Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 415 a 423

 

OBSERVAÇÕES SOBRE A MUCOSA DA SUPERFICIE VENTRAL DA LINGUA HUMANA (*)

Autor(es): O. MACHADO DE SOUSA (Livre docente)

DEPARTAMENTO DE ANATOMIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE São PAULO
Diretor: Prol. A. BOVERO


As ,diversas formações da superficie ventral da lingua humana merecem, mesmo hoje, ser estudadas, visto que os conhecimentos sobre elas existentes são ainda incompletos.

De um modo geral, limitam-se os AA. a apontar o aspecto liso e a finura desta mucosa; a presença de um sulco sagital mediano, continuando posteriormente pelo frenulo; a existencia de duas saliencias laterais determinadas pelos musculos subjacentes, tendo na superficie varios apendices da mucosa, residuos mais ou menos atroficos da "plica, fimbriata" que é bem desenvolvida no feto e no recem-nascida. Finalmente, mencionam a dobra sublingual e descrevem as "papilas minimas", unicas que se encontram nesta face da lingua.

Afóra esta descrição sumaria, se encontram dados rivais extensos, apenas sobre uma ou outra das varias particularidades desta mucosa (aberturas glandulares, CUTORE; "plica fimbriata", GEGENBAUR). Todavia faltam em geral, salvo raríssimas exceções (plica fimbriata) quaisquer referencias á possibilidade de variação dependente de idade, sexo, raça ou typo constitucional, bem como á existencia ou inexistencia de simetria entre as formações desta mucosa.

Em vista do exposto, emprehendi um estudo sistematico da mucosa ventral da lingua humana, utilizando o abundante material colecionado no Departamento de Anatomia e que orça em cerca de 800 linguas de individuos dos dois sexos, de varias idades e de origem étnica diferente.

O ponto inicial desta pesquisa foi o estudo das "papilas especiais" descritas por CUTORE, principalmente no feto e no recem nascido e nas quais desembocam os canais excretores das glandulas linguais do grupo anterior (de BLANDIN e NUHN). Segundo CUTORE, que estudou sómente 5 línguas de adultos, tais "papilas" são constantes, visiveis mesmo a olho nu e se acham no sulco mediano ou aos lados deste.

No decorrer, porém, das minhas observações, feitas essencialmente em adultos, foi verificado que, ora uma, ora outra das particularidades desta mucosa apresentava aspectos não inteiramente correspondentes ao que geralmente se descreve. No entanto, estando este estudo ainda em andamento e visto o numero pequeno (118) de observações até agora feitas, pretendo apenas assinalar, algumas destas particularidades, sem apresentar dados estatisticos ou resultados de confrontos sob o ponto de vista de sexo ou de raça.


Primeiramente desejo fazer resaltar que o "sulco sagital mediano" cuja existencia é afirmada na face ventral do orgão em questão, só excepcionalmente foi encontrado. Ao contrario, é freqüentíssima a presença de uma crista sagital mediana, de altura maior ou menor, de extensão variavel, chegando ou não até a margem do apite lingual e que se continua aboralmente com o frenulo. (Figs. 1, 2 e 3 pm.).

Nesta crista ou "plica mediana", já assinalada por varias AA. (v. OPPEL), aparecem, em certas casos, varias intumescencias, com um orificio visivel mesmo macroscopicamente, onde se abrem canais excretores das glandulas linguais anteriores (Figs. 1 e 3, am). Em outros casos, esta. "plica, mediana" não é continua, porém formada pela sucessão longitudinal de varias saliencias de tamanho diverso, em que se nota uma depressão central, onde se abrem tambem condutos excretores glandulares, facto este sempre confirmado pelo exame microscopico. Estas saliencias correspondem ás aberturas medianas descritas por CUTORE ; entretanto, contrariamente a este A. não foi possivel encontrar, neste nivel, as "papillas" cercadas por um sulco que, por sua vez, seria delimitado por um valo ou orla mucosa.

Além destas aberturas glandulares medianas, foram tambem observadas outras, laterais, que se fazem igualmente ao nivel de saliencias papilares, conicas e bem elevadas (Fig. 2, ap). ; ou então, ao nivel de simples escavações delimitadas por uma ligeira dobra da mucosa, circular ou em crescente (Figs. 2 e 3, al). Entre as saliencias papilares laterais, do mesmo modo, não foi encontrada uma que fosse delimitada por um sulco e uma orla mucosa, como descreveu CUTORE.

A' parte as elevações diversas em que se abrem condutos excretores, existem na mucosa ventral da lingua humana outras que não têm qualquer ligação com tais condutos (Fig. 1, s). São estas de forma e de situação diversas;hemisféricas,oblongas ou agudos e recurvados,se acham aos lados da plica mediana ou do frenulo ou nas proximidades da plica fimbriata

Deixando de lado a questão da existencia de papilas linguais verdadeiras na face ventral do orgão, sobre que pretendo extenderme mais tarde, em trabalho definitivo, passo a assinalar alguns dos aspectos sob os quais se apresenta a "plica fimbriata", descrita geralmente como atrofica no adulto.

Pelo seu aspecto e pelo seu desenvolvimento, pode-se afirmar, como aliás já foi feito em alguns estudos ou anotações especiais

(GEGENBAUR, GIACOMINI, GRABERT, KUNITOMO e outros) a sua extrema variabilidade (Fígs. 1, 2 e 3, pf). Entre a sua falta completa, na verdade rara, e o seu Maximo desenvolvimento com aspectos varios, todos os graus de transição são encontrados. No seu estado mais rudimentar, esta formação se mostra como uma sucessão de tuberculos de forma e de tamanho diversos, alinhados em sentido postero-anterior e latero-medial, á meia distancia entre a linha mediana e a margem lateral da lingua.

Muito mais frequente parece ser, no entanto, a "plica. fimbriata" bem desenvolvida, cuja variabilidade é então dependente apenas da extensão das incisuras de sua margem livre. Assim, tanto se pode encontrar uma "dobra franjada" continua, de bordos levemente ondulados ou mesmo com franjas altas e mais ou menos finas, como pelo contrario, uma serie de franjas mucosas independentes umas das outras, como se fossem resultantes de incisuras profundas e largas, numa dobra continua.

Estes aspectos são bem proximos dos que se observam no feto e no recem-nascido e por isso não podem ser tomados como atroficos.

Tendo em conta que alguns AA. mencionam, aliás sem as descrever, aberturas de dutos excretores ao longo do bordo livre da "dobra franjada" e não tendo, nas minhas observações encontrado, macroscopicamente, tais aberturas, procurei num exame histologico, uma conclusão certa. Este exame, feito até agora, sómente em tres linguas de adultos, não me permitiu achar um só canal excretor abrindo-se no bordo livre da "plica, fimbriata". No entanto, permitiu-me um achado bem mais importante, qual seja o da existencia de botões gustativos ao nivel da "plica fimbrirata" da língua de adulto (Fig. 4).

Embora não possa ainda, em vista do pequeno numero de observações, dizer que se trata de uma. ocorrência absolutamente constante, creio poder afirmar que ela é freqüentíssima, pois que foi notada em todos os exemplares examinados, embora apenas Ires.

Estes botões gustativos, que aliás se distinguem facilmente, mesmo em preparados por colorações comuns, pelo seu aspecto, claro no seio do epitelio pavimentoso estratificado e pela sua carateristica forma de barril largo ou alongado, foram vistos por FONZO (1907), na "plica fimbriata" do feto humano.

Não seria forçoso, entretanto, que por isso elles existissem tambem no adulto, visto que, com a idade, dá-se uma regressão numerica de calices gustativos mesmo nos lugares onde eles são permanentes (orgãos valados, orgãos foliados). Tal observação, de facto, parece ainda não ter sido feita no adulto.

O presente achado, importante do ponto de vista puramente morfologico, indicando uma extensão maior da zona lingual onde se encontram gemas gustativas, representa tambem uma base anatomica para certos dados experimentais sobre a gustação ao nivel da face ventral da lingua do adulto.

RESUMÉ

O. MACHADO DE SOUSA - OBSERVATIONS SUR LA MUQUEUSE DE LA SURFACE VENTRALE DE LA LANGUE HUMAINE.

L'Auteur expose les résultats partiels d'une étude systématique en train de se faire, sur quelques particularités de Ia muqueuse qui couvre la portíon libre de la surface inférieure de la langue humaine.

Sans présenter encore les données statistiques sur les différentes particularités, ni les indications sur les éventuelles variations iadividuelles, raciales sexuelles et d'âge, il s'occupe surtout de la présence d'un pli sagittal médían à la place du sillon généralement décrit; de 1'existence de tubercules, dana lesquels viennent S'ouvir les conduits excréteurs des glandes linguales du groupe antérieur; aussi bien que d'autres tubercules sans liaisons aves ces conduits; Il se réfère aux aspects variés sous lesquels apparait Ia plica fimbriata, signalant qu'il n'a pas vu des canaux excréteurs, finissant au bord libre du pli et, finalement, il nous fait remarquer le fait jusqu'aujourd'hui pas encore décrit dana l'individu adulte, de l'existence de bourgéons gustatifs au niveau du pli frangé de tous les índividus examinés microscopiquement, ce qui indique s'agir, sinon d'une occurrence absolument constante, au moins, extrèmement fréquente.

DISCUSSÃO

Dr. Paula Santos - Eu me permitiria pedir a V. Excia., Sr. Presidente, ficasse assinalada na sessão de hoje a brilhantíssima e numerosa contribuição da notavel escola do Prof. Bovero, que deu, com documentação científica, importante, prestigio e realce à nossa Semana de especialidade.

EXPLICAÇÃO DAS FIGURAS



Fig. 1 - Fotografia da mucosa ventral da lingua de mulher, egra de 15,1/2 anos



Fig. 2 - Fotografia da mucosa ventral da lingua. Homem, japonês, 22 anos.



Fig. 3 - Fotografia da face ventral da lingua de um negro de 39 anos.



Fig. 4 - Microfotografia da "plica fimbriata" da lingua de um homem branco de 76 anos, mostrando um botão gustativo. Aumento 150x.



INDICAÇõES GERAIS

Pm - "plica mediana"
pf - "plica fimbriata"
am - aberturas glandulares medianas
ap - aberturas glandulares laterais em papillas
al - aberturas glandulares laterais sem papillas
a - saliencias sem aberturas glandulares

Faltam 421 - 424




(*) - Comunicação à II Semana de Oto-rino-laringologia de S. Paulo; 7-7-86.

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