Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 4  - Julho - Agosto - (20º)

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 146 a 150

 

A PROPOSITO DE UM CASO DE FIBROSARCOMA DO PALATO (*)

Autor(es): ANTONIO CORRÊA (**)

O presente caso, embora não esteja completamente resolvido, É apresentado afim de mostrar aos colegas alguns aspectos de interesse na terapêutica dos tumores malignos.

OBSERVAÇÃO

Resumo: V. W. B. V. de 25 anos, branco, do sexo masculino, comerciario, foi matriculado em 7-6-944 no Instituto Arnaldo V. de Carvalho sob n.° 289.

Conta que foi operado de sinusite maxilar bilateral em Setembro de 943, com sucesso. Há tres meses notou aparecimento de um tumor no palato e na gengiva atribuindo á irritação produzida por uma dentadura mal ajustada. Trouxe exame histopatologico feito pelo dr. Cassio Montenegro, revelando fibrosarcoma.

Ao exame notamos uma lesão tumoral azulada na região media do palato duro, e outra menor na face vestibular da gengiva superior à direita, assim como abaulamento do assoalho da fossa nasal do mesmo lado.

O exame radiografico mostra opacidade do antro maxilar direito e do assoalho da fossa nasal direita (dr. M. Leonel).

Dado o caracter difuso do tumor, e o caracter histopatológico, enviamos o paciente á seção de Roentgenterapia, (Dr. Roxo Nobre) onde foi submetido á uma serie de 29 aplicações, em 2 campos externos, num total de 7.250 r, em 34 dias, utilisando 180 Kv., 15 Ma, 1Cu+1A1,e 40D.

No fim de 4 meses, após a irradiação, notamos a regressão completa do tumor, permanecendo ligeiro abaulamento do assoalho da fossa nasal direita.

Decorridos mais 3 meses, houve recidiva tumoral no palato. A radiografia mostrou os antros maxilares livres (Dr. Secaf).

O paciente foi examinado mensalmente, e assim pudemos anotar que decorridos 11 meses após a roentgenterapia, houve um acentuado abaulamento do assoalho das duas fossas nasais e da região media do palato duro.

Fez-se uma 2º serie de Rx, num total de 7.250 r, em 2 campos externos com tecnica semelhante a anterior.

A regressão tumoral foi muito pequena após esta 2.° serie, e quatro meses depois verificou-se mesmo extensão para o sulco gengival esquerdo superior.

A conselho da seção de Roentgenterapia o paciente foi submetido a um 3.° tratamento tendo recebido mais um total de 6.000 r, em 2 campos externos.

Como após 15 dias não houvesse regressão do tumor, e o estado geral do paciente fosse satisfatorio, resolvemos intervir, sem perda de tempo.

Naquela ocasião a radiografia mostrava opacidade subtotal dos seios maxilares (Dr. P. A. Toledo).

O paciente foi internado na Clínica O.R.L. da Faculdade de Medicina (Hospital das Clinicas), onde após tomar penicilina, e ser submetido a uma alimentação equilibrada, rica em vitaminas, fizemos a exerese cirurgica do tumor, sob anestesia geral.

Constituiu a intervenção em: (a) Resecção subtotal do palato duro, delimitando com bisturi eletrico, em tecido são a lesão tumoral. Eletrocoagulação de todos os bordos da ferida operatoria. Durante a intervenção notamos que o tumor havia destruido o tecido osseo, de modo que o paciente ficou com uma vasta comunicação entre os antros maxilares e fossas nasais de um lado e a cavidade bucal de outro.

A peça enviada para exame histopatológico revelou ser um sarcoma fibroblastico (Dra. Maria L. Mercadante) .

A alimentação foi feita por meio de uma sonda nasal, fornecendo-se ás calarias, vitaminas e sais minerais de modo equilibrado.

Quinze dias, depois da operação, fizemos eletrocoagulação do tecido de granulação suspeito de recidiva, ao nivel dos ossos palatinos, e 10 dias depois foi enviado ao serviço do Rxt. do Hospital das Clínicas, (Dr. Costa Pinto) e feita a 4.ª serie de Rx, num total de 7.080 r, em 2 campos externos, com a seguinte tecnica: 400 Kv, 5 Ma, 3 1/2 Cu + 1 Al, 70 D, 240 r.

Embora o paciente estivesse internado, em repouso e bem alimentado, apresentou ligeira queda do estado geral. Notamos reações edemato-poliposas da mucosa dos antros maxilares, assim como aparecimento de lesões ulceradas com exsudato fibrinoso; todas elas de caracter inflamatorio conforme verificações histopatológicas.

O dentista do Hospital (Dr. Bustamante) fez uma protese palatina provisoria, aproveitando porções do processo alveolar direito e esquerdo que foram conservados. Deste modo o paciente poude se alimentar pela boca e falar um pouco melhor.

Decorridos 4 meses da operação e 3 meses da 4 º serie de Rxt., apareceram nodulos tumorais suspeitos no bordo do septo nasal, cujo exame histopatológico mostrou se tratar de recidiva (sarcoma fibroblastico - Dra. Maria L. Mercadante) .

Fizemos uma pequena resecção parcial do septo nasal, seguida de eletrocoagulação, ao nível da recidiva e enviamos á Rxt.

Foi feita 5.ª serie de Rx, num total de 5.100 r, em 2 campos externos usando a seguinte tecnica: 200 Kv, 15 Ma, 2 Cu + 1 Al, 50 D. 260 r. Não havia hipertrofia dos ganglios regionais, o hemograma revelou um bom estado geral, e uma radiografia toracica nada revelou de anormal.

Em Outubro de 1946, houve nova recidiva no septo nasal verificada por exame histopatológico.

Fizemos nova intervenção sobre o septo nasal: - ablação subtotal do tecido osseo e cartilaginoso e excisão do tecido são com bisturi eletrico.

Foi colocada uma protese palatina definitiva que permitiu ao doente sair do Hospital, e dedicar-se á sua profissão.

Temos examinado o paciente, mensalmente, e são decorridos 7 meses da ultima intervenção, sem que haja sinais de recidiva da neoplasia.

Resumindo o presente caso, diremos, que o paciente esteve sob nossos cuidados em tratamento, durante 2 anos e 1 mês, recebendo uma dose total de 32.680 r, (Rx) e submetendo-se 4 vezes a intervenções cirurgicas.

Para controle do caso necessitamos de 6 exames histopatológicos, 3 exames radiograficos, e o auxilio de um protetico, para correção da sequela operatoria.

Consideramos o caso clinicamente curado, mas que deve continuar sob controle mensal. O paciente só terá alta definitiva, segundo o conceito estabelecido em cancerologia, ó por nós seguido, depois de 5 anos de manutenção da cura. sem recidiva local e sem metastases.

CONSIDERAÇOES

O presente caso presta-se ás seguintes consideracões:

(a) Raridade do sarcoma do palato - conforme estatistica do Memorial Hospital (New-York) e do Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (S. Paulo).

Hayes E. Martin relata que entre os anos de 1929 e 1936, passaram pelo Memorial Hospital, 103 casos de tumores do palato, entre os quais, 93% eram malignos. Estes eram constituidos por carcinomas epidermoides (82% , adenocarcinomas (16% ), melanoma (1 caso) e miosarcoma (1 caso).

Entre 1929 e abril de 1947, foram registrados cerca de 45.000 doentes no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho. Pela - remodelação do fichario e criação de um arquivo central, no ano de 1944, pudemos verificar que nestes ultimos 3 anos, foram registrados 39 casos de tumores do palato, para cerca de 10.000 pacientes matriculados no Instituto, neste periodo. Dos 39 casos, 5 não tem exame histopatológico, e 1 deles é um tumor benigno (hemangioma).

Entre os 33 casos restantes (malignos), haviam carcinomas epidermoides (27 casos), adenocarcinomas (3), endotelioma, (1 caso), reticuloma maligno (1 caso), reticulohistiocitoma (1 caso), naevicarcinoma (1 caso) e 1 caso cle fibrosarcoma que é este por nós relatado.

(b) Radiosensibilidade do tumor - apesar da sua extensão, desapareceu quasi totalmente após a 1.ª serie de aplicações para, em seguida, tornar-se cada vez mais resistente à esta terapêutica.

Daí a necessidade de aproveitar-mos a primeira oportunidade e utilisarmos a dosagem maxima, enquanto o tumor está. mais sensível ás irradiacões.

(c) Apesar das doces intensas e repetidas de rx, conseguiu-se manter um bom estado geral do paciente, pela hospitalização, repouso, e conveniente regimen dietético.

(d) Necessidade do emprego das diversas modalidades terapêuticas - roentgenterapia, cirurgia, eletrocoagulação, de acordo com o caso especial, de cancer e rigoroso follow-up.

(e)Controle do caso por meio de exames repetidos, e terapêutica precoce, sempre que possivel, após exame histopatológico.

Donde a necessidade de uma equipe de médicos dedicados a este ramo da medicina, trabalhando em conjunto e em colaboração.




(*) Trabalho apresentado na Secção de O. R.L. da A. P.M. no dia 17-5-47.
(**) Assistente da Clinica O.R.L . da Faculdade de Medicina. Especialista do Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (Inst. do Radium).

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