Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 481 a 495

 

RELAÇÕES DA PARS TORAXICA TRACHEAE NO BRADYOUS TRIDACTYLUS I. (*)

Autor(es): PAULO SAWAYA (**)

DEPARTAMENTO DE ANOTOMIA (prof. A. BOVERO) e DEPARTAMENTO DE ZOOLOGIA (prof. E. MARCUS) DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

(Contribuição para o estudo anatomico dos Xenarthra brasileiros - XIV)

Em continuação á série de "Contribuições pára o estudo anatomico dos Xenartras brasileiros", publicadas pelo Departamento de Anatomia desde 1929, procurarei nesta sucinta nota descrever a parte toraxica do tracto aerifero em animais representantes desta ordem de Mamiferos, carateristica da região neotrópicá, e mais particularmente no genero Bradypus, que é, entre os Xenartras sul-americanos, um dos que ocorre com mais frequencia em o nosso Estado e circunvizinhanças.

Como é conhecido desde muito tempo, na conformação toda peculiar da traquéa da Preguiça do genero Bradypus, a pars toraxica dobra-se sobre si mesma duas vezes antes da bifurcação nos bronquios. Este fáto, exclusivamente verificado na Preguiça, entre todos os Mamíferos, apesar de ter sido assinalado muitas vezes na literatura, foi ainda recentemente, como veremos, objeto de estudos especiais por parte de alguns investigadores. Não obstante, escassíssimas são ainda as referencias sobre as "relações" do canal aerifero-toraxico dos Bradypodidae, especialmente no genero Bradypus, com os orgãos mediastinicos, circunvizinhos.

E' desde v. BAER (1823) que este complicado percurso traqueal é conhecido. Entre os AA. mais antigos MECKEL, (1833), RAPP (1843), OWEN (1868), AEBY (1880), FECHE (1900), GEGENBAUR (1901), SIMON (1902), NARATH 1901) e mais recentemente MEU (1926), BLUME (1928), WEBER

(1904-1928), BOKER (1928), WISLOCKI (1928), LASSILIA & MUSTAKALIO (1932) entre outros, mencionam ou figuram em seus tratados, monografias ou em simples notas, as voltas formadas pela traquéa da Preguiça antes da bifurcação nos bronquios.

Deixo para o trabalho definitivo outros pormenores e comentarios sobre a literatura não pequena a respeito deste assunto. Todavia, posso adiantar desde já, que permanece ainda agora uma acentuada escassez de conhecimentos sobre a topografia das curvas traqueais na região do tórax.

Para esta rapida comunicação trago os resultados de minhas observações sobre as mencionadas relações do tracto respiratorio, no referido Xenartra, embora ainda se achem elas incompletas relativamente a determinados orgãos.

O material de que disponho até agora consta de 13 Preguiças, todas do genero Bradypus tridactylus L., sendo 12 adultos (8 masc. , 3fem. 1 de sexo ignorado) e um féto fem., a termo.

Tendo em vista, em primeiro logar, o estudo das relações topograficas da traquéa no seu percurso toraxico, todos os exemplares adultos foram fixados préviamente em formol a 10%; tendo dois deles sido reduzidos, após congelação, a cortes sagitais medianos e paramedianos, e tres a cortes transversais com espessura variando de 0,5 a 2 cms. ; dentre estes cinco exemplares, dois ainda haviam recebido injeção, a quente, de gelatina-cinabrio (arteria carotida primitiva) e gelatina-azul-ultramar (veia jugular interna) para estudo dos vasos. Ainda dois exemplares foram utilizados para obtenção de moldes por meio de injeção diréta pela traquéa, um com a massa de Lauth e outro com a massa de colodio-agar. Em todos os casos, a dissecção ou as secções sómente foram feitas, no minimo, 24 horas após a fixação, afim de se guardarem, quanto possivel proximas do natural, as relações do orgão objéto de nosso estudo. Os animais restantes (5), excéto o féto, foram injetados, ainda frescos, com gelatina-cinabrio e gelatina-azul ultramar, a quente, sempre pelos mesmos vasos, e fixados logo a seguir em formol a 10%.

Ao penetrar no torax a traquéa abandona a posição mediana que tem no pescoço, afasta-se gradativamente para a direita, formando ao mesmo tempo, ao nivel da 9.a V. C. e 1.a V. T. uma ligeira curva de concavidade dorso-lateral. Dirige-se mais caudalmente, colocando-se cada vez mais proxima do pulmão direito, sendo que ao nivel da 31 V. T. se juxtapõe á sua face mediastinica, acolando-se á capsula pulmonar. Daí ela prossegue para baixo e um tanto para diante, descrevendo uma ampla. curva de concavidade ventro-medial até uma altura correspondente á 7.a V. T. Neste nivel que corresponde a cerca de 1 cm. acima; do diafragma, encurva-se rapidamente para trás, para cima e lateralmente e constitue a 1.a crossa traqueal (Fig. n.° 1), podendo a porção, até agora assinalada, ser considerada como o ramo descendente desta l.a crossa (Crus descenderas .primum).



Fig. 1 - Br. tridactylus L., masc. , Juv. - 1: Crus dssoeuo deus primum; 2: Primeira crossa traqueal; 3: Segunda crossa traqueal; 4: Origem do bronquio esq.; 5: bronquio dir. - (Des. do molde em massa de Lauth, red. 1/3. Sra. L. EBSTEIN del.).



No tracto descendente que vai da altura da 4.a á 7.a V. T., a traquéa pouco a pouco se afasta da face mediastinica do pulmão direito; sendo que, na ponto em que se acha a mencionada crossa (1.a) ela é separada da superficie deste pulmão de cerca cms. 1,5.

A seguir, a Crus ascendens da 1.a crossa dirige-se para cima, veptro-lateralmente, indo interpor, ao nivel da 5.a V. T., a sua porção mais cranial, entre o tracto aerifero descendente (Crus descenderas primum) e o pulmão.

Neste ponto, um novo encurvamento se verifica, ruas menos brusco que o primeiro, orientando-se então o canal traqueal para trás e para baixo, constituindo-se assira a 2.a crossa traquaal; esta, comparativamente á 1.a, apresenta um raio de curvatura maior, não sendo, por conseguinte, tão apertados os seus dois braços. Dirigindo o braço descendente desta 2.a crossa, com ela caudal e dorsalmente, encosta a sua face posterior na coluna vertebral, no espaço compreendido entre a 5.a e a 8.a V. T., verificando-se, ao nivel desta ultima, a terceira e ultima volta (3.a crossa traqueal), e seguindo-se, imediatamente, a bifurcação -nos bronquios. O trajéto do braço descendente desta ultima crossa (Crus descenderas secundam) é arqueado, de concavidade anterior estando nos seus 2/3 craneais contiguo e abraçando o ramo ascendente da l.a crossa, que fica na sua frente. Deste arqueamento do Crus descenderas secundam resulta um pronunciado afastamento de sua extremidade caudal (cerca de 3,5 cms.) da coluna vertebral.

O complexo das alças e seus respectivos braços traqueais forma um espesso conjunto, que se afunda na face medial do pulmão direito, no seu quadrante postero-inferior, abrigando-se num verdadeiro nicho, o qual chega a atingir o bordo posterior pulmonar, que se mostra porisso ligeiramente chanfrado ao nivel do seu 1/3 médio. A contenção deste conjunto traqueal no referido nicho, se faz á custa da pleura visceral, que do bordo posterior pulmonar passa sobre a face dorsal das mencionadas alças traqueais e orgãos circunvizinhos, antes de refletir-se para a parede toraxica.

Sobre o comportamento da pleura nesta região, esperamos ainda completar as nossas observações, o que faremos num trahalho definitivo.

Ainda a respeito das relações da traquéa toraxica, acrescentamos as que ela. contráe com o esofago e com a veia azygos.

O esófago penetra no torax nitidamente no lado esquerdo e paralelo á traquéa e á veia jugular interna esquerda. Ao nivel da 4.a V. T. dispõe-se ao lado da traquéa, junto da face mediastinica do pulmão do referido lado; descendo mais, é separado do canal respiratorio pelo arcos aortae. Ambos, esófago e aorta, correm na goteira formada pelos ramos ascendente da l.a e descendente da 2.a crossa traqueal. Ao nível da 5.a V. T., onde se encontra a 2.a volta da traquéa, o esofago e a aorta são repuxados para a esquerda, achando-se a aorta lateralmente ao esófago, proxima ao bordo posterior do pulmão do mesmo lado (Fig. n° 2).

A partir deste ponto, a posição da aorta é cada vez mais dorsal, aproximando-se juntamente com o esófago do plano mediano, sem atingi-lo completamente, ao passo que a traquéa se afasta deste plano, resultando daí que ao nivel da 7.a V. T. o esófago e a aorta se encontram posteriormente á traquéa (Crus descendens primam) e os 3 orgãos ocupam assim uma posição nitidamente paramediana esquerda. (Fig. n.° 3).

No ponto da bifurcação dos bronquios, a aorta e o esófago se acham juxtapostos á face anterior da 3.a crossa traqueal.

Resumindo vemos que a porção toraxica do esófago está situada sempre á esquerda e paralelamente á traquéa na parte superior; á medida que se dirige caudalmente no ponto em que se forma. a 2.a Grossa traqueal, juntamente com o canal aortico, se coloca posteriormente á traquéa. Num exemplar, entretanto, podemos vêr o esófago, na porção toraxica, no principio á esquerda da traquéa como de habito, mas depois de um percurso de cerca de 3 cms., cruza o canal aerifero em diagonal, passando a juxtapor-se á sua face ventral, posição em que mantem até a 3.a Grossa traqueal. Deste ponto dirige-se para trás, intercalando-se entre o bronquio esquerdo e a aorta, para penetrar, juntamente-com esta, no canal aortico-esofagiano do diafragma (LOCCHI).

Particularmente interessantes são tambem as relações que a veia -azygos mantem com o canal aerifero do Bradypus. (Fig. n.o 4). Como é conhecido, desde HOCHSTETER (1897), I)FJ BURLET (1922) e outros, este vaso é rudimentar no Bradypus e se constitue como tronco no torax na goteira Gosto-vertebral direita, ao nivel da 6.a V. T. Dirige-se então cranial e ventralmente, e numa direção obliqua para o plagio mediano, faz uma curva ampla até desembocar na v. cava sup. No seu percurso ascendente é contígua á face posterior do ramo descendente da 2.ª crossa traqueal (Crus descendens secundum), dispondo-se na goteira formada por esse ramo e a coluna vertebral. Deixando tal goteira, abraça com o seu arco, totalmente, o vértice da referida 2.a crossa da traquéa.

A veia pulmonar, como refere WEBER, mantem relações com a 1.a crassa da traquéa. Nos nossos exemplares em vez de passar encurvando-se sob essa. crossa, como menciona este A., cruza-a ventralmente antes de atingir o hilo pulmonar.

A questão da presença das curvas traqueais no Bradypus tem sido objeto de discussão de varios AA. Assim NARATH, ao descrever os bronquios num feto de Bradypus cuculliger, asseverou serem as curvas devidas á contracção provocada pelos liquídos fixadores (alcool). Em sua monografia figura, em esquema, uma traquéa réta do referido féto. Mais tarde, BLUME em rapida nota, chama a atenção da presença das "alças" traqueais em 2 embriões de Bradypus, fundamentando com o seu achado, a sua opinião, de serem elas uma formação congenita e constante neste genero de Xenarthra, em oposição ao quanto havia afirmado NARATH.

Ultimamente, LASILLA .& MUSTAKALIO apresentaram um estudo sistematico da taquéa nos Edentata em geral, tendo pesquizado o percurso desse orgão nos generos Dasypus, Manis, Xenurus e Bradypus, encontrando a disposição excecional da traquéa unicamente neste ultimo genero. No seu trabalho, estes AA. procuram antes uma interpretação para o facto da presença das curvas traqueais, o qual pensam poder correr por conta de um possivel desenvolvimento de um lobo infra-cardíaco do pulmão, á direita, da torsão do figado de 135° para este lado, já assinalada por DE BURLET, da tracção do intestino cefalico, sendo que, para compensar as forças tractôras, a traquéa formaria alças em U.

O nosso estudo se limita, como dissemos, a determinar as relações das alças da traquéa com os orgãos mediastinicos. Não entramos por isso, na indagação do provável significado fisiologico ou filogenetico das mesmas. No momento, julgamos apenas de interesse e justificando :a presente comunicação, as relações que acima mostramos, esperando completar o nosso estudo com a verificação das relações que tais alças apresentam principalmente com os outros vasos e com os nervos.



Fig. 2 - Br. tridactylus L. (masc.) ad. - Corte tranversal ao nivel da VVT. - 1: Crus descendens primum; 2: Segunda crossa traqueal com 2a.: Crus ascendens e 2b.: Crus descendens secundum; 3: Esofago; 4: Aorta descendns. (foto. t. natural, Sra. I. EBSTEIN).



Fig. 3 - Corte transvesal ao nivel da VII VT. do mesmo animal da Fig. 2 - Crus descendns primum; 2: Crus ascendens: 3: Crus descendens secundum; 4: Esofago; 5: Aorta descendens. (foto L. natural, Sra. L. EBSTEIN);



Fig. 4 - Br. tridactylus L. (masc.) ad. - Corte sagital mediano - 1: Crus descendens primum; 2: Crus ascendens e 2a.: Crus descendens secundum; 3: Segunda crossa traqueal; 4: Bronquio dir.; 5: Crossa dea V. Azygus; 6: V. Cava. inferior. (foto. red. 1/3, Sra. I. EBSTEIN).



ABSTRACT

The author treats the relations of the thoracic parts of the trachea In Bradypus tridactylus L. and gives the resulta of examining thirteen specimens: '12 adulta (8 masc. , 3 fem, . 1 unknown sex) and one fetal female. immediately before birth. He describes the curves of the trachea in the thorax and fixes their topographic position relatively to the vertebras; he distinguishea one curve, the dorso-lateral concavation of which dies on the levei of the 9th vertebra, a first ventral-dorsal bow on the levei of the 7th vert. thor., a second one on the levei of the 5th vert. thor. and a third and last one on the levei of the eigth 8th vert. thor., which is followed by the bifurcations of the bronchiae.

The whole of the loops and their bows form a mass imbedded In the mediai surface of the right lungs postero-inferior quadrant, In which there exists a real nich. The author also studied the relations between the thoracic part of the trachea and the aorta and the esophagus; he, mentions and figures some pecularities observed In sagittal and transversal slices of frozen material of which the vessels had been injected.

Treating the relations of the mentioned aerian duct and the vena azygos, that is rudimentary in Bradypns (HOCHSTETTER, De BURLET, etc.), the author discusses the formation of an azygos-bow before the entrance ínto the vena cava superior. This bow goes around the second trachel arch.

Finally the author alludes to relations of this part of the trachea, with the vena pulm. which latter, contrary to WEBER observations crosses the first tracheal bow ventrally before reaching the hilus pulm. The opiniona of various authors, especially NARATH, BLUME, and LASILLA & MUSTAKALIO, concerning the morphological signification of the strange arrangement of this animais thoracal trachea are discussed.

DISCUSSÃO

Dr. R. Locchi - Nota o fato interessante de apresentar a Preguiça comum, uma serie de particularidades anatomicas que lhe são características; além da traquéa em S. Assim, esta especie de Xenartra possue 9 vertebras cervicais, um estomago complicado, um orifício diafragmatico comum para a aorta e o esofago, uma ossificação endocraneana prehiprofisaria, descrita pela primeira vez pelo Prof. BOVERO, etc., tendo sido mesmo dito ser este animal um exemplo de "lusus naturae"; acrescente-se um faties especial lembrando o dos Simios, entre os quais era colocado pelos antigos. E' emfim curiosamente pregiçoso, mas com muitos movimentos não tão lentos como se supõe; arborícola por excelência, não guardando porém a posição pendurada no repouso, como geralmente é figurado, mas sentada e enrolada (Luederwaldt, 1918) ; animal quasi exclusivo da nossa Fauna e que bem merece a atenção dos pesquisadores.




(*) - Comunicação á II Semana de Oto-rino-laringologia de S. Paulo; 10-7-36.
(**) Assistente do Departamento de Zoologia

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial