Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 4  - Julho - Agosto - (19º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 138 a 145

 

A CIRURGIA REPARADORA DA RETRAÇÃO DA PIRAMIDE NASAL (*)

Autor(es): Dr. A. DUARTE CARDOSO (**)

A retração da piramide nasal, deformidade encontrada em nosso meio com certa frequencia, resulta de lesões destructivas de certos elementos do nariz como cartilagem e ossos do septo, ossos proprios do nariz e respectiva mucosa.

As infecções responsaveis por esse tipo de deformidade são mais comumente a lues e a leishmaniose, embora tambem a determinem o lupus e a lepra.

Gillies classifica as deformações sifilíticas do nariz em 3 grãos: no 1.° grão uma pequena destruição do septo e da respectiva mucosa, ocasionou o pequeno afundamento do dorso que se chama usualmente nariz em sela; no 2.° grão houve destruição maior do septo e mucosa, podendo tambem ter havido destruição parcial dos ossos proprios. Com a cicatrização dessas lesões ha retração da piramide nasal, resultando em que desaparece a projeção normal da piramide e a pele se dobra para dentro. Quasi sempre está presente uma grande dobra horizontal cujo vertice está fixo ao bordo do orifício piriforme e ha tambem ás vezes dobras verticaes nas azas; no 3.° grão a lesão atingio a pele perfurando-a, ocorrendo então a destruição parcial ou total da piramide nasal.

As deformidades do nariz sifilítico do 1.° grão (nariz em sela) e do 3.° grão (destruição total da piramide) estão fóra do ambito de nossa palestra, nela só nos ocuparemos da retração da piramide nasal (nariz sifilítico do 2.° grão).

Já dissemos que a leishmaniose pode determinar deformidade semelhante. A diferença está no fato da leishmaniose ter tendencia a invadir as areas visinhas, daí resultando com frequencia associação da retração da piramide com atresia dos orificios das narinas e cicatrizes da pele da propria piramide nasal ou de areas vizinhas.

TRATAMENTO

Não será demais frizar que é imprescindivel que as lesões causadoras da deformidade estejam completamente cicatrizadas ao se iniciar a reparação. Para evitar recidivas locais será conveniente preceder a reparação por uma serie de injeções da medicação especifica assim como vigiar posteriormente o possivel reaparecimento das lesões.

A retração da piramide nasal é causada pela destruição do revestimento interno e do aparelho de sustentação da piramide nasal, para se obter a correção da deformidade é pois necessario depois de ressecar a cicatriz que o retráe, proporcionar novo revestimento interno e novo aparelho de sustentação.

Para conseguir esse objetivo Gillies criou a seguinte tecnica: sob anestesia loco-regional, pratica-se incisão no sulco labio-gengival superior indo do primeiro pre-molar de um lado ao do lado oposto, prossegue-se dissecando para cima até cair na cavidade nasal. Aí, por meio de tesoura, destaca-se a pele fixa ao rebordo do orificio piriforme e ao que resta do septo nasal, resseca-se em seguida o tecido cicatricial e prossegue-se a dissecção até um centimetro além dos limites da piramide nasal.

Estando a pele da piramide perfeitamente mobilizada e livre, tampona-se o orificio piriforme e se introduz, pela incisão inicial massa de modelar dos dentistas esterilizada pela fervura e deixada a esfriar até o ponto de modelagem, em quantidade suficiente para preencher toda a cavidade e com manobras externas modela-se a peça de maneira que o nariz adquira sua forma normal.

Espera-se então que a peça esfrie e depois retira-se da cavidade nasal.

De uma região desprovida de pelos, como a face interna da coxa, retira-se um enxerto de Ollier-Thiersch, preferivelmente em um só pedaço e de tamanho suficiente para cobrir toda a peça e cola-se por meio de adesivo cirurgico como o Mastizol de modo que a superficie cruenta fique voltada para fóra. A peça assim recoberta é novamente introduzida na cavidade dissecada e imobilizada nos dentes ou em dentadura previamente preparada.



Paciente do 1.° caso em que foi praticada a operação de Gillies, antes c alguns dias após a operação.



A peça é assim deixada por 10 dias findos os quaes é retirada e após a limpeza e curativo, recolocada ou se necessário substituída por outra em secções. Os curativos são feitos em dias alternados. Duas semanas após é feita a peça definitiva de vulcanite ou paladon que o doente usará permanentemente pois substituirá o aparelho de sustentação do nariz, destruido pela lesão.

Praticamos a operação de Gillies em um paciente do Serviço de Cirurgia Plastica da Santa Casa, portador de um nariz sifilitico do 2.° grão.

O resultado imediato foi otimo, entretanto as dificuldades sobrevieram logo nos primeiros curativos. A abertura praticada no sulco labio-gengival começou a se retrair nos obrigando a reduzir progressivamente a peça para tornar possivel sua passagem e como consequencia o nariz começou a se retrair por falta de sustentação suficiente. A retração da abertura bucal atingio tal ponto que não era mais possivel colocar uma protese de tamanho util. Nessas condições pretendiamos ampliar cirurgicamente a abertura do sulco labio-gengival mas o paciente desinteressou-se em prosseguir o tratamento.

Vemos assim que o ponto fraco da tecnica reside na dificuldade de manter no sulco labio-gengival a abertura necessaria à passagem periodica da prótese de sustentação nasal. Alem disso é desagradavel ao paciente ser obrigado ao uso permanente de uma protese no interior da cavidade nasal.

O volume de Cirurgia Plastica e, Maxilo-Facial, que faz, parte da coleção dos Military Surgical Manuals publicados em 1942, apresenta uma tecnica de Ferris-Smith em 3 tempos para esse tipo de reparação que em linhas gerais é a seguinte 1.° tempo incisão começando na parte superior do sulco nasolabial junto á aza do nariz, rodeia a aza e prossegue horizontalmente logo abaixo da margem inferior da narina e base da columela, uma incisão identica do lado oposto vem se unir na linha mediana á primeira.

Atravez essa incisão o terço inferior do nariz é levantado dando ampla abertura para as fossas nasaes, permitindo um perfeito descolamento da pele e resecção da cicatriz endo-nasal. É feito então o molde de godiva como na tecnica anterior e recoberto com enxerto que o autor aconselha seja de espessura intermediaria, (portanto mais espesso que o recomendado por Gillies). A peça é colocada em posição e a incisão suturada. Imobiliza-se por 10 dias findos os quais a incisão é reaberta (2.° tempo) para a retirada da protese e novamente suturada. Os curativos posteriores são feitos atravez as narinas, mantendo-se sempre as fossas nasaes tamponadas com gaze iodoformada para servir de aparelho de sustentação provisorio (tenho preferido em lugar da gaze seca embebe-la em uma pomada á base de oleo de figado de bacalháo e sulfanilamida). Prossegue-se com curativos até obter a cicatrização total da cavidade nasal (5 a 6 semanas) após o que se pratica o 3.° tempo: incisão longitudinal na columela e atravez dela dissecção entre a pele do dorso do nariz e o enxerto, creando-se um espaço até a raiz do nariz. Dissecção da columela para baixo até a espinha nasal anterior. Retirada de uma quantidade suficiente de cartilagem da 7.ª ou 8.ª cartilagem costal e enxerte de um fragmento grande indo da raiz á ponta do nariz e um menor na columela. Sutura da pele e imobilização por uma semana.

No mesmo livro figura uma tecnica que o autor chama de combinada e na qual se emprega a tecnica de Gillies quanto á incisão inicial e á tecnica do enxerto, mas após os 10 dias de imobilização a peça é retirada e abandonada, passando-se a fazer os curativos pelas narinas e tambem o tamponamento de sustentação, enquanto a incisão inicial no sulco labio-gengival é abandonada fechando, geralmente, expontaneamente. Finalmente quando tudo está cicatrizado é feito o enxerto de cartilagem.

Temos 2 casos tratados com sucesso por esse metodo chamado combinado.

Empregamos a incisão de Gillies nos 2 casos e feita a dissecção montamos enxerto de Ollier-Thiersch na peça de massa de moldar previamente confecionada na forma aproximada da cavidade e provida de um cabo metalico para facilitar a retirada e a fixação. Essa peça foi amolecida na agua quente na ocasião da operação e adatada á cavidade por manobras externas. Imobilizada com o enxerto por 10 dias foi retirada após esse prazo e passamos a fazer curativos em dias alternados atravez das narinas. Para manter a piramide deixavamos o nariz tamponado com gaze embebida em pomada á base de oleo de figado de bacalháo e sulfanilamida.

No primeiro deles (J. M. A.) tratava-se de lesões causadas por leishmaniose. Nesse caso usamos para sustentação uma inclusão de vinilite em lugar de cartilagem. A operação final foi realizada 6 serranas após o 1.° tempo. Empregamos uma tira unica de vinilite angulada a quente na região da ponta do nariz. Demos alta a esse caso em 9 de Julho de 1944, 2 meses após a ultima operação e dele não tivemos mais noticia.



Paciente do 2.° caso em que foi usada a tecnica combinada de Gillies_Fcrris Smith. A sustentação foi obtida por inclusão de vinilite.



3.° caso em que foi usada a tecnica combinada. Para sustentação foi usado o enxerta de cartilagem autogena.



No 3.° caso empregamos para sustentação o enxerto de cartilagem em dois pedaços, um para o dorso e outro para a columela e fizemos a junção na ponta por meio de um ponto em U com fio inabsorvivel abrangendo a pele e os 2 fragmentos de cartilagem e amarrado sobre a pele da ponta sobre um rolete de gaze. Retiramos esses pontos 48 horas depois da operação. O enxerto de cartilagem. foi feito 25 dias após o 1.° tempo operatorio e a alta foi dada 20 dias após a ultima operação. A doente foi novamente vista 5 mezes após e as condições se mantinham inalteradas.




(*) Apresentado à Secção de Oto-Rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina na sessão de 18 de Abril de 1947.
(**) Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital N.S. Aparecida. São Paulo.

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