Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (1º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 367 a 372
ENSAIOS DE MORFOLOGIA DOS CORNETOS ETMOIDAIS EM NEGROS E MULATOS E EM FETOS GEMEOS
Autor(es): RENATO LOCCHI Livre docente
DEPARTAMENTO DE ANATOMIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Diretor: Prof. A. BOVERO
Considerando os rarissimos dados da literatura sabre a morfologia dos cornetos etmoidais em grupos humanos de individuos de côr, eu me propuz estudar sistematicamente este assunto, examinando as fossas nasais de 50 cadaveres (1) (100 lados) de Negros e Mulatos brasileiros, jovens e adultos (28 masc. e 22 fem.). Por outro lado, tendo em vista tratar-se de orgãos variaveis em numero e conformação, procurei ver se existiriam ou não diferenças em pares Gemeos, aproveitando para isto a coleção do Laboratorio de Anatomia de São Paulo.
Para a primeira parte destes meus ensaios pesquizei : o numero dos cornetos etmoidaes, o comportamento das formações do meato médio ("promontorio" de ZOJA e "processus uncinatus") e a frequencia da pneumatização do corneto etmoidal inferior.
Dados sobre o "numero dos cornetos etmoidais em Negros" pode-se dizer que não existem; vem apenas repetida, aqui e ali, uma antiga asserção de HYRTL (1846), de que no Negro os cornetos etmoidais são, de regra, em numero de três. Muito provavelmente tal afirmação de HYRTL se refere ao exame do esqueleto das fossas nasaes, desprovido das partes molles, pois ela vem expressa a proposito das variedades do osso etmoidal. Isso devesse ter presente, porque não está isento de erros um eventual confronto de dados colhidos de material com e de material sem a mucosa nasal "in situ", como observa tambem AUGIER (1931). E é por isso que procurarei fazer a comparação com os resultados dos AA. que, como eu, se serviram de material com partes molles, principalmente aqueles citados por LOTH (1931), que por sua vez salienta justamente o interesse de um estudo do "numero" dos cornetos etmoidais nos varios grupos étnicos.
Pela condição do material por mim examinado considero-o num grupo unico, sob a denominação de "Negros" mais ou menos puros, compreendendo individuos tidos como "Negros" e os chamados "Mulatos" ou mestiços de Negros.
0 numero dos cornetos etmoidais variou de 2 a 3. Em 19 individuos (11masc. e 8fem.) havia 2 cornetos etmoidais bilateralmente; em 27 (14masc. e 13fem.) notei 3, ainda em ambos os lados. Em cada uma das 4 restantes observações (3masc., 1fem.) havia 3 cornetos etmoidais de um lado, 2 do outro. São assim 42 lados com 2 cornetos etmoidais e 58 lados com 3 cornetos etmoidais.
Comparando com a minha a percentagem encontrada para outros grupos estudados, resulta logo que não é possivel falar, com segurança, de diferenças dependentes de fator étnico, como se deduz da seguinte tabela:
Sobre a "pneumatização do corneto etmoidal inferior (nasal médio)" apenas encontrei uma afirmação de SOEMMERING (1785), que diz ser a mesma normal no Negro. Observei celulas pneumaticas no corneto etmoidal inferior somente em 2 casos (fem.) dos dois lados, em um só á direita ( masc. ), em um outro só á esquerda (masc.). Ao todo são 6 lados sobre 100 e isto se aproxima da percentagem dada por GRUNWALD (6,8%), afastando-se da de BERGEAT (in GRUNWALD), que encontrou a pneumatização em 18%, sendo esta excepcional em "anderen Rassen". Não poderei comparar os meus resultados com os dados de P. SCHAEFFER sem muita reserva, pois este A. indica coma denominação de "cellulae conchales" as do corneto etmoidal inferior, "agger nasi" e "pr. uncinatus", dando o numero global de 11%. O mesmo SCHAEFFER cita LOTKROP, que teria encontrado 9% dos cornetos etanoidais inferiores com celulas.
O "promontorio" (ZOJA) ou "bulia ethmoidalfs" (ZUCKERKANDL) ou "torus lateralis" (GRUNWALD) e o "processos uncinatus" são em 8 individuos e de ambos os lados, de volume mais acentuado que o normal, salientando-se ambos, ou só a "bulla", ou somente o "processos uncinatus", no meato comum, abaixo ou adiante da margem livre do corneto etmoidal inferior. Em 2 destes casos, bilateralmente, ambas as formações estão completamente a descoberto do corneto etmoidal inferior (corneto nasal médio).
Não excluo, naturalmente, que possa neles haver hipertrofia da múcosa correspondente, ou em alguns, pelo menos, dos 8 casos, o que determina a figura de "bulla" e de processo unciforme muito grandes, factos aliás já de ha muito conhecidos (KAUFMANN, GRÜNWALD, HAYEK, etc.) ; todavia devo dizer que nos meus casos ha sempre um substrato ósseo, pneumatizado ou não, mais saliente que de habito, como a indicar um grao de "desenvolvimento" mais acentuado de duas formações consideradas como "rudimentares".
A este respeito recordo que os conhecimentos que temos da anatomia comparativa e :da embriologia dos cornetos nasais nos põem de sobreaviso quanto aos perigos de uma facil classificação, de uma determinada disposição, como "primitiva" ou "regressiva". Do ponto de vista pratico, o especialista lembrará a possibilidade da presença de uma formação em corneto "supranumerario", como assinala MENZEL (1931, 1934) o que não deverá ser confundido com um estado propriamente patologico.
Algumas vezes, ainda no meu material (3 casos) o processo cunciforme se prolongava posteriormente, lembrando assim um "corneto supranumerario do meato médio" (MENZEL).
Na literatura encontro referencia a um especial volume da "bulla" nos Negros: BERGEAT (in GRUNWALD) fala de grandes bulas nelles, de tal modo que em 75% dos casos estas podiam ser vistas por diante.
Do exame das três questões acima consideradas, posso logo concluir que não ocorrem diferenças apreciáveis do ponto de vista étnico, entre os Brancos e os Negros e Mulatos aqui estudados.
Para a segunda parte das minhas observações, examinei 20 pares de fetos gêmeos, de varias idades, dos quais alguns certamente monovulares. Tanto nestes como nos biovulares, o 141. numero e a disposição dos cornetos etmoidais eram iguais nos pares correspondentes; entretanto pude notar, segue, diferenças mais ou menos acentuadas nos detalhes, como por exemplo, diversidade de extensão, de acentuação, de direção de um meato, ou acentuação e extensão de um sulco acessorio, etc. O mesmo vale para a comparação "em espelho".
O plano fundamental dos cornetos etmoidais pois, coincide plenamente nos fetos gemeos, sendo as diferenças demonstraveis só nas minucias; facto alias que se repete, como é sabido, para outros pontos da Anatomia dos Gemeos, e cuja explicação se prestaria a comentarios de que me dispenso neste momento.
RESUMÉ
R. LOCCHI - ESSAIS PRELIMINAIRES SUR LÁ MORPHOLOGIE DES CORNETS NASAUX DANS LES NÈGRES ET MULATRES, ET POETUS JUMEAUX.
En considérant les données três limitées et dispersees enrégistrées sur la morphologie des corneta nasaux dano les groupes humains non européens et, en vue de contribuer à la vérification de l'existence ou non de différences ethnlques, à ce sujet, 1'Auteur a initié des recherches systhématiques, examinant, jusqu'à ce moment, 46 cadavres de nègres et mulatres, jeunes et aduites des deux sexes.
L'A. a etudié particulièrement la Numéro des corneta ethmoidaux, la disposition des formations du méat moyen (promontoim de Zoja et processas unciforme) et Ia pneumatisation du cornet ethmoMM inférieur.
Comme résultat générale 1'Auteur conclut à la noa existente de différences claires dana les points étudiés, entre ce qui'i1 a rencontré dana Ies nègres et mulatres et ce qu'on connait pour les autres groupes etheiques; et celà contrairement à ce qui fut consigné pour quelques auteurs qui donnent pour les nègres, une plus grande fréquence de certains caractères classifiés comine primitives (numéro plus grand dez corneta, grande bulla, etc.).
Pour mleux dévélopper soa argumentation, 1'Auteur a passé, en rapide revue, l'anatomie comparative et le dévéloppement des corneta nasaux.
Il appella l'attention des praticiens pour la poeeibilité de présenter, si bien que rarement, un processus unciforme três salient, un cornet rudimentaire, ce qui peut être confondu avec un état pathológique du méat moyen.
Dana Ia deuxième partle de se. communication, l'Auteur e traité de la reseemblance et différence des corneis en foetua gemelles uni et blovulaires, en faisant quelques commentaires.
DISCUSSÃO
Dr. Sanson - Desejo salientar a belíssima exposição do dr. Locchi. E' de hontem, na especialidade, a perseguição sistemática aos cartuchos. Os trabalhos do dr. Locchi vêm, mais uma vez, acentuar que o estudo da anatomia é fundamental na nossa especialidade.
(1) O numero de casos estudados, que era de 46 no fazer a comunicação, foi elevado para 50 no decorrer da 2.ª semana de Oto-rino, motivo pelo qual os dados de frequência correspondem ao total de 50.