nosso serviço no Hospital da Gaffrée e Guinle.
Pelo exame constatamos tratar-se de pessoa muito emagrecida, pálida, muito abatida (intoxicada) com dificuldade de movimentar a cabeça que conservava um pouco inclinada sobre o lado doente. Informa o paciente que tem tido febre e arrepios de frio.
Na região retro-auricular apresentava pequena fistula dando saída constantemente a secreção purulenta. Dôr espontanea na região mastoidéa com irradiações para o pescoço e sobretudo para a nuca e occipital. Dôr a pressão mais forte no bordo posterior na mastoide e por baixo da ponta da mastoide.
Pela otoscopia, grande quantidade de secreção purulenta no conduto, timpano congesto e espessado apresentava perfuração no quadrante postero-inferior; quéda da parede postero-superior do conduto. Surdez de condução pronunciada do ouvido doente. ,Exame do equilibrio e provas -da indicação normais. Ausencia de nistagmo.
Faringe: - Apresentava apenas, logo atrás do pilar posterior, pequena fistula dando saída á secreção purulenta. A pressão forte sobre o externa-cleido mastoidêo provocava a saída de maior quantidade de secreção.
Pescoço: - A região externo-cleido-mastoidêa apresentava ligeira reação inflamatoria que se estendia para a nuca. O musculo um pouca preso com alguns ganglios sensíveis. A palpação combinada - faringe e externa -revela flutuação profunda.
Diagnostico: - Mastoidite de exteriorização jugo-digastrica (Mouret) complicada de fleimão profundo do pescoço, fistulizado no faringe. Fistula retro-auricular após abertura cirurgica. Trombo-flebite(?)
Intervenção praticada em 29-8-1935. - Sob anestesía local novocaina, adrenalina, muito boa apesar de tratar-se de um caso já fistulizado. Mastoidectomia ampla com exposição do seio late
ral que se encontrava trombosado. Abertura do mesmo e curetagem do trombo sem ir até as extremidades. Mastoide pneumatira, com celulas grandes e cheias de pús. Abertas as celulas subantrais profundas foi encontrada a fistula óssea por onde se verificou a passagem do pús que, acompanhando o ventre posterior do digastrico, foi coletar-se de encontro á parede faringéa. O musculo se apresentou com aspecto lardaceo.
Foi retirada toda a ponta. Antro bem aberto e alargado O aditus. Não houve exposição meningéa. Em seguida incisão do bordo posterior do externo-cleido e com pinça romba drenada grande coleção purulenta, profundamente situada. Foi feita ampla comunicação desta abertura inferior com a região sub-antral profunda e com ó faringe. Ferida largamente aberta; drenos de borracha na ferida cervical e de gaze iadoformada na ferida retro auricular.
Como continuasse aberta a ferida no pescoço dando saída a secreção purulenta, com auxilio de uma tentacanula, pudemos verificar que havia um fundo de saco para traz e para baixo.
Praticamos nova abertura, inferior através das fibras musculares do trapezio. Encontrado o fóco de retenção foi o mesmo drenado com 2 drenos de borracha.
12-10-35 - Verificando que continuava a sair secreção pela fistula faringéa e diante infiltração do externo-cleido e de permanencia de pequena fistula retro-auricular intervimos novamente praticando um esvaziamento pétreo mastoidêo e com unia, tentacanula conseguimos debridar um fundo de saco que, profundamente situado, alimentava a fistula faríngea.
Sequencias cirurgica : boas, alta, curado.
Trouxemos esta observação á sessão de Oto-rino-laringologia por se tratar de um caso interessante diante das múltiplas complicações que sobrevieram no decurso de uma. mastoidite.
O tratamento instituído em época oportuna teria evitado certamente a formação da trombo-flebite e sobretudo da coleção purulenta do pescoço.
Podíamos pensar que a supuração cervical corresse por conta de uma supuração da jugular, mas o achado cirurgico da fistula na região das celulas sub-antrais profundas e a integridade constatada da jugular vieram reforçar a idéa da secreção ter acompanhado a direção do digastrico, tendo como ponto de partida a apofise mastoide.
Pelo estado de emagrecimento acentuado do doente, pensamos na possibilidade de um abcesso cerebelar, hipotese afastada em virtude de faltarem os sintomas clássicos.
O diagnóstico de trombo flebite desde o primeiro exame, diante da anamnese, tornou-se claro e o caso ficou digno de registro por ter terminado com a cura do paciente.
RESUMÉ
JOSÉ KÓS, NILSON REZENDE ET RUBEM AMARANTE - UN CAS DE MASTOIDITE DE MOURET, AVEC THROMBOPHLEBITE, COMPLIQUEE DE FLEGMON PROFOND DU COU AVEC FISTULISATION PHARYNGÉE.
Les Auteurs présentent un cas qui a démandé le service avec 8 mois de maladie, en état de profond délaisselnent et intoxication.
Le diagnostique a été falt et l'intervention fut pratiquée avee la cure du malade. Ils ont fait ensuite le commentaire sur l'étiologie, le diagnostique différenciel et sur le traitetnent.
Le cas s'imposalt, en vue de son extraordinaire raxeté à coté du magnifique résultat obtenu avec la chirurgie.
1 Catedratico da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Livre docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro. Chefe de Clínica do Serviço de OtoRino-Laringologia do Hospital da Fundação Gaffrée e Guinle.
2 Assistente do Serviço da Fundação Gaffrée e Guinle.