Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 3  - Maio - Junho - (13º)

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 97 a 100

 

ELOCUÇÃO DEFEITUOSA CORRIGIDA POR MEIO DE ENXÊRTO PALATINO DE CARTILAGEM AUTOGENA - DOCUMENTAÇÃO FONOGRÁFICA E APRESENTAÇÃO DE DOENTE (*)

Autor(es): J. REBELO NETO (**)

A ressonância nasal da voz humana é um fenômeno muito conhecido dos foniatras e frequentemente entra na cogitação dos cirurgiões plásticos, relacionada como está, com o tratamento das fissuras congênitas da cavidade bucal.

A rinolalia ou rinofonia conhece várias causas e tem sido ordenada sob algumas classificações. Destas, embora incompleta, pareceu-nos uma das melhores a de Sokolowsky.

Divide as rinolalias em três grandes grupos: 1.°) A rinolalia clausa orgânica, anterior e posterior e a clausa functionalis (posterior; 2.°) A rinolalia aperta, orgânica e functionalis e, finalmente 3.°) Mixta, anterior e posterior.

O falar fanhoso enquadra-se no segundo grupo, constituindo o mais típico dos sintomas do falar dos fissurados, especialmente os não operados.

Na prática, entretanto, nem sempre é facil descobrir-se a sede da dislalia, correndo-se o risco de classifica-la erroneamente e de encaminhar ao foniatra um caso que melhor estaria entre as mãos de um cirurgião.

Em Maio do ano passado tivemos ocasião de examinar o Sr. J. C., com 18 anos de idade. A consulta girava ao redor de uma voz cujo timbre era intensamente nasalado, quasi burlesco, contrastando vivamente com a sua aparência máscula e sombreando a sua vida sob um incoercivel complexo de inferioridade.

Antes da inspecção clínica supuzemos tratar-se de uma fissura palatina, tanto mais quanto havíamos, meses atrás, operado uma sua irmã de uma fissura congênita de toda a abóbada palatina.

Nenhuma malformação externa da face, septo nasal retilíneo, fossas nasais bem calibradas, sem exagerada ampliação para trás, mucosa bem corada, sem secreção. Lábios bem desenhados, dentes em bom estado de conservação, língua flácida e movel, abóbada palatina integra, veu longo, úvula carnosa, pilares normais. Em suma, nenhuma anormalidade.

Passando, porém a apalpação do palato duro verificamos a existência de dois pequenos entalhes ao, nível do bordo posterior das lâminas palatinas, dispostas paralelamente e junto à linha mediana.

Alternando o movimento de respiração profunda com a emissão da vogal A, A, A, A, isto é provocando o abaixamento e elevação do palato mole, confirmamos o achado anterior, ficando bem patente a presença de uma fissura óssea oculta, responsável pelo aumento de amplitude da câmara de ressonância retro-nasal e consequente rinolalia aperta.

O paciente fala com espressão mímica serena mas com uma certa timidez e lentidão, parecendo procurar evitar os vícios fonéticos.

Não ha, sôpro nasal, sendo normal a articulação das vogais e consoantes. A voz é monotona, apenas traindo um colorido geral permanentemente fanhoso, como se poderá notar ao passar o disco.

O tratamento teria a orientar-se visando o enrijecimento do diafragma buco-nasal, poupando a fina musculatura velamentar.

A intervenção foi executada em Maio de 1946 e, consistiu em praticar uma incisão; na fibro-mucosa palatina, de forma levemente curvilinea, com três centímetros de comprimento, quasi paralela à arcada dentária, dois milímetros para deante do bordo posterior das lâminas palatinas.

Separamos por dissecção a mucosa bucal da nasal, agindo cautelosamente para não perfura-las, creando uma bolsa de cerca de dois e meio centímetros de diâmetro; tendo como centro a falha óssea.

Esta bolsa foi cheia com fragmentos de cartilagem auricular, retirados, no mesmo ato, do próprio doente.

Alguns pontos separados com catgut atraumático muito fino. Nenhum penso protetor na bôca.

A operação, muito singela, como se vê, e executada com anestesia local, evoluiu sem incidentes, obtendo cicatrisação per primam.

Durante algumas semanas permaneceu una aspecto ligeiramente abaulado que aos poucos se foi tornando plano. Hoje sómente pela apalpação é possivel virificar a obliteração das falhas ósseas e a sua substituição por uma placa pouco elástica mas firme. Não se identifica a cicatriz.

A disfonia desapareceu totalmente desde os primeiros dias após a intervenção, seara reeducação fonética, e a normalização integral da elocução pode ser apreciada agora, comparando a leitura do mesmo teste gravado em disco antes dela com a que o enfermo, aqui presente nos vai fazer.

A voz nasalada constitue quase a regra entre os fissurados, operados em idade imprópria. Dentre 101.020 pessoas de ambos os sexos examinados por Voelker sob o ponto de. vista da elocução, encontrou apenas um fissurado palatino com voz normal. A regra é o fissurado falar mal, só melhorando por uma intervenção correta e una longo período reeducativo.

Uma das muitas razões invocadas para explicar essa dislalia, reside na dificuldade em dar ao palato duro cirúrgicamente constituido a solidez do palato normal. Daí o esforço de alguns cirugiões em completar o ajuste dos tecidos moles pelo enrijecimento a custa do esqueleto, constituindo a chateada uranoplastia óssea.Os primeiros trabalhos, orientados em 1826 por Dieffenbach sofreram modificações múltiplas e ainda ha nos nossos dias (Davis) quem recorra aos mesmos princípios. A mesma inspiração levou Coughlin a obliterar uma larga fissura palatina por meio de um tubo cutâneo, portador, numa das extremidades de um fragmento de cartilagem costal autogena. Outros pontos de mais fácil acesso foram lembrados, tendentes a diminuir a amplitude do naso-faringe (Rethi, Schönborn, Rosenthal, etc.)

A nosso ver, a melhor maneira de obter a solidificação do diafragma buco-nasal é operar a fissura muito cedo, atuando apenas sobre os tecidos moles, pois a tração sobre o esqueleto, exercida pela cicatriz, garantirá a aproximação das margens ósseas da fissura e sua fusão. Normalisada a amplitude da câmara de ressonância nasal, o timbre nasalado tende a desaparecer.

Discordando, embora de alguns Autores estrangeiros, costumamos concluir toda a cirurgia das fissuras buco-palatinas antes da demutisação.

E a observação prolongada dos operados cada vez mais nos convence de que temos razão.

BIBLIOGRAFIA

COUGHLIN, W. T. - J. A. M. A. 75:1781, 1920 - RETHI, A. - Monatschft f. Ohren 66:842.1932 - ROSENTHAL, W. - Zbl. Chir. 59:1190,1932 - SCHONBORN - Arah. Khn. Chir. 19:528,1876 - SOKOLOWSKY, R. - Zeit. Laryn,gol. Rhin. 20:537,1931 - VOEL-KLER, C. H. - Arch. Otolar. 38:113,1943.




(*) Trabalho apresentado em 17 de Março de 1947 à Secção de Cirurgia Plástica e Otorinolaringologia da Associação Paulista de Medicina.
(**) Membro da Academia Nacional de Medicina. Chefe da Secção de Cirurgia Plástica da Santa Casa de São Paulo - Brasil.

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