Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 13 a 19

 

CALCULO AMIGDALIANO (*)

Autor(es): FABIO BARRETO MATHEUS (**)

Achei interessante trazer esta observação ao conhecimento dos colegas, por ser uma afecção pouco encontradiça na clinica. Assim, Botey diz que em 5.000 casos de afecções das amigdalas, só encontrou um calculo.

OBSERVAÇAO: F. R., branca, brasileira, solteira, domestica, com 15 anos de idade, residente em Mauá.

Queixa-se de inflamações frequentes da garganta, acompanhadas de dores e febre. Ha um mês mais ou menos essas dores se tornaram permanentes, tendo, porém, desaparecido a febre. Sente dificuldade á deglutição e á fonação. Por veses sente picadas na garganta, com sensação de corpo extranho.

Exame geral procedido pelo clinico nada revelou.

Nariz: nada digno de nota.

Ouvidos: nada digno de nota.

Boca e faringe: Dentes bem conservados. Mucosa do faringe congesta, com algumas granulações na parede posterior. Amigdala D. com puz á expressão. Hiperemia edematosa do bordo do pilar anterior. Pilar anterior esquerdo distendido, com duas fissuras longitudínaes, mostrando uma superficie amarela e rugosa. Á exploração, feita com estilete, notamos consistencia petrea, e grande mobilidade.

O diagnostico de calculo se impunha e procedemos então a sua retirada.

Incisamos com tesoura a brida mais interna do pilar anterior (veja o esquema abaixo). Esta incisão libertou completamente o calculo, que foi então retirado com grande facilidade.

Com a retirada do mesmo encontramos apenas uma pequena quantidade de tecido amigdaliano como que comprimida na porção inferior da loja. A amigdala estava reduzida ao seu polo inferior.





O calculo, de cor amarelo acinzentada, tinha o tamanho de uma noz e apresentava uma superfície extremamente irregular.

Peso: 7 grs. e 80 centgrs.

Tamanho: comprimento, 21 milimetros; largura, 19 milímetros, espessura, 15 milimetros.

Exame quimico: Negativo para oxalatos, carbonatos e murexida. tendo sido positivo para os fosfatos. Neste grupo foi encontrado exclusivamente o fosfato de calcio.

Ao corte encontramos um nucleo poroso e marron. Este era recoberto por substancia branca, compácta, distribuida concentricamente, que na periferia tomava a tonalidade amarelada.

Quadro clinico e diagnostico: O diagnostico nem sempre é facil como este da nossa observação, pois na maior parte das vezes eles são intra amigdalianos e não dão sintomatologia, a não ser aquela, comum ás amigdalites cronicas com períodos de reagudisação.

A sintomatologia não está em relação com o volume do calculo. Algumas vezes os doentes queixam-se de sensação de picada na garganta e dores que se irradiam para o ouvido. A sialorréa não é rara.

Ha perturbação da deglutição pelo estreitamento do istmo (quando grandes) e pela diminuição da mobilidade dos musculos da deglutição.

A tosse, como no caso de Teliron, e a dispnéa, aparecem como perturbações reflexas. Bodenmuller observou um caso de asfixia. A voz pode perder a sua sonoridade.

Si o tamanho do calculo for exagerado, determina um aumento de tamanho do orgão e lhe dá uma consistencia capaz de nos fazer suspeitar de tonsilolito.





Algumas vezes uma cripta dilatada e explorada com um estilete pode nos informar da existencia do calculo pela sensação de dureza.

Entretanto só o encontro do calculo nos dará o diagnostico de certeza; e como eles são, via de regra, intra amigdalianos, talvez muitos casos tenham passado desapercebidos.

No nosso caso, assim como no de Rubin, o calculo era extra amigdaliano.

O primeiro caso de calculo registrado na literatura foi o de Lang, descrito em 1560.

Em geral são unicos e unilateraes.

Schwen encontrou cinco calculas em um só paciente.

Cita-se um caso de recidiva depois de 13 anos.

É mais frequente no velho e no adulto que no moço. O caso do paciente mais jovem foi descrito por Delie, uma menina com 11 anos de idade.

É mais frequente no sexo masculino.

Forma: Lisos ou rugosos com, arestas.

Cor: cinzentos, amarelos, verdes ou marrons.

Peso: muito variavel. Os mais pesados foram encontrados por Lange com 24 grs., e por Robertson (citado por Rubin) com 30 grs.

Ao corte esses calculos se apresentam quasi sempre em camadas concentricas. Bergman admite que essa disposição é consequente á coagulação dos coloides que vão então se depositando.

Via de regra apresentam um nucleo que é mais escuro, podendo, no entanto, algumas vezes ser substituido por uma cavidade.

Externamente a consistencia é maior do que internamente.

Exame quimico: Por calculo se compreende u'a massa sólida insoluvel na agua ou em sua solução mãe. Encontramos de 12% a 20% de substancias organicas (cistina, hemoglobina, muco e colesterina). O restante é constituido por saes mineraes, sendo o mais comum o fosfato de calcio. A seguir em ordem de frequencia vêm o carbonato de calcio e o fosfato de magnesio. O oxalato de calcio é mais raro, enquanto que os uratos e o ferro são excepcionaes. Apresentam, como se vê, uma constituição semelhante á do calculo salivar e do tartaro dentario.

PATOGENIA: Monro em 1811 foi quem primeiro procurou a interpretação patogenica para essa afecção:

Bozzi fez 450 autopsias e encontrou essa variedade de calculo em 5 casos. Eram todos unilateraes, com tamanho variando do grão de arroz ao grão de milho. Todos eram intra amigdalianos e estavam alojados em uma cavidade redonda, revestida de epitelio chato pluri estratificado, comunicante com a superficie faringéa da amigdala por um conduto com o mesmo revestimento da cavidade. Os calculos eram circundados por uma especie de capsula constituida de substancia amorfa.

Um coagulo sanguineo, puz, epitelio descamado, ou bacterias, podem ser o ponto de partida sobre o qual vae se depositando a substancia calcarea.

Laségue não crê no corpo extranho central, porque encontra calculos encravados em pleno tecido amigdaliano, e não na cripta; e porque têm sido observados tambem calculos na periferia da amigdala.

Lang acredita numa manifestação gotosa. Estes seriam então os calculos primarios (calculos de urato), pois os secundarios seriam consequentes a uma inflamação com posterior precipitação de fosfatos.

Green e Broca, comparam, pela sua semelhança, ao calculo salivar. Seriam secretados por glandulas do proprio orgão. Bozzi, no entanto, não encontrou comunicação entre essas glandulas descritas por Frey, e a cavidade continente do calculo.

Yearsley diz ter origem analoga á do tartaro dentario, isto é, precipitação dos saes da saliva. A deposição pura e simples dos saes salivares não convence, pois os calculos em geral são formados por saes não encontrados na saliva.

A saliva tem de 5 a 6 grs. de substancias solidas por litro. Destas, 2 grs. são de saes mineraes e o restante materia organica. O sal mais abundante é o cloreto de sodio e em seguida os fosfatos de potassio e sodio. Os calculos são constituidos por fosfato de calcio, carbonatos e oxalatos, não encontrados na saliva.

Parece-nos que modificações fisico quimicas são indispensaveis para favorecer a precipitação, e esta depende da relação entre o calcio e magnesio.

Para Gallipe os germens é que desempenham o papel litógeno. Sobre o nucleo microbiano, então, vão se precipitando os saes terrosos da saliva.

Cornill acredita que é o resultado de secreção de substancia anormal do proprio orgão.

A avitaminose A experimental em ratos determina uma. predisposição litogenica.

Walsham encontrou perolas epiteliais em amigdalas de adultos (3 casos: 27, 31 e 35 anos) e suspeita que essas inclusões embrionarias sejam a origem dos calculos.

Lacaze suspeitou da origem tuberculosa do calculo por ter encontrado lesão especifica de amigdala, identica à lesão pulmonar. A tuberculose coexistiu em casos de Paulalion, Gueneau de Mussy e de Rubin. Neste ultimo caso a radiografia dos campos pulmonares foi positiva enquanto que o exame de escarro foi negativo. Na amigdala foram encontrados apenas bacilos fusiformes e espiroquetas.

Ruault e Gampert afirmam ser a transformação rara do caseum em calculo.

Edward admite que os germens são os agentes do fenomeno quimico.

De Simone nega experimentalmente a origem parasitaria da calculose, enquanto que Ehrenfried obteve da superfície do calculo, o desenvolvimento de dois fungos. (Aspergilos.)

Meckel lhes atribue uma composição colesterinica, porem Mafeo, encontrou quantidade minima de colesterina nas amigdalas.

Costet admite uma diatese calculosa.

Concluimos com Bozzi que o processo cronico é indispensavel (origem inflamatoria). Ha então deposito de caseum e o orgão se esclerosa. Com a impossibilidade de expulsão instala-se então a calcificação que é um processo de defesa. Os componentes mineraes vêm, talvez, da saliva e os germens agem como catalisadores.

Tratamento: É exclusivamente cirurgico. Algumas vezes ha eliminação expontanea pelo esforço do vomito ou da tosse, como no caso de Curti.

RESUMO

O A. apresenta uma observação de calculo amigdaliano. A paciente, de 15 aros, queixava-se apenas de inflamações repetidas da garganta. Ao exame encontrou o pilar anterior esquerdo distendido com duas fissuras longitudinaes. mostrando uma superfície amarela e rugosa de consistencia petrea. O calculo foi libertado com uma incisão da brida mais interna. O peso do calculo foi de 7 grs. e 80 centgrs. e o tamanho era: comprimento 21 milimetros, largura 19 milimetros e espessura 15 milimetros. Ao corte mostrou um nucleo marron recoberto por substancia branca compacta concentricamente distribuida, tomando na periferia a tonalidade amarela.

A seguir passa em revista a etiopatogenia do tonsilolito concluindo com Bozzi: o processo cronico é indispensavel (origem inflamatoria). Ha então deposito de caseum e esclerose do orgão, instalando-se então a calcificação que é um processo de defesa. Os elementos mineraes vêm talvez da saliva, e os germes agem come catalisadores.

Nada encontrou a respeito na literatura nacional.

SUMMARY

The A. reports a case of calculosis of the tonsils. The patient, a 15 years old girl complained of recurrent sore throats. Upon examination the A. found the left anterior pillar distended, with two longitudinal fissures showing a yellow corrugated surface with hard consistente. The calculus presented the following characteristics:

Weight - 7 grs. 80 centgrs.

Size - length 21 mm., width 19 mm., thickness 15 mm.

Chemical analysis of the calculus showed that it was compound of calcium phosphate. The cut surface of the calculus showed a brown nucleus covered with a white compact substance of concentric distribution, taking a yellow hue at the periphery.

After rewiewing the etiopathogenesis of the tonsils, the A. conclude in accordance with Bozzi:

That the chronic process is indispensable in the genesis of calculosis of the tonsils (inflammatory origin).

Following the inflammatory process is formed a caseous deposit on the tonsils causing sclerosis of the organs. The next pathologic process is calcification of the caseum, this is a defense process.

The mineral elements that deposit on the tonsils are precipitated from the saliva; the germs of the buccal cavity act on this process as catalysers.

BIBLIOGRAFIA

1 - Beco R. - Calculo amigdalino. Semana Medica 30: 1.084. 1.923, B. Aires.
2 - Bergman. - Tratado de patologia medica. Tradução de L. Gironiz. Barcelona. 1.936.
3 - Bozzi E. - Calculo amigdaliano. Oto Rino Laringologia Italiana 2: 443-446, 1.932.
4 - Constantinesco M. - Calcuoi gigant de l'amigdale. Annales Oto Rino Laringologie pp. 714-716, Aug. 1.937.
5 - Courtade A. - Les Calculs de l'amigdale. Rev. Generale de clinique et therapeutique 12: 943, 1.898. Paris.
6 - Curti E. - Sul Calcoli della tonsilla. Gazzetta degli Ospedali. 35: 825, 1.914. Milano.
7 - Fioretti F. - Due calcoli in la tonsilla dirita. Valsalva 7: 581585, 1.931.
8 - Ries Centeno - Calculo de tamaño inusitado. Revista de la Assossiacion Medica Argentina 58: 34-35. 1.944.
9 - Rondoni P. - Compendio de Rio Quimica com aplicacion a la Patologia y al Diagnostico Ed. Labor 1.935.
10 - Rubin H. - Unusual large calculus. Laryngoscope 46: 376-379, 1.936.
11 - Walsham H. - Epithelial pearls in the tonsil. Lancet 1: 1.154, 1.899.




(*) - Trabalho apresentado à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-8-46.
(**) - Assistente do serviço de ORL. do Hospital N. S. Aparecida (chefe: J. E. Paula Assis).

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial