Versão Inglês

Ano:  1955  Vol. 23   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Revista das Revistas

Páginas: 109 a 114

 

AS ALGIAS FUNCIONAIS DE ORIGEM TEMPORO-MANDIBULAR

Autor(es): GIOVANNI FALEG

A presente nota tem por fim chamar nossa atenção sôbre alguns aspectos da patologia temporo-mandibular, em correlação com as alterações funcionais desta articulação. Pertencendo o problema a nossa especialidade, não creio que seja de todo inútil ilustrar-se um quadro sintomatológico que se observa com certa freqüência na prática.

Trata-se de doentes que pela sua cefaléia vagam de consulta em consulta, os quais se submeteram às mais variadas terapêuticas, nos quais o oftalmologista corrigiu a visão, o dentista extraiu algumas raizes dentárias, o endocrinologista curou um desequilibrio glandular, sem resultado algum. São aquelas cefaléias que GODIN de maneira sugestiva chamou de "Cefaléias dos especialistas".

A patologia funcional da articulação temporo-mandibular, foi precisamente enquadrada no ano de 1934 por COSTEN que descreveu pela primeira vez uma síndrome causada pelas alterações ou modificações das articulações temporo-mandibulares. Desta data em diante, numerosa literatura desenvolveu-se sôbre êste argumento nas revistas das especialidades óticas e odontológicas por Goodfriend, Prentiss, Harris, Sicher e Hennebert.

Éstes autores aceitando plenamente a realidade da síndrome oto-nevrálgica de origem temporo-mandibular, reconheceram como base patológica um defeito de posição desta articulação.

SEMIOLÓGICAMENTE a síndrome é representada atualmente pela seguinte sintomatologia:

1) Dôr surda na zona auricular com próprias e verdadeiras dôres nevrálgicas que se estendem ao frontal e ao occipital;
2) Zumbidos e algumas vezes vertigens;
3) Sensação de queimadura na língua, por vêzes acompanhada da sensação de plenitude do faringe;
4) Dôr a apalpação da articulação temporo-mandibular.

SINTOMATOLOGIA DOLOROSA TEMPORO-MANDIBULAR E SUA DISTRIBUIÇÃO TOPOGRÁFICA

A dôr articular surge mal definida, bastante enganadora pela não sistematização da sua topografia, mais vascular do que nervosa. Quase sempre unilateral, inicia-se por vêzes na região dos côndilo, adiante ou atrás da orelha, e se irradia próximo às regiões - temporal, protuberância occipital externa e ao lado do côndilo. Outras vêzes aparece como uma dôr que se localiza na orelha e se difunde em direção mastóidea, cervical posterior, malar e sub-orbitária.

Procuraremos ainda as dôres no território do nervo maxilar superior que simulam frequentemente um quadro sinusítico, ou difuso da região frontal, da raiz do nariz, das arcadas dentárias, ou localizadas em simples dente.

Tem-se, às vêzes, dôres profundas e lancinantes que nos podem fazer acreditar numa verdadeira nevralgia do trigêmio ou do glossofaríngeo. Em certos casos, por fim, assumem aspectos particulares com sensação de queimadura na língua (glossodinia), nos lábios, no palato, na parede lateral do farínge.

A insurgência destas dôres é muito irregular, são muito mais vivazes pela manhã ao despertar, atenuando-se frequentemente após os primeiros movimentos mandibulares, ou após a mastigação de substâncias fibrosas. Ausente às mais das vêzes a noite. Essas dôres aparecem por crises e são variáveis em duração e intensidade. Também a apalpação da articulação temporo-mandibular provoca dôr aos movimentos.

O EXAME RADIOLÓGICO da articulação temporo-mandibular praticado nos nossos pacientes e efetuado na projeção latero-lateral, excluiu diminuição do espaço articular, sinais de osteoporose dos côndilos ou modificações de seus contornos (espinhas osseas, erosões, etc) ; a forma do côndilo e suas conexões com o homologo do temporal são sempre de aspectos normais.

Não se observam distúrbios na engrenagem da articulação dentária, nem má oclusão, nem perda de dentes. Nenhuma alteração digna de nota foi observada ao exame otorrinolaringológico.

Foi nosso escôpo precisar êstes dados comuns a todos os nossos pacientes ainda que negativos para a discussão patogenético que se deverá seguir.

PESQUISAS SÔBRE A VASOMOTRICIDADE PERIFÉRICA

Entre as várias pesquisas praticadas nos nossos pacientes, merecem ser assinalados os valores obtidos na mensuração da pressão venosa em relação à pressão arterial, isto com o escôpo de individualizar um eventual componente vasomotor nas algias dêsses mesmos pacientes.

GODIN, de fato, reconhece em algumas cefaléias, uma base fisiopatológica de natureza angiospástica, e diz que, o fenômeno doloroso é a expressão de uma vasoconstricção periférica generalizada. Segundo o mesmo autor, tal método de pesquisa representa um teste objetivo e instrumental de notável importância e fidelidade, devido ao estreito paralelismo que existe entre algumas das, perturbação circulatória periférica e desequilibrio tensional.

Tal método de exame foi por nós adotado, devido ao grande valor que assume no reconhecimento do mecanismo fisiopatológico das algias funcionais de que nos ocupamos.

Adotamos para a mensuração da pressão venosa a técnica de Villaret, a qual consiste na medida direta com nanômetro de água de Claude, enquanto que, para a pressão arterial servimo-nos de um esfigmomanômetro de Riva-Rocci. As medidas foram repetidas 3 a 4 vêzes, retendo-se o valor médio das diversas leituras. Os nossos pacientes foram tratados exclusivamente com infiltração peri-arterial, empregando-se uma solução de Novocaina a 1 %, sem adrenalina, ligeiramente tépida, injetando-se 3 a 4 centímetros da dita solução no tecido celular subcutâneo da arteria temporal, evitando-se lesar a artéria.

As infiltrações eram praticadas inicialmente em dias alternados e sucessivamente aumentada a distância de tempo, até o desaparecimento da sintomatologia dolorosa e da contemporânea normalização dos valores das pressões venosa e arterial. Nos nossos casos a cura clínica foi conseguida depois de um mínimo de 10 infiltrações e um máximo de 15.

Na tabela que se segue, damos os valores pressores obtidos antes e depois do tratamento.



Estabelecido previamente que a pressão venosa em um indivíduo normal é aproximadamente igual em cm. de água à da máxima da pressão arterial, medida em cm. de mercúrio, os resultados obtidos na tabela acima, demonstram com evidência, um franco desequilíbrio entre as pressões venosa e arterial, com diminuição da primeira com respeito a segunda.

A primeira coluna da tabela indica os valores pressores antes do tratamento, e a segunda coluna da mesma corresponde aos valores pressores obtidos depois do tratamento, revelando em confronto a normalização das pressões venosa e arterial. O desaparecimento da sintomatologia dolorosa progredia à medida que o valor da pressão venosa aumentava progressivamente, até igualar os valores pressores, e contemporaneamente observava-se a cura clínica.

CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES

A importância dos dados semiológicos e clínico-terapêuticos acima expostos, consentem-nos fazer algumas considerações de ordem fisiopatológica para uma melhor interpretação do quadro mórbido observado nos nossos pacientes.

Em precedência aos estudos feitos por Costen e outros autores sôbre a síndrome dolorosa temporo-mandibular que acabamos de expor, ajuntaremos que, as contribuições sôbre o argumento foram numerosas, mas, com diversidade de opiniões no que diz respeito ao mecanismo patogênico.

Os vários sintomas da síndrome de Costen foram postos em conexão com causas - neurológicas, vascular e muscular. O próprio Costen e outros depois dêle, acreditaram que a base dos distúrbios acima referidos era devida a uma compressão da trompa, excitada pelo músculo pterigóideo externo.

Fizeram-se muitos estudos sôbre as relações entre a articulação temporo-mandibular e os nervos aurícula temporal e corda do tímpano, porquanto, pensava-se que uma compressão exercida diretamente ou por intermédio de outras formações anatomicas da zona, pudesse produzir a irritação de tais troncos nervosos e consequentes sintomas dolorosos.

BLOCK, julgava que na base dos distúrbios apresentados na síndrome de Costen, existisse uma erosão do teto da fossa glenoidiana, devida a pressão sôbre a lâmina timpanica da parte do côndilo, com consequente reabsorção da própria lâmina.

SICHER, enfim, negando todos os fatores chamados em causa para explicar o aparecimento da síndrome, afirma que, a ruptura do equilíbrio muscular, seguida da perda das relações normais entre côndilo e disco, e de uma agravação do movimento de deslisamento destas duas formações anatômicas sôbre o tubérculo articular, pode determinar a destruição do próprio disco e alterações degenerativas e proliferativas do côndilo e do tubérculo, formando um quadro bem definido de artrite deformante de origem traumática.

Não faltaram, enfim, aqueles que negaram de todo a existência de uma própria e verdadeira síndrome de Costen. Outros autores entre êles MELA e SACCO, admitiram que à má oclusão dentária era a causa principal da síndrome, devido ao grande número de indivíduos que dela eram portadores. Mais adiante admitiram que a má oclusão por si só não era suficiente para determiná-la, devendo necessariamente intervir outros fatores como o anatômico e o patológico. Que a síndrome dolorosa temporo-mandibular pode existir em indivíduos com boa oclusão dentária, provam os casos por nós apresentados.

Também a fisiopatologia da articulação temporo-mandibular durante a mastigação foi explicada de modo diverso. As pesquisas de FARABEUF, GALLOIS, DEBECQ, etc., não concordam sob o ponto de vista onde se efetua o maior esforço da mastigação; a maioria dos autores reconhecem, todavia, que seja a própria articulação a suportar todo o esforço da dinâmica mastigatória, deixando no menisco um rolo compressivo e elástico.

Certamente só a má posição dentária não é suficiente para determinar perturbações a distância, e o desaparecimento, às vezes, espontâneo, frequente e rápido sôbre o efeito de uma infiltração novocaínica peri-temporal parece confirmá-lo. Para se compreender esta intervenção, é necessário trazer à baila as leis formuladas por LAZORTHES, relativas às terminações dos nervos vasculares que se encontram em maior número ao longo de um segmento arterial, e que apresentam maior riqueza em colaterais na região onde a artéria costeia a articulação.

REIS, impressionado pela riqueza de inervação ele algumas artérias como a facial, a temporal superficial e a occipital, pergunta se não é ao longo destas que se localizam aquelas dôres chamadas comumente simpatalgiás faciais.

Além do fator neuro-vascular devemos reconhecer com justa importância o componente mecânico e o traumático na gênese das algias temporo-mandibulares. DECHAUME a êste respeito pensa que os traumas articulares, qualquer que seja sua importância pelos estiramentos cápsulo-menisco-ligamentosos incessantes que êles provocam, podem entreter uma discreta, mas, contínua irritação dos músculos articulares e do simpático peri-arterial, irritação que, por sua vez, gera os distúrbios reflexos a distância. Sôbre êste conceito se fundamenta a teoria neuro-vegetativa de ABELLO que acentua as reações vasomotoras que se manifestam mais ou menos intensas em correspondência com as formações articulares temporo-mandibulares, onde existe uma especial e rica inervação composta de elementos sensíveis a pressão e aos estiramentos.

Parece lógico, pois, reassumir num mecanismo neuro-vasculovegetativo a patogênese da síndrome dolorosa temporo-mandibular, observada nos nossos pacientes, e que, pela ausência constante das más oclusões dentárias se diferencia nitidamente da síndrome de Costen. Não se pode excluir, todavia, que o quadro funcional observado possa referir-se a uma fase inicial da doença quando os próprios distúrbios funcionais são susceptíveis de desaparecer sob uma terapêutica eficaz; mais ou menos lentamente podem instalasse em um segundo tempo, alterações articulares, das quais, todavia, é difícil precisar a natureza, dado que, excepcionalmente, é possível obter-se um exame macro ou microscópico.

O quadro sintomatológico por nós apresentado merece estar sempre presente entre os numerosos quadros dolorosos craneo-faciais, ao menos com o mesmo direito de tantos outros, devido ter um valor mais do que puramente descritivo, pois, baseia-se na realidade clínica dos dados semiológicos de certa consideração.

NELSON CKOCE - Adjunto Voluntário da Clínica Otorino-laringológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

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