Ano: 1947 Vol. 15 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (1º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 01 a 07
MASSAGEM DAS AMIGDALAS COM CONTAGENS LEUCOCITARIAS SUCESSIVAS (PROVA DE VIGGO SCHMIDT) PARA O DIAGNOSTICO DO FOCO AMIGDALIANO
Autor(es):
MICHEL ABU JAMRA (***)
MARIO LEPOLARD ANTUNES (****)
ANTONIO CORRER (*****)
Contribuição para o estudo da reprodutibilidade da prova e do seu valor clinico (*) (**)
A questão do fóco sético amigdaliano é de especial interesse clínico e varias têm sido as tentativas para identificar a responsabilidade das amígdalas em processo à distância; a realisação das contagens leucocitarias antes e depois de massagem das amígdalas teve seu iniciador com VIGGO SCHMIDT; a prova recebeu o nome deste A., foi estudada por numerosos clínicos e hematologistas, a maioria afirmando pela sua falibilidade.
Entre nós PENA e PACIORNIK (Arq. 1.° Cong. Bras. OtoRino-Laring. - 3:379, 1940) analisando os seus resultados concluiram pela sua insegurança clínica, enquanto, de outro lado, MESQUITA SAMPAIO e colaboradores (Amígdalas e Infecção focal - Edigraf - S. Paulo, 1945) verificaram ter alto valôr clínico a prova permitindo identificar as "amígdalas infectadas e infectantes" e as "infectadas e não infectantes".
Em todos os estudos realizados não se insistiu em procurar reconhecer a reprodutibilidade da prova, isto é, se feita em ocasiões diversas, em dias diferentes, se reproduzia não dependendo de condições fisiologicas outras que não a própria amigdala e o sistema hematopoietico. Procuramos verificar este fato, realizando em 16 pacientes, 3 provas com intervalos aproximados de 4 dias. A tecnica de massagem da. amigdala foi a preconisada por PAULA e SILVA e colaboradores, feita a massagem sempre por um de nós (A. C.) ; a colheita e a contagem global sempre feitas por um outro de nós (M. L. A.), com. uma mesma pipeta e uma só camara, aferidas, e as contagens diferenciais por mais um de nós (M. A. J .).Os nossos resultados podem ser apreciados na tabela seguinte:
Para completar o nosso estudo fizemos a verificação do comportamento da prova em individuos sãos, debaixo do ponto de vista. amigdaliano e suas repercussões, os quais fomos procurar no Serviço do Prof. Edmundo Vasconcelos, em pacientes internados unicamente para operação sem infecção.
Durante a realização das provas tivemos o cuidado de em todos os casos observar a curva termica, afim de analisar as variações descritas por J. M. ALONSO e colaboradores (Arch. Int. Laryng. - 9:1025, Nov. 1930).
A prova era feita em pacientes em jejum e em. repouso; massagem durante 1 minuto em cada amigdala, com uma mecha de gaze montada em uma pinça de Kocher, longa; colheita do sangue antes e depois de 30, 60, 90 e 120 minutos, com contagens global e diferencial, como recomendam PENNA e PACIORNICK e MESQUITA SAMPAIO e colaboradores.
Em alguns casos procedemos a verificação da hemosedimentação, hemoculturas, mielogramas e estudo bacteriologico do produto de raspagem das amigdalas, alguns destes realizados pelo Dr. Aderbal Cunha.
Investigamos o quadro histologico da amigdala extirpada, cujos exames anatomo-patologicos foram gentilmente realizados pelo Dr. Godofredo Elejalde.
Nos dias que se seguiam à prova alguns pacientes se queixavam de desconforto por irritação faringeana própria da massagem; outros acusavam a presença de febricula; não vimos nenhuma complicação; apenas nos casos de M. M. e de M. J. M. as hemoculturas realizadas após a massagem foram positivas, a primeira para Streptococcus gamma e Staphylococcus albus e a ultima somente para Staphylococçus albus, apresentando a primeira paciente citada fortes reações gerais após a realização das varias provas de Viggo Schmidt. Em ambos os casos as hemoculturas controles, realizadas antes da massagem amigdaliana foram negativas.
Em todos os casos a positividade da prova correspondeu à existencia duma amigdalite crônica focal clinicamente suspeita.
Em nossas observações notamos que, no mesmo paciente, desenvolveram-se respostas mais ou menos intensas; num dia e noutro, apresentando uma reação diversa ao fóco septico, dependendo presumivelmente da maior ou menor passagem para o sangue de germens ou de suas toxinas, e deste módo não achamos razoavel aceitar a classificação dos resultados da prova, como recomendam MESQUITA SAMPAIO e colaboradores, em a) precóce exuberante; b) precóce; c) positiva e d) positiva tardia, preferindo considerar apenas provas positivas e provas negativas, pois o tipo de resposta pôde variar de um dia para outro.
Consideramos como prova positiva aquela em que se desenvolve uma leucocitose superior a 2.000 elementos p. mmc., feita á custa de leucocitos neutrofilos, isto é, com uma leucacitose neutrofila absoluta e relativa significativa. A prova que não se classificou como positiva, definimo-la como negativa: é a que se comportou de módo irregular, não caracteristico, frequentemente com leucopenia; este comportamento variavel é o chie denominamos de prova negativa. Distinguimos, então, apenas 2 tipos de resposta: negativa ou positiva. Não verificamos respostas de desenvolvimento definido, intermediario entre as positivas e negativas. ;Ha casos com uma leucocitose em torno de 1.000 elementos p. mmc.: estes definimo-los como de resposta negativa, apesar da dificuldade que traz a existencia desta pequena leucocitose; poderiam estes casos ser a rigor considerados como "duvidosos"; preferimos porem considerar estas reações como erro de contagem, sobretudo quando não ha modificações evidentes na contagem diferencial. Com efeito, BERKSON (Blood cell count: error. in "Medical Physics" - Glasser O. - Year. Book Publishers, Inc - 1944) mostra nas contagens globais a existencia de apreciavel margem de erro, de 21 % num sangue com 7.000 leucocitos por mmc. Este erro tambem existe, inevitavel, e dependente apenas da distribuição irregular ao acaso das celulas na lamina ou laminula ao serem feitos os esfregaços na contagem diferencial. BARNETT (J. Clin. Invest. - 12:77, Jan. 1933) que investigou cuidadosamente o assunto, realizando 100 contagens diferenciais de 100 celulas em 50 esfregaços dum mesmo sangue, verificou que a dispersão observada era exatamente igual á teoricamente previsivel. Os seus resultados mostram existir um erro completamente inevitavel nas contagens diferenciais, devido ao acaso na distribuição das celulas, e quê não pôde ser eliminado pela técnica mais perfeita. A grandeza deste erro é apreciavel. Numa contagem de 400 leucocitos o erra devido inteiramente ao acaso é de 7,5%; numa de 200 celulas é de 11 %.
Tanto pelo erro inevitavel da contagem global quanto o da diferencial, inerentes á propria natureza do metodo de contagem que se baseia na distribuição não uniforme, sujeita a leis, das celulas do sangue na camara de contagem ou na lamina de esfregaço, é que se explicam as variações não significativamente amplas de 10, 15, 20% das cifras globais, antes e após a massagem, assim como as variações na contagem diferencial até 1/10 do valor anterior. É por este motivo que reputamos como positivas apenas as provas que apresentam leucocitose "significativa estatisticamente", fixando em mais de 2.000 leucocitos o gráu de leucocitose, pois na grande maioria dos casos partimos de cifras iniciais entre 8.000 - 10.000 lecocitos por mmc.
A observação rigorosa e exata classificação de cada prova dependerá entretanto da consideração da cifra inicial de leucocitose e de só se poder afirmar leucocitose sucessiva se de ultrapassa uma variação de 21% da cifra inicial. 0 mesmo se aplicará á contagem diferencial, assim se afirmando neutrofilia em seguida á massagem se os neutrofilos aumentarem nitidamente, de mais de 11%, em relação á cifra anterior, e isto se se tiver realizado a contagem diferencial com 200 celulas; de mais de 7,5 % se com 400 celulas.
Realizamos as nossas contagens com uma só camara e uma só pipeta, aferidas, (erro de 21%, segundo BERKSON) e as contagens diferenciais com 200 celulas (erro de 11% segundo BARNETT) para ficarmos dentro das condições habituais de trabalho no laboratorio clínico. O erro da contagem global póde cair fóra trabalhando com 4 pipetas e 4 Gamaras e fóra 7,5% o erro da contagem diferencial com 400 celulas. Não são estas,, entretanto, as condições habituais em que se realizam as contagens da prática. civil e hospitalar. E o nosso proposito foi o de verificar o comportamento da prova tal como é feita comumente; de qualquer módo, a tecnica sendo a mesma para as contagens todas da prova, os valores de cada tempo, de cada amostra, serão comparativos. Referimos os erros devidos inteiramente ao acaso, para melhor demonstrar o cuidado com que devemos ajuizar os numeros obtidos, antes de classificar a prova como negativa ou positiva. As cifras de 2.000 leucocitos para a contagem global e de mais de 15% para a diferencial, servem, na pratica, de limites acima dos quais se pôde afirmar leucocitose e neutrofilia após massagem.
A falta de perfeita reprodutibilidade da prova, ás vezes com leucocitose inicial.e neutrofilia, e, em seguida, com leucopenia e linfocitose; ás vezes desde o inicio com leucopenia e linfocitose no mesmo paciente, com intervalos de 4 dias, isto é, com a mesma medula ossea e amígdalas, está a indicar que o estado funcional da medula ossea, assim como o estado anatomico da amigdala não são fatores determinantes do tipo e do grão da prova. São circunstancias outras que hão de prevalecer deste ou daquele modo neste ou naquele momento. Não acreditamos que a citologia do orgão central (medula ossea) possa dar conta das modificações do sangue ocorridas no curso dos minutos que dura a prova. Estas alterações seriam antes mobilisações das reservas leucocitarias, granulocitos já maduros, depositadas nos orgãos "pantanos" (baço, rêde-sub-papilar da péle, rêde vascular mesenterial, etc.), modificações essas determinadas pelo estimulo quimiotoxico e neurovegetativo provocado pela massagem do fóco amigdaliano séptico.
Em seis dos nossos 16 casos (observações ns. 2, 7, 9, 1,4, 15 e 16), isto é, em cerca de 1/3 dos casos, ao lado de provas positivas tivemos provas negativas, em quadros clínicos de amigdalite séptica, "infectada e infectante"; esta ultima circunstancia (infectante) foi demonstrada na maioria dos casos pela remoção da sintomatologia clínica com a extirpação do fóco amigdaliano. Esta verificação serve para firmar que a prova negativa necessita ser repetida para um juizo definido do caso clínico em questão e, mesma repetida, não se presta para definir o que seja "amigdala infectante", como podemos apreciar na obs. n.° 8 onde a evolução clínica evidenciou ser a amigdala "infectante" e as 3 provas repetidas foram sempre negativas.
A dependencia das condições mórbidas dum certo caso ao fóco primário só pôde ser estabelecida com segurança pelo resultado. obtido com a extirpação do ultimo.
As modificações qualitativas dos Neutrofilos (granulações toxicas "alfa" e "beta" de Gloor-Naegeli, degenerações nucleares, vacuolisações citoplasmaticas) quando existentes se verificam tanto em provas positivas como negativas. Poucas vezes observamo-las em quantidade (obs. ns. 1, 2, 11 e 14).
No que diz respeito aos demais elementos do quadro leucocitario, observamos, ás vezes, tanto em provas que reputamos negativas como tambem em outras positivas, eosinofilia e monocitose. Estas reações são irregulares, variaveis de prova para prova, no mesmo paciente, de pequena amplitude devido á diminuta grandeza do valor percentual e global dos eosinofilos e monocitos no conjunto leucocitario. A reação eosinofilo-monocitaria neste caso seria superponivel á que se obtem na pratica. das reações alergicas, o antigeno sendo representado pela flóra microbiana.
Quer-nos parecer que, dentro das limitações da prova, apenas o setor neutrofilo oferece amplitude de variação suficiente para caracterisar uma prova como "positiva" ou "negativa". Na presença de eosinofilia e monocitose sem leucocitose neutrofila, não se pôde afirmar que ha "foco séptico amigdaliano"; apenas que, num organismo sensível, a massagem despertou reação de tipo alergico.
O quadro histologico das amígdalas extirpadas não apresentou particularidades, sendo identico nos casos onde as provas foram positivas e naqueles com respostas negativas.
A observação da curva termica antes e depois da massagem amígdaliana apresentou oscilações irregulares, sem significação.
Deante de um resultado positivo a indicação operatória é evidente; não devemos, entretanto, condicionar a operação a uma unica prova, procurando substituir a clinica pelo laboratorio no diagnóstico da amigdalite focal.
JIMENEZ DIAZ (Leciones de patologia - Tomo II - 3.ª ed. - 1940) considera "que es mucho más perjudicial para el organismo del enfermo el masaje de la amígdala que la amigdalectomía" preferindo aconselhar o ato cirurgico a indicar a a realisação da prova.
(*) - Trabalho realizado no Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
(**) - Sintese da comunicação feita à Associação Paulista de Medicina (Seção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plastica) em 18-10-1946.
(***) - Seção de Hematologia.
(****) - Analista - 1.ª C. M.
(*****) - Clinica Oto-Rino-Laringologica.