Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 60 a 63

 

Máscara Laríngea. Uma Nova Opção para a Manutenção da Permeabilidade das Vias Aéreas Superiores.

Laryngeal. Mask. A New Option for the Maintenance of the Airway Permeability.

Autor(es): Regína H. G. Martins*,
José Reinaldo C. Braz**,
Alexandre Rodrigo Mori**

Palavras-chave: máscara laríngea, via aérea, anestesia

Keywords: laryngeal mask, airway, anaesthesia

Resumo:
A máscara laríngea tem demonstrado ser uma nova opção para a manutenção da permeabilidade das vias aéreas em pacientes anestesiados. Entre suas vantagens, têm-se a fácil e rápida inserção, apresentando indicações cada vez mais abrangentes. Os autores fazem uma revisão sobre a máscara laríngea, enfocando as principais indicações, vantagens, restrições e complicações associadas à sua utilização.

Abstract:
The laryngeal mask has been demonstrating to be a new option for the maintenance of the airway permeability in anesthetized patients. It permits easy and fast insert. The autoors made a review about the laryngeal mask including the main indications, advantages and possible injuries associated to its use.

INTRODUÇÃO

Visando diminuir a morbidade da intubação endotraqueal; e, ao mesmo tempo, assegurar a permeabilidade das vias aéreas - Brain' apresentou, em 1983, um novo modelo de cânula para a manutenção das vias aéreas, denominado máscara laríngea (ML), que começou a ser comercializado a partir de 1988. Tratase de uma cânula de silicone com balonete elíptico, bastante largo, conectado a uma válvula que permite a sua insuflação. Em sua porção ventral, apresenta traves de silicone gire impedem.a herniação da epiglote. Possui uma linha negra em toda a extensão do tubo, servindo de guia para indicar sua centralização (Figura 1).

Para introdução da ML, é recomendado que o balonete esteja totalmente desinsuflado. A cânula deve ser introduzida pela cavidade oral, sendo pressionada contra o palato duro; e, cone o auxílio do dedo indicador, conduzida até a região da hipofaringe. Quando bem posicionada, sua ponta deve situarse junto ao esfíncter superior do esôfago e as bordas laterais dos seios piriformes. Desta forma, a ML não toca a região glótica ou traqueal. Após a verificação do correto posicionamento, o balonete deve ser insuflado; e a cânula, fixada².

A ML é comercializada em seis tamanhos, sendo a de número 1 utilizada em recém-nascidos e lactentes de até 6,5 kg; a de número 1,5, em crianças de até 10 kg; a de número 2, em crianças de até 20 kg; a de número 2,5, em crianças de 20 a 35 kg; e as de números 3, 4 e 5, utilizadas em adultos - respectivamente, com menos de 160 cm, entre 160 e 180 cm e acima de 180 cm de altura.

PRINCIPAIS INDICAÇÕES DA UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA LARÍNGEA

A ML vem sendo utilizada de forma crescente, destacando-se entre as suas principais indicações:
- cirurgias de curta duração;
- cirurgias ambulatoriais;
- em crianças e adultos com intubação traqueal difícil, como nos casos das síndromes genéticas;
- em exames radiológicos de pacientes pediátricos que necessitem de sedação;
- em cirurgias odontológicas de crianças que necessitem de sedação;
- em profissionais da voz, como os cantores; e
- na manutenção de ventilação espontânea ou controlada, não se devendo ultrapassar a pressão inspiratória de 20 cm H2O.

Além dessas indicações, têm-se confirmado sua eficácia também em algumas cirurgias otorrinolaringológicas3.

A ML tem sido utilizada ainda em programas de ressusciração neonatal, pois evita a manipulação da cabeça e do pescoço, não necessita de laringoscopia; e, como a invasão do trato respiratório é menor, as alterações hemodinâmicas também são menores4.



Figura 1- Máscara laríngea de número 4.



Por apresentar maior diâmetro do que o tubo endotraqueal, permite a intubação endotraqueal e a passagem de broncoscópios5. Atualmente, existe a máscara laríngea fasttrack, para ser utilizada em pacientes com intubação difícil, por permitir a passagem de tubo endotraqueal especial para intubação traqueal.

VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA LARÍNGEA

Segundo alguns autores6,7,8, a ML apresenta algumas vantagens sobre a cânula endotraqueal, como:

- menor contato com a glote e ausência de contato com a traquéia;
- fácil é rápida inserção;
- não necessita de laringoscopia direta para sua inserção, proporcionando conseqüente menor estimulação do paciente e exigindo menor dose de anestésicos durante a fase de indução;
- menor incidência de laringoespasmo, tosse, odinofagia, disfonia e disfagia;
- permite o exame das pregas vocais e a intubação endotraqueal através de nasfibroscópios;
- possibilita autoclavagem por inúmeras vezes, por 10 minutos, à temperatura de 120°C, por ser constituída de material de silicone;
- pode ser inserida com o pescoço em flexão;
- não ocasiona a entubação seletiva em brônquios principais ou esôfago;
- permite a manutenção da permeabilidade das áreas em situações de intubação traqueal difícil; e
- permite rápido despertar.

PRINCIPAIS RESTRIÇÕES À SUA UTILIZAÇÃO

Algumas restrições ao seu uso têm sido salientadas na literatura9,10,11,12, como:

o em pacientes que apresentam riscos de vômito e aspiração, como aqueles com estômago cheio, obesos, portadores de hérnia de hiato e nas grávidas;

o em pacientes com patologias obstrutivas da faringe, como abscessos, tumores e hematomas;

o em pacientes com baixa complacência pulmonar ou alta resistência das vias aéreas, como na doença pulmonar obstrutiva crônica, edema pulmonar, fibrose pulmonar e trauma torácico, que necessitam de pressão ventilatória maior que 20 cm de H20, podendo levar a escapes de ar e insuflação gástrica.

O balonete da máscara laríngea forma um anteparo de baixa pressão ao redor da laringe, que impede a aspiração da saliva, mas não de material regurgitado; daí as restrições ao seu uso em pacientes com risco de aspiração ou vômito. A incidência de aspiração da regurgitação com a ML é contraditória entre os autores. Para alguns12,13, pode ser elevada, ao redor de 25 a 50%; para outros 11,14, é inferior a 5%. Neste aspecto, outros fatores também devem ser considerados, como o tamanho da ML, o emprego de ventilação mecânica com pressão positiva e a técnica de inserção.

COMPLICAÇÕES COM A MÁSCARA LARÍNGEA

Nos últimos anos, alguns trabalhos têm destacado a morbidade associada à máscara laríngea. A principal queixa apresentada por alguns pacientes, no período pós-operatório, é a odinofagia leve e passageira, mais comumente com a duração de algumas horas - e raramente estendendo-se para mais de dois dias15,16.

Outras complicações raras descritas na literatura são:

- lesões da mucosa da úvula17 e da parede posterior da hipofaringe18;
- compressões de vasos19,20, evoluindo com cianose de língua e macroglossia por algumas horas;
- compressão do nervo lingual21, com anestesia em topografia do trajeto desse nervo;
- compressão de nervo laringeo recorrente22,23 - e, conseqüentemente, paralisia uni ou bilateral das pregas vocais, levando a disfonia; e
- compressão do nervo hipoglosso, com paralisia transitória dos movimentos da língua 24.

As complicações da ML têm sido atribuídas aos eventuais valores elevados da pressão no balonete da máscara laríngea, que podem se transmitir às estruturas da hipofaringe25,26. O aumento da pressão no balonete tem sido encontrado quando se utiliza o óxido nitroso durante a anestesia, pela alta capacidade de difusão desse gás25,26.

Entretanto, Hamakawa e colaboradores27, em estudo em pacientes anestesiados sob o uso de ML, ao medirem as pressões no interior do balonete e entre o balonete e a parede da mucosa da hipofaringe, observaram que, mesmo com o aumento da pressão no interior do balonete, pela expansão do óxido nitroso, a pressão na porção externa do balonete não se alterou, indicando que a pressão no interior do balonete não foi transmitida integralmente para a mucosa da hipofaringe, provavelmente devido à alta capacidade de distensão das estruturas dessa região. Segundo esses autores, as queixas apresentadas por alguns pacientes no período pós-operatório, como dores de garganta e dificuldade à deglutição, não podem ser atribuídas às altas pressões no balonete da ML.

Entretanto, na maioria, os autores têm recomendado a monitorização constante da pressão no balonete da ML, através do balonete de prova, durante a anestesia; principalmente quando se utiliza o óxido nitroso28.

A confirmação da relação entre a pressão do balonete da ML e a pressão transmitida à parede da faringe só é possível em estudos histopatológicos da região da hipofaringe, em peças de autópsias de pacientes que utilizaram a ML ou em estudos experimentais em animais.

Realizamos, recentemente, pesquisa em cães29, sob anestesia venosa total, manutenção da permeabilidade das vias aéreas através da ML e ventilação espontânea dos pulmões, durante período de 2 horas. Em um grupo de animais, a pressão no balonete da ML foi mantida em 100 mmHg; e, em outro grupo, a pressão ultrapassou 200 mmHg. Após esse período, sacrificamos os animais e removeu-se o segmento da via aérea que se encontrava em contato com a ML, para estudo histopatológico e de microscopia eletrônica. As alterações histológicas observadas restringiram-se a discreto processo inflamatório agudo em áreas isoladas e focais, mesmo quando ocorreram altas pressões no interior do balonete (ao redor de 240 mmHg). Esses achados foram confirmados pelo estudo de microscopia eletrônica, quando se observou apenas aumento das descamações focais das camadas superficiais do epitélio da faringolaringe, princípalmente no grupo com maior pressão do balonete da ML.

As alterações histológicas relacionadas às cânulas endotraqueais são demonstradas mais facilmente, pois o balonete do tubo é expandido contra anéis cartilaginosos rígidos, provocando redução no fluxo sangüíneo traqueal30. Já a mucosa da hipofaringe apresenta-se com pregueamento intenso, o que pemite distensão dessa região, sem que ocorra transmissão direta da pressão do balonete da ML.

Assim, embora alguns trabalhos descrevam complicações associadas à máscara laríngea, ela é considerada segura e representa boa opção na manutenção da permeabilidade das vias aéreas superiores, principalmente em cirurgias de curta duração em adultos e crianças. Pela facilidade de inserção, mesmo por profissionais pouco experientes, deve ser incluída no material de ressuscitação hospitalar. Além disso, considerase importante a familiarização com ela por parte de todos os profissionais que manipulam as vias aéreas.

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*Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu-Universidade Estadual Paulista -UNESP.
** Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
*** Graduando do 5° Ano Médico da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

Endereço para correspondência: Regina H. G. Martins - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço- Faculdade de Medicina de Botucatu - Distrito de Rubião Junior - 18618-970 Botucatu /SP - Telefone: (014) 82o-6256 - Ramal - 2256. Artigo recebido em 22 de setembro de 1998. Artigo aceito em 7 de janeiro de 1999.

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