Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 403 a 413

 

ALÇA SUPRAHIOIDÉA DE HYRTL OU QUIASMA PERIFÉRICO DO NERVO HIPOGLOSSO (*)

Autor(es): O. MARCONDES CALASANS (Assistente)

DEPARTAMENTO DE ANATOMIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Diretor: Prot. A. BOVERO


Uma anastomose entre os nn. hipoglossos, situada acima do osso hioide, entre os mm. genioglosso e geniohioideo, é apenas lembrada de passagem e de modo uniforme pelos Tratados mais extensos de Anatomia, sob a denominação de alça suprahioidéa de Hyrtl.

Vista pela primeira vez por COOPEMANS (v. ROMITI, 1899) depois por BACH (1835) e ARNOLD (1860), citados por TESTUT (1911) e HOVELACQUE (1927), foi mais tarde (1865) descrita por HYRTL (cit. por ROMITI, HOVELACQUE etc., v. tambem Anat. Jahresberichte 1866), sob cujo nome esta anastomose é habitualmente lembrada nos Tratados em que ha, alem dos já referidos de ROMITI e de HOVELACQUE, uma descrição mais ou menos extensa dos nervos craneanos e que nos foi possivel consultar KRAUSE, CUNÉO in POIRIER, CHARPY, PIERSOL, VALENTI, TESTUT, FUSARI, LUNA, etc. ). CUNÉO (1901), diz que BECK teria constatado a anastomose entre os nn. hipoglossos, uma vez em 10 individuos.

E SZABADFOLDY- (1867, cit. por ROMITI, e CUNÉO ; consulte tambem Anat. Jahresberichte 1868) teria verificado não uma anastomose entre os dois nervos, mas apenas filetes do n. hipoglosso que atravessando o septo lingual se distribuem aos musculos do lado oposto.

Pesquizas sistematicas sobre esta formação foram realizadas em 1886 por PICCININO (v. ROMITI e Zool. Jahresberichte 1886) o qual teria encontrado 13 vezes a anastomose suprahioidéa em 100 cadáveres examinados, fritando que ella ocorreu com frequencia relativamente grande em alienados (5 vezes em 13 individuos).

São estes os nossos conhecimentos, ao menos pelo que podemos julgar pela literatura consultada sobre a "alça suprahioidéa de Hyrtl", sendo para se notar que muitos Tratados nem mesmo lembram a existencia desta formação, o que aliás se verifica. tambem em Memorial outras em que são particularmente encaradas as anastomoses do XII par com os nn. cervicaes, como a de HOLL (1876), BETTI (1896), BASTOS MONTEIRO (1921), SOARES SERRANO (1921), MENEZES SILVA (1922), VINELLI BAPTISTA (1925), ALVARO RODRIGUES (1929), etc. Tambem nas repetidas descrições feitas por FRóES da FONSECA (1914, 20, 22) de um caso excepcionalmente raro, (v. tambem RIBET, MORAND, etc. 1930) de anastomose entre o IX e o XII par, em Negro adulto, não ha referencias á anastomose de que nos ocupamos neste momento.

Aproveitando a coleção de linguas humanas do Departamento de Anatomia, de individuos de diversas nacionalidades e raças, encetamos uma serie de pesquizas afim de verificar a frequencia e as diferentes modalidades da eventual anastomose entre os nn. hipoglossos nos varios grupos étnicos.

Resolvemos tambem estender as nossas observações para outros Mamiferos, considerando particularmente os animais da fauna local, material este até agora, segundo nos parece, absolutamente não utilizado para este fim.

As linguas humanas que estudamos foram obtidas de 121 cadaveres de adultos: 83 masc. e 38 fem, assim distribuidas : 52 de individuos brancos, 34 de negros, 11 de pardos, 21 de japoneses e 3 de índios. Além destas, examinamos tambem as de 9 pares de gemeos e as de 3 fetos trigemeos, ao todo 21 linguas de fetos e recemnascidos.

As linguas de outros Mamiferos, em numero de 100, foram retiradas de animais das seguintes ordens: Marsupialia, Rodentia, Carnivora, Artiodactyla e de Primates.

Encontramos a alça anastomotica com a seguinte frequencia em os diversos grupos etnicos : 7 vezes em 52 individuos brancos, 2 vezes em 34 pretos, 2 em 11 pardos, 1 em 3 indios.

Portanto, verificamos 12 vezes esta formação em 121 linguas humanas de adultos, isto é, em cerca de 10% das nossas observações. Relativamente aos japonezes, não notamos nem uma só vez esta anastomose em 21 linguas dissecadas. Quanto aos 21 fetos e recemnascidos vimos a alça 4 vezes em 2 pares de fetos gemeos; em um outro par apenas em um individuo, e ainda uma outra vez em um dos 3 trigemeos. Segundo nossas pesquizas parece ser a alça anastomotica relativamente frequente para os fetos gemeos, pois a encontramos em 28% das linguas estudadas.

De um modo geral, podemos dizer que o ramo anastomotico de um lado nasce do contorno inferior do nervo do XII par, mais ou menos ao nivel do segmento medio da face externa do m. hioglosso; cruzando depois o bordo anterior deste musculo se dirige transversalmente para dentro entre os mm. geniohioideo e genioglosso ou de modo mais raro, na espessura do geniohioideo, indo se fundir como o ramo homologo do lado oposto formando assim a alça suprahioidéa. Variavel de caso a caso quanto a sua grossura, mas sempre bem visivel nas nossas preparações, esta anastomose se prende quasi sempre á face superior do geniohioideo, passando mesmo por baixo da fascia deste musculo (Fig. 2), ou excepcionalmente (1 vez sobre 12 línguas com alça anastomotica) ao bordo posterior do genioglosso (Fig. 1).

Em muitos casos se observa em ambos os lados, que o ramo anastomotico, logo após a sua origem no XII par, ao nivel da margem anterior do m. hioglosso, fornece 1 ou 2 filetes que vão se perder no m. geniohioideo (Fig. 2, rc) nelle penetrando junto ao seu bordo lateral. E' no ponto de origem destes filetes colaterais que o ramo anastomotico, mudando bruscamente de direção voe transversalmente ao encontro do homologo do lado oposto, como aliás já foi mencionado acima. Afora estes ramos colaterais não se observam outros nascendo da alça suprahioidéa.

Entre as 100 linguas de Mamíferos por nós cuidadosamente dissecadas só vimos a alça entre os Primatas (19 linguas observadas) a saber, num M.rhesus, num Alonatta e num Hapale.

No Alouatta e no Hapale a anastomose é, como era de se esperar, filiforme, mas bem visivel. No primeiro (Fig. 3) encontramo-la situada entre o m. genioglosso, ao qual adere, e a face superior convexa do corpo do osso hióide que nestes animais é abastante desenvolvido, apresentando uma cavidade em comunicação com o endolaringe e funcionando como aparelho de ressonância ; da convexidade desta alça anastomotica partem raminhos colaterais que vão se terminar no bordo posterior do m. genioglosso. No Hapale, á alça (Fig. 4, ch) se acha entre o m. genioglosso e o m. geniohioideo e preza a este musculo, e no rhesus se apresentou muito delgada e colocada na espessura do m. geniohioideo.

A presença, ainda que como variedade, da anastomose entre os dois mi. .hipoglossos, se presta a algumas considerações de ordem geral.

Neste momento limitamo-nos a fritar que entre os Mamíferos, parece que tal disposição só se verifica nos Primatas e no Homem. Seria pois uma variedade ou carater morfologico classificavel, segundo LOTH, de genético, pois só a notamos entre os Simios, ou si quizermos caráter progressivo, por existir, conforme nossas pesquizas, sómente no apice da escala dos Mamiferos.

Do ponto de vista pratico lembramos que sendo o n. hipoglosso, nervo motor da língua, apezar de suas anastomoses com outros nervos na região cervical poderem lhe fornecer contingente sensitivo, é possível supôr-se a passagem de fibras motoras de um para outro lado, através desta alça suprahioidéa.

Sobre o valor funcional desta anastomose claro é que não podemos nos pronunciar. Lembraremos apenas que o suposto cruzamento motor poderá talvez interessar o clinico em casos de lesão unilateral do tronco do hipoglosso. Mas deixando as possíveis aplicações praticas a quem de direito, concluímos fazendo notar que

1 - A alça entre os dois nn. hipoglossos existe no Homem na proporção de cerca de 1 para 10, percentagem esta igual a observada por BECK e bastante proxima da encontrada por PICCININO.

2 - Parece não haver diferenças quanto a frequencia e a sua disposição entre o grupo dos brancos e o de negros e mestiços. Relativamente ao de japonezes chamamos a atenção para o facto de não a termos visto uma só vez em 21 línguas examinadas.

3 - Quanto aos outros Mamíferos, a alça aparece apenas nos Primatas.

E finalmente, esta alça anastomotica, por analogia com diversas formações nervosas e particularmente com o "quiasma gustativo periférico", ao nível dos orgãos valados no Homem e em Oguns Mamíferos, estudado (em 1914) por VASTARINI CRESI, bem merece o nome de quiasma periférico do nervo hipoglosso.

RESUMÉ

O. MARCONDES CALASANS - LE CHIASME SUPRAHYOIDIEN DU NERF HYPOGLOSSE.

L'Auteur étudie une anastomose entre les nerfs hipoglosses, eituée en haut de 1'os hyoide, entre les muscies géniohyoldien et génioglosse

Son matéríal se compose de 121 langues humaines d'individus adultes, 21 de foetus jumeaux et nouveau-nés et de prèa de 100 langues d'autres mammifères, appartenant auz ordres suivants: Marsuplalia, Xenarthra, Rodentia, Carnívora, Artiodactyla et Primates.

Il rencontra le chiasme en 1'Homme, dana Ia proportion de 1 pour 10, et 11 dit ne pas avoir remarqué des différences quant au pour centage et son disposition entre le groupe d'individus blancs et celui des nègres et mulatres. Rélativement aus autres mammiféres 11 n'a pas vu cette formation que chez lea Primates.

EXPLICAÇÃO DAS FIGURAS



Fig. 1 - Fotografia da face interior da lingua. OBS: 666 J. H. (masc.) branco 51 anos Yugoslavio. ch - quiasma periferico do n. hipoglosso aderente ao bordo posterior do m. geniglosso.



Fig. 2 - Fotografia da face interior da lingua. Obs; 414 C. F. (fem.) branca, 30 anos, Brasileira. O quiasma periferico do n. hipoglosso se acha recoberto pela fascia deste musculo.



Fig. 3 - face inferior da lingua. Alouatta (masc.) jovem Tam. natural - b face superior convexa do corpo do osso hióide.



Fig. 4 - Face inferior da lingua (Aumentada de um quarto Hapale adulto).



INDICAÇÕES GERAIS

XII - n. hipoglosso
gh - m. geniohioideo
mg - m. genioglosso
ch - quiasma periférico do nervo hipoglosso
rc - ramos colaterais do quiasma periférico do n. hipoglosso.




(*)Comunicação á, Segunda Semana de Oto-rino-laringologia de S. Paulo; 6-11, VII, 1936.

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