Versão Inglês

Ano:  1947  Vol. 15   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 08 a 12

 

A PENICILINA NO TRATAMENTO DO ABCESSO PERIAMIODALIANO

Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO

Rio de Janeiro

Trago a essa casa, senhor presidente, o resultado de nossas observações e a experiência que colhemos com a terapêutica da penicilina nos abcessos periamigdalianos. Não vamos descrever com pormenores todos os casos para não alongarmos nosso trabalho e tomarmos com repetições inuteis e enfadonhas o tempo precioso dos que nos ouvem. Conhecemos por demais o preparo destes e dos que nos lerão, para que não se detenham em ler descrições clássicas e sabidas de formas clínicas de anginas e abcessos periamigdalianos..Uma observação mais minudente será descrita quando necessária. Tão somente.

Podemos dividir os nossos pacientes, que foram em número de onze, em dois grupos. Todos adultos, de ambos os sexos, idade variando entre 18 e 40 anos. Todos de clínica particular o que facilitou bastante uma observação perfeita de maneira a tomarmos nota de todos os fatos ocorridos. No primeiro grupo, colocaremos aqueles em que ao sermos chamados não havia ainda clinicamente a formação de pús; era uma angina flegmonosa em evolução para o abcesso. Tomamos como ponto de reparo para aquela divisão, o desvio da uvula, como sabemos, sinal na maioria das vezes indicativo do processo celuliforme na angina flegmonosa, pois já temos visto que nem sempre o trismus acompanha aquele sintoma objetivo.

Do total de onze doentes, seis pertenciam a esse primeiro grupo, cinco ao outro. Nove eram de localização anterior, os restantes, posteriores. Quatro dos onze, já conheciam por recidivas os sofrimentos porque passa um doente com esta afecção, de modo que puderam dar informes seguros, comparativos, de real valor.

Os seis doentes do primeiro grupo foram todos puncionados para não ficarmos na dúvida da existencia da menor quantidade de pús, pois temos visto abcesso periamigdaliano, raro é verdade, sem desvio da uvula e sem trismus acentuado. Procuramos cercarmo-nos de todos os cuidados para fazermos experimentação tanto quanto possivel perfeita. Fato já verificado por nós anteriormente, quando do estudo do abcesso periamigdaliano e fibrinolisina, foi o observado que na eminência do abcesso, puncionado, a seringa aspira liquido soro-sanguinolento, já existindo a cavidade celuliforme, estando sómente o conteúdo dela nos primeiros tipos da gama do processo inflamatório. Daí, o achado que se verifica. Dos seis doentes puncionados, em três houve presença de liquido soro-sanguinolento e seroso somente em um. Os dois restantes nada apresentaram na seringa, estavam nos pródromos do processo inflamatório anterior ao celuliforme, mostrando ausência de exudato coletado, existindo somente os tecidos intensamente embebidos por ele, ainda franca a luta entre leucocitos e germes patogênicos.

Nos seis doentes de angina flegmonosa verificamos que a evolução do processo em três deles -não correspondeu ao esperado, houve um retardamento na cura às doses curativas da penicilina. O fenômeno mais notado, que se influenciou depois das primeiras doses injetadas foi a disfagia. Isto foi uniforme mesmo nos doentes com abcesso periamigdaliano. Temos a considerar que nesses primeiros casos atuavamos com doses de penicilina de 30.000 unidades cada três horas. 0 estado geral tambem melhorava. Resolvemos pois aumentar a dose de penicilina e diminuir o praso da injeção nos outros pacientes seguintes, os tres restantes do primeiro grupo. 0 resultado foi diferente. Com dose horas injetados 40.00 unidades cada duas horas as melhoras eram, acentuadas. A disfagia, o sintoma mais molesto, continuava a ser o mais beneficiado pela droga de Fleming, começando-se a notar a diminuição do volume do processo inflamatório da faringe. A deglutição era mais suportavel, e caso houve, de desaparecimento total da dor em dezeseis horas, isto é, ao fim de oito doses injetadas. Com 24 horas notava-se ainda algum edema dos pilares e pequena protulsão da amigdala, contrastando com o quadro típico observado 24 horas antes.

Num caso este contraste era mais chocante, o doente não se queixava de dor e o exame local mostrava pouca melhora no processo inflamatório. Em 48 horas evolveu o processo para o abcesso periamigdalino, mas já aí, os fenômenos inflamatórios mais da metade desaparecidos, pequeno desvio da uvula, sem disfagia. O doente não se queixava de dor à deglutição. Incisamos e um pús fluido saiu através da incisão sem o menor sinal de dor acusado pelo paciente. Tinhamos a impressão de termos aberto um abcesso frio.

Podemos concluir dizendo que a ação da penicilina nas anginas flegmonosas é bastante acentuada, atuando de maneira a evitar a marcha do processo inflamatório, diminuindo a dor ou fazendo-a em certos casos desaparecer, modificando o aspeto local da inflamação para melhor, atuando sobre o estado geral permitindo ao organismo reagir de maneira satisfatória.

Nos doentes de abcesso periamigdaliano clássico, com os seus dois sinais cordiais concludentes, isto é, o trismus e o desvio da uvula, tambem observamos fenômenos interessantes. Dos cinco desse grupo, dois já eram conhecidos de outras situações idênticas, tanto melhor. Poderiam dar-nos informes seguros e comparativos da mais alta valia.

Nesses cinco, tambem operamos como nos anteriores. Iniciamos o tratamento com doses de 30.000 unidades cada três horas, passamos depois para 10.00 cada duas e terminamos em dois com 50.000 de duas em duas horas; tendo dado a primeira dose de 100.000 dissolvidos em 3 cc. Todas as soluções eram feitas em soro fisiológico, doses de 2 cc. injetadas intramuscular. Empregamos as penicilinas de Park-Davis, Lily e Squibb, produtos que já tinhamos experiências de outros casos.

Vamos descrever em conjunto o que observamos nos cinco casas. A dor era de fato o sintoma primeiro influenciado. Já dissemos, que si não fora esse o sintoma mais molesto da angina, não as via o médico e o especialista. É pela disfagia que o doente procura o médico. Sabemos por experiência propria as agruras por que passa um doente acometido por uma dessas anginas. É sobre esse sintoma, que mais se faz sentir a ação da penicilina. Com doze horas, ás vezes menos, fazia-se sentir o efeito da terapêutica. Deglutição melhor, alimentando-se o doente com maior satisfação. Observamos ao lado da diminuição da disfagia tombem a do processo inflamatório. Casos houve, em que a, vermelhidão intensa em dois dias era substituida por uma tonalidade mais para o roseo-polido, apesar do abaulamento do pilar anterior no polo superior da amgidala; sendo de notar que o desvio da uvula em três casos persistiu. Desses houve necessidade de se debridar dois deles, em que apesar das doses de penicilina, - já decrescidas ao fim de 48 horas, em unidades e tempo de injeção -, e de nenhuma outra queixa do paciente, persistia o desvio da uvula, sinal positivo que si o processo inflamatório regredira, ficara isolado, vamos dizer, encapsulado, o resultado daquele drama textural: o pús. O que observaramos em caso de angina flegmonosa que evolvera para o abcesso, aqui foi novamente anotado. Abertura sem dor, pús fluido, sequencia operatória ótima. Tinhamos a impressão de estarmos operando como dissemos atraz, um abcesso frio, silêncioso.

O estado local é após o sintoma da disfagia o mais beneficiado pelo novo tratamento da penicilina. Dentro das primeiras vinte e quatro horas nota-se uma diminuição sensível do abaulamento textural, tem-se a impressão de que houve uma retração dos tecidos, intensamente embebidos pelo exudato inflamatório. Os vasos em relevo, tumidos na vespera; a protulsão da amígdala, aumentada de volume; o pilar anterior distendido em arco, ao máximo; o posterior globoso, cheio; tudo isto que observamos nesses casos, muda de aspecto, persistindo somente ligeiro edema do pilar anterior na altura do polo superior; aquela cor vermelho-vinhosa característica do exudato inflamatório desapareceu, para dar lugar ao roseo-palido da mucosa que se regenera aos poucos; a amigdala diminuiu de volume e procura acomodar-se na loja amigdaliana no seu primitivo lugar; só a uvula, quando existe exudato coletado, mostra muda a presença dele. O doente deglute com satisfação não se lembrando das terriveis horas que curtiu e da fome que passou.

A temperatura tambem se influencia com a penicilina. Apesar de não ser elevada nos casos em apreço, com as dosses estatuidas ela pouco ou nada se elevou, havendo um caso em que das alturas de 38,5 baixou sensivelmente para 37,2 seis horas após o início do tratamento.

A adenite ganglionar satelite é beneficamente influenciada, diminuindo de volume os ganglios e apresentando-se menos dolorosos dentro das 24 horas seguintes no início do tratamento.

Concluindo, podemos dizer que baseado em nossas observações, a penicilina evita na maioria dos casos o evolver da angina flegmonosa para o abcesso periamigdaliano. Quando instalado este, ou entra em involução ou evolve com sequencia operatória diferente.

A ação manifesta sobre a sintomatologia da angina flegmonosa e do abcesso periamigdaliano é visivel e favoravel ao paciente. Diminuindo ou fazendo desaparecer a dor às primeiras doses injetadas, atuando sobre o estado local, levando à involução do processo inflamatório na maioria das vezes, determinando o debridamento sem dor do abcesso silêncioso, - assim o chamamos por analogia como "frio" -, abreviando o post-operatório, evitando as consequencias graves de complicações gerais ou de regiões circunvisinhas, tais são a nosso ver os beneficies do emprego da penicilina nas anginas flegmonosas e nos abcessos periamigdalinos.

Maior numero de observações poderá modificar ou confirmar estes primeiros resultados da nossa verificação.

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