Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 3  - Maio - Junho - (15º)

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 109 a 111

 

MEGAESÔFAGO E ELECTROCARDIOGRAMA (*)

Autor(es): J. PINTO DE MOURA - Cardiologista
GUEDES DE MELO FILHO - Otorrinolaringologista

A. T. C. F., 26 anos, branco, brasileiro, solteiro, trabalhador de lavoura, natural de Batatais, residente em Paulo de Faria (Estado de São Paulo), filho de brasileiros, fichado sob o numero 45.018, em 3-3-1944, na Clinica de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier.

Queixa - Há 21/2 anos, dificuldade progressiva ao trânsito alimentar ao nível do esôfago, sendo forçado a beber, abundante líquido para auxiliar a descida do bolo alimentar. Fêz vários tratamentos, sem lograr êxito e últimamente submeteu-se a estomia gástrica temporária julgada necessária por um cirurgião, diante da impossibilidade da alimentação pela via natural. Traz chapa radiográfica feita em 16-12-1943, com o diagnóstico de megaesôfago (Dr. A. Carlos de Souza). Queixa-se também de ligeira dispnéia em cem metros de nível, mais acentuada durante o esfôrço (subida) e de palpitações com inicio e terminação abruptos.

Antecedentes pessoais - Impaludismo.

Exame - Paciente em acentuado estado de hiponutrição; mucosas bem descoradas; focos dentários. Faringo-laringoscopia: nada digno de nota.

Radioscopia do esôfago - Pronunciado estreitamento do cárdia, com grande dilatação do esôfago; líquido de estase em grande quantidade. Não há imagem de lesão ulcerosa ou neoplásica. Diagnóstico: megaesôfago (Dr. H. Nascimento).

Esofagoscopia - Tubo 45 cmus x 0.12. Abundante liquido de estase, exigindo repetidas aspirações; grande luz do esôfago na bolsa de estase; mucosa esofágica descorada no conjunto e espessada na zona de dilatação. Cateterismo fácil do cárdia (sondas ns. 20 e 22).

Aparelho digestivo - Cicatriz cirúrgica dá parede abdominal; abdome muito abaulado, acentuado timpanismo.

Sistema nervoso - Reflexos rotulianos quase abolidos.

Aparelho circulatório - ('P. Moura) Ictus à direita da linha hemiclavicular esquerda, no 5º intercosto esquerdo; ritmo cardíaco regular com frequência de 78 batimentos; desdobramento, da 2.ª bulha nos focos da base, e abafamento da 1.ª bulha nos focos da ponta; sôpro sistólico leve na ponta, sem propagação; estado normal das paredes arteriais. Pr. arterial: mx 8 e mm 4 (hipotensão). ECG (em 10-3-44): bradicardia sinusal com frequência de 55 batimentos cardíacos por minuto. - Leve desvio do eixo elétrico à direita. Leve entalhe na onda P. - PR com duração de 0.14" - Espessamento e alargamento de QRS - Onda SI profunda - ST2 ligeiramente côncavo - Onda T3 difásica.

Radiografia do coração - normal (Dr. H. Nascimento) 11-3-44.

Diagnósticos: (Am. Heart Ass.)

etiológico: anemia-megaesôfago-hipotensão arterial;

anatômico: doença mitral (sôpro, sistólico - P com entalhe);

fisiopatológico: bloqueio do ramo direito do feixe de His. - bradicardia sinusal.

Após alguns dias de tratamento pre-operatório (sôro glicosado, vitaminoterapia, extrato de fígado, analépticos), o paciente é internado na Clinica de ORL do Instituto Penido Burnier e, em 1G-3-44, é subinetido a, dilatação, súbita do cárdia pelo balão de Silva Guimarães.

Sob observação radioscópica, obtem-se boa localisação do aparelho e dilatação uniformemente cilíndrica com 180 cc. de líquido. Mantem-se a dilatação durante alguns minutos; Dores relativamente bem suportadas. A seguida operatória não apresenta acidentes. Dieta líquida nas primeiras 24 hs Alta do hospital 48 hs. depois, não mais se queixando o doente de embaraço ao trânsito alimentar, o que é confirmado pela radioscopia, feita m 18-3-44: "pronunciada dilatação do esôfago, havendo passagem franca da contraste pelo cárdia. Não há estase. A imagem do cárdia apresenta diâmetro de, mais ou menos 1 cm. Estômago desviado para o ipocôndrio D., havendo à sua esquerda grande bolha de gás e, logo abaixo, enorme massa tumoral ligeiramente rádio-opaca (mega-colon). Na fossa ilíaca D. aparecem alças intestinais contendo ainda o contraste empregado no exame anterior há oito dias." ( Dr. H. Nascimento).

As alterações cardiacas no megaêsofago já têm merecido numerosos estudos, sendo valiosa a contribuição ao assunto trazida pelos trabalhos da Escola Brasileira. Etzel foi o primeiro a cogitar do estudo sistemático do ECG nos casos de megaêsofago, tendo verificado em 70% alterações diversas. Jairo Ramos acentuou o contraste entre a boa capacidade funcional do coração, a normalidade da área cardíaca e a gravidade das modificações do traçado elétrico, admitindo que tais alterações se relacionariam ao acometimento dos plexos nervosos intracardiacos e não à lesão do miocárdio. Paulo Toledo admite como patogenia a associação das lesões do sistema intra-mural do coração e da própria fibra miocárdica.

Em trabalho posterior, Jairo Ramos, em colaboração cora Oria, assinala também, como fator patogênico, a miocardite intersticial discreta, provavelmente secundária à destruição dos plexos atriais e ventriculares. Alinham-se os dois últimos autores as observações verificadas: "bradicardia em 47.06%, hipotensão sistólica e diastólica, ausência de alterações da pressão venosa, ausência de alterações na velocidade da circulação, ausência de alterações auscultatórias caraterísticas, nenhuma alteração evidente da área cardíaca, alterações da forma da onda P do electrocardiograma, aumento de duração do complexo QRS, desvios do eixo elétrico, alterações da onda T, lesões no âmbito do metassimpático cardíaco (tipo crônico)."

Além dos trabalhos de Etzel, Paulo de Toledo, Jairo Ramos e José Oria, citemos o de Oscar Monteiro de Barros, Alberto Ferreira e Armando Cordeiro que verificaram alterações cardíacas no ECG por bloqueio A-V. total e fibrilação auricular, e o de Vasconcelos e Botelho, que observaram esteatose degenerativa elo próprio coração.

O nosso caso confirma as observações de Jairo Ramos e Oria: área cardíaca normal; bradicardia sinusal; leve desvio à direita do eixo elétrico; bloqueio do ramo direito, caracterizado pelo aumento do tempo de condução intraventricular com onda S 1 profunda e alargada; tempo de duração normal de PR e fraca amplitude da onda T.

(*) Nota apresentada a 28.ª Reunião de Cardiologia, Junho 1945, Rio de Janeiro.

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