Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 3  - Maio - Junho - (14º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 101 a 108

 

A OPERAÇÃO DA "FENESTRAÇÃO" DE LEMPERT, PARA O TRATAMENTO DA SURDEZ - (Resultado de sete casos)

Autor(es): DR. W. SALÉM

Rio de Janeiro

A operação de Lempert (1) foi um dos maiores passos dados até hoje, na cirurgia do osso temporal; foi a modificação da tecnica de Sourdille, feita em um só tempo, tornando mais praticavel, a cirurgia da Otosclerose.

A operação, de Lempert, no tratamento da surdez, não modifica em principio; a teoria classica da audição; nessa, se acredita, que a onda sonora passa através da janela oval, pelo movimento articulado dos ossinhos; desde.que haja anquilose do estribo, evidentemente aquele movimento deixa de existir, sendo esse um dos efeitos da Otosclerose.

Ora, a operação de Lempert, consiste precisamente em fazer urna nova janela oval, colocando nela um novo estribo, que tenha movimento; assim a operação consiste em abrir uma janela no vestibulo (2), e sobre essa janela (novovalis), coloca-se a cartilagem (como uma rolha na garrafa), tendo a mesma ação que o estribo, e como ele, tambem com motilidade (moble-stopple); de sorte que a onda sonora em vez de passar pela antiga janela oval, ela passa pela nova janela, através da cartilagem movel (novo estribo) indo impressionar os liquidos peri e endolinfaticos, que vão ter ao Orgão de Corti.

A Operação de Lempert, consiste destarte, em mudar de lugar, a janela e o estribo, que em vez de funcionarem normalmente no promontorio, vão funcionar dai em diante, um pouco mais para trás, isto é, no canal semi-circular externo.

A operação de Lempert não modifica a teoria classica da audição, apenas fornece outros orgãos em sitios diferentes.

A técnica em resumo, consiste no seguinte: Mastoideetomia parcial por via endaural, com conservação do ouvido médio, e do espaço epitimpanico; preparo do retalho do conduto e creação da nova, janela, no chamado " Vestibulo cirurgico", sem atingir o labirinto membranoso; colocação da cartilagem (3) sobre a nova janela.

Alguns, autores como Hall (4) preferem a via retroauricular outros como K. Day (5) realizam uma mastoidectomia muito economica.

A base fisiologica da fenestração do labirinto vestibular em otosclerose, é estribada em que o movimento da perilinfa e da endolinfa pela onda sonora está impedido, pela fixação da platina do estribo na janela oval.

Greenfield (6) relata, que a fenestração de Lempert, como é tambem chamada, é uma operação que requer muita habilidade por parte do cirurgião, que necessita, um grande treinamento previo da cirurgia temporal, e muito tempo de trabalho orientado por um mestre; ao lado disso, toda uma equipe treinada. Todos os tempos devem ser perfeitamente realisados, sem nenhuma falta.

OSTEOGENESE

O problema principal após a operação consiste em evitar o fechamento da janela, pela osteogenese. Por isso Lempert, imaginou colocar a cartilagem na janela, para evitar o seu fechamento.

Essas são as principais vantagens da cartilagem:

1.° - Faz o papel de um novo estribo.

2.° - Evita fechar a janela novovalis, por impedir a osteogenese.

3.° - Evita o traumatismo do Orgão de Corti ; previne a labirintite post operatória; pois a vertigem que se segue à operação, é apenas de alguns dias, e muito atenuada.

INDICAÇÃO PARA A FENESTRAÇAO

A operação da Fenestração de Lempert é indicada na "otosclerose clinica", como chama Morrisset Smith (7).

A indicação cirurgica, deve obedecer a determinadas regras; a condução aérea não deve estar abaixo de 60% na audiometria, e a condução ossea, isto é, as frequencias de conversação (512, 1024, 2048), não deve cair de 30%; com a formula acima, os resultados post-operatórios, são quasi sempre bons. O doente ganha em regra 30 decibeis, após a operação; assim quem tiver a perda de 60 decibeis, passa a ter a perda somente de 30 decibeis; com esta perda de 30%, fica o paciente apto a ouvir a voz normal de conversação.

Alguns casos abaixo de 30 decibeis, na condução ossea, Lempert, com surpresa, verificou otimos resultados. Assim tambem, nos casos de condução aérea, abaixo de 60% ; entretanto essa não é a regra.

Muito importante, é observar-se a não degeneração do Nervo; praticamente considera-se que a condução ossea representa o estado funcional do nervo coclear; entretanto é bem possivel que os atuais metodos de exames ainda sejam falhos; pois que há casos em que o individuo tem completa ausencia da audição, e entretanto escuta a voz normal falada, a uma distancia de um metro e meio.

Há casos em que o test audiometrico mostra uma perda de audição para a via aérea de mais de 35 decibeis para todas as frequencias, e o individuo só ouve uma voz de conversação normal, apenas a um metro.

Outros individuos, citados por Lempert, cuja perda de audição pelos tests audiometrícos, é mais de 60 decibeis para todas as frequencias, ele ouve entretanto a voz de conversação normal a 3 metros de distancia.

Isso mostra, que nem sempre a perda da audição em numero de decibel, está proporcional a perda de audição para a voz de conversação. Esses fatos, são um pouco desconcertantes, mostrando que o método de dosagem das vias aéreas e osseas, pelos instrumentos atuais, ainda é falho.

Na indicação para a "fenestração", também é importante a escolha do lado a operar. Quando ambos os ouvidos estão muito baixos, aquele que tem mais função coclear, deve ser o operado. Quando ambos os ouvidos têm a função ossea igual, o ouvido mais pobre em condução aérea deve ser o escolhido.

Em caso de zumbido de um lado sómente, ou mais de um lado, será operado aquele que tiver o zumbido, ou o ouvido que estiver pior. Segundo as estatísticas, a melhoria do zumbido é obtida em 95%, durante o tempo em que durar a melhoria da audição post-operatoria.

O tempo de duração do resultado post-operatorio será duradouro desde que:

1.° - A osteogenese não, oblitere a janela novovalis no labirinto vestibular.

2.° - O labirinto membranoso não seja afetado pela inflamação post-operatoria, causando lesão permanente do Orgão de Corti.

A Osteogenese pode fechar a janela novovalis de três a quinze mêses.

Segundo Schambaugh (8) a melhora da audição mantida por mais de dois anos após a operação da Fenestração, pode ser considerada como "quasi certo o resultado permanente" (x).

Lempert pratica a Fenestração sobre a copula do vestíbulo, porque aí o espaço perilimfaticco é mais profundo e portanto menos probalidade de se atingir o labirinto membranoso; e porque tambem, neste ponto a osteogenese é mais dificil de se produzir.





No recente trabalho de Schambaugh, já citado, este autor que já possue mais de mil casos operados, relata alguns detalhes de técnica que para ele, muito melhoraram os resultados post-operatorio da fenestração.

Uma das principais razões de insucesso da fenestração, é a labirintite serosa post-operatoria; estudos experimentais feitos em macacos, por aquele autor, demonstraram que a labirintite serosa post-operatoria é devido principalmente mais pelo efeito do sangue e soro que estravasam do retalho para dentro do espaço perilinfatico, do que pela infeção.

É muito importante a retirada da poeira de osso, que se forma na cavidade operada; daí o emprego daquele autor, da irrigação continua com a solução de Ringer, durante a operação.

Schambaugh, tambem usa o que ele chama "Head Frame" após a operação, com o fim de colocar a coclea do ouvido operado em posição superior à fistula, para prevenir assim a labirintite serosa post-operatoria.

Nos nossos casos, somente em dois, tivemos um estado vestiginoso que durou uma semana; em todos eles, fizemos uso de -cartilagem sobre a janela novovalis, assim como uma ligeira compressão do retalho com gaze parafinada.

A técnica que usámos foi a que vimos no serviço do Dr. Lempert, em New York durante os varios mêses em que lá trabalhámos.

Em um dos casos, houve uma paresia do facial, no dia seguinte a operação, tendo desaparecido completamente ao cabo de oito dias; esse aliás, foi o unico operado em que foi usada a anestesia geral, por gaz; todos os outros foi empregada apenas a anestesia local, e a anestesia base, recomendada por Lempert, isto é, dar ao doente duas horas antes da operação, dois comprimidos de Nembutal e dois centigramos de morfina, dividindo tudo em quatro vezes; depois anestesia local com Novocaina. Macio de Almeida e sua escola, emprega hoje nos nossos casos, o "TIONEMBUTAL", em mistura com o soro Glicosado, gota a gota por via venosa, em minima quantidade, com excelentes resultados.

Dos sete casos operados, quatro tiveram excelentes resultados; ganharam em media, trinta decibeis sendo que um, já operado há mais de um ano, continua ouvindo bem; dois tiveram algum resultado, ganharam quinze decibeis; e um não obteve resultado, tendo adquirido uma otite media catarral, três semanas após a operação, curando-se em seguida; em nenhum dos casos entretanto, houve labirintite secundaria, ou outra complicação qualquer; e este ultimo que não obteve melhoria da audição, tambem não, ficou pior do que já era antes de se operar.

Muito se terá ainda que trabalhar para o aperfeiçoamento da técnica da Fenestração.

Juan Tato, tendo chegado do Congresso Pan-Americano que se realisou em Chicago em Outubro de 1946, teve ocasião de dizer na Sociedade de Medicina e Cirurgia, sobre a modificação que o proprio Lempert apresentou de sua operação: Um mês depois de colocar a cartilagem, retira-a em um segundo tempo; colocando novamente o retalho sobre a janela novovalis; esta nova técnica está ainda em estudos, não havendo até agora, nenhuma conclusão a respeito.

Numa enfermidade como a otosclerose, em que antigamente nada se tinha o que fazer, hoje já se faz alguma cousa; só isso já demostra um grande merito da operação da Fenestração de Lempert; agora é questão de prosseguir aperfeiçoando.

Quanto tempo dura o efeito benefico da operação, dois anos, cinco anos, dez anos? Valerá à pena essa operação, por aquele espaço de tempo?

É Mosher, quem responde, no seu sútil espirito de sabio e artista: "Se Beethoven no seu tempo, tivesse se beneficiado da operação de Lempert, ainda que somente por alguns anos, quantas sonatas e sinfonias lindas, teria ganho a humanidade!"

RESUMO:

As complicações da operação de fenestração, estão reduzidas ao minimo, não havendo praticamente nenhuma complicação séria, post-operatória. Pode-se dizer que se obtem um resultado ótimo, em setenta por cento dos casos.

Acreditamos que, dentro em pouco, esses resultados, serão ainda melhores, com oi aperfeiçoamento técnico.

SUMMARY

The Author reviews the most outstanding works written in the last few years on "Lempert's fenestration operation".

He studies the physiologic basis of the operation and its results. Submitting seven cases operated according to Lempert's technique, he concludes as follows:-

"The complications of the "Fenestration operation" are reduced to their minimum, there being practically no serious post-operative complication. One may state that it is possible to obtain excellent results in seventy percent of the cases.

The Author believes that in a short time such results will be even better, under improvement of the technique.

NOTAS

(1) J. Lempert, Improvement of Hearing in Cases of Otoselerosis New one-stage Técnic. Arch. Otolaryng. 28: 42-97 (July) 1938.
(2) Lempert - Fenestra Nov-Ovalis: A new Oval Window for the Improvement of Hearing in Cases of Otosclerosis. Arch. Otolaryng. 34: 880. Nov. 1941.
(3) J. Lempert. Fenestra Nov-Ovalis with mobile-stopple. Arch. Otolaryng. 41: 1 Jan. - 1945.
(4) I S. Hall. the Fenestration of the labyrinth. J. lar. otol. London, 1945, 60: 200, cit. em Surg. Gyn. Obst. Abstr. 82: 266, 1946.
(5) Kenneth, Day. Appraisal of Fenestration. Arch. Otolaryng. 44: 547. Nov. 1946.
(6) Greenfield. Samuel. An Evaluation of the Lempert Fenestra Novovalis Operation. Arch. Otolaryng. 43: 25-Jan. 1946.
(7) Morrisset Smith. 85 cases of Fenestration. New York State Journal of Medicine. 44:16. Aug. 15. 1944.
(8) G. E. Schambaugh. Jr. The fenestration operation for otoselerosis. The jour. Am. med. Ass. 130: 999, april, 1946.
(x) Isso só se refere ao defeito de audição por anquilose otosclerotica do estribo, e não a perda por degeneração otosclerotica do nervo, ou por degeneração senil do nervo.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial