Ano: 1986 Vol. 52 Ed. 3 - Julho - Setembro - (5º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 32 a 39
ASPERGILOSE NASAL COM IMAGEM RADIOLOGICA DE CORPO ESTRANHO METÁLICO
Autor(es):
MOACYR SAFFER 1
LUIZ CARIAS SEVERO 2
MIRIAN NAMIR NUNES 3
Resumo:
Um caso de aspergilose nasal (bola fúngica, aspergiloma), com imagem radiológica com densidade metálica é apresentada O diagnóstico clínico de infecção por Aspergillus dos seios paranasais deve ser lembrado quando deste achado, na ausência de história de corpo estranho.
Introdução
A colonização intracavitária aspergilar (aspergiloma, bola fúngica) é freqüente ao nível do meato médio e do seio maxilar (5). O Aspergillus fumigatus é o agente usual (1, 7), raramente o A. niger é o fungo isolado (1). Três são os principais fatores predisponentes (1): primeiro, diminuição da resistência da mucosa, devido à sinusite bacteriana crônica, freqüentemente complicada por pólipos; segundo, adaptação de um fungo a um hospedeiro em que a flora bacteriana foi eliminada e terceiro, obstrução mecânica nasal e(ou) sinusal impedindo a drenagem adequada. A característica clássica de benignidade não se aplica a todos os casos (2), podendo ser fulminante em pacientes imunodeprimidos (3).
O quadro clínico da aspergilose é inespecífico, similar a qualquer infecção sinusal. Punções, irrigações dos seios ou múltiplas tentativas antibióticas não levam à melhora dos sintomas, como também não proporcionam um diagnóstico exato da patologia (7).
Apresentaremos um caso de bola fúngica aspergilar da cavidade nasal, tecendo comentários sobre as calcificações observadas nestes casos.
Caso clínico
A.A.G., sexo feminino, branca, 23 anos, veio à consulta (1978) referindo vertigem há um mês, que surgiu após gripe. Piorava com os movimentos da cabeça. Estava tensa. Sentia dor nos ombros e no pescoço. Na história clínica relatou tratamento pára tuberculose pulmonar, com alta, curada, há 15 anos. Uma radiografia torácica recente evidenciava lesões de características residuais nos pulmões. A paciente teve parto normal há um ano, em cuja gravidez referiu ter tido episódio de glicemia alterada, que voltou aos índices normais. O exame otorrinolaringológico (ORL) foi normal, sendo constatado pequena hipoacusia de transmissão. Foi medicada com miorrelaxante, sendo sugerido controle após tratamento.
Retornou à consulta em 1979, por cefaléia, trazendo radiografia dos seios da face feita meses antes, sem solicitação médica, que evidenciava edema da mucosa sinusal (seio maxilar direito) e fragmento com densidade metálica na cavidade nasal (Figs. 1 e 2), que não foi valorizado. A paciente estava no transcurso de uma gravidez normal, sem alteração na glicemia, sendo medicada somente com descongestionante nasal.
Três anos mais tarde (1982) retornou à consulta com cefaléia e tosse seca matinal.
Com diagnóstico de sinusite maxilar, recebeu prednisona 20mg, via oral, cinco dias; doxacilina 100mg, via oral, de 12/12h, 10 dias; AAS lg (via oral) ao dia e fisioterapia para a coluna cervical.
No início de agosto de 1984 a paciente queixou-se de tosse e expectoração com raias de sangue, chiados no peito e obstrução nasal. Ao exame ORL evidenciou-se secreção purulenta na narina direita. A radiografia mostrou velamento total do seio maxilar direito e persistência da imagem metálica na cavidade nasal. Uma curva glicêmica foi normal. Foi medicada com rifampicina 600mg, via oral, 12/12h, 10 dias;
prednisona, dose inicial 30mg, matinal, decrescentes, e fepraiona 200mg, .via oral, 12/12h, por igual tempo. O controle radiológico após 24 dias mostrava-se inalterado em relação ao anterior.
Em 13/09/84 passou a apresentar odor fétido que vinha de "dentro do nariz" e tosse matinal. Ao exame ORL foi detectada imagem de pólipo no meato médio, à direita.
Repetiu-se o primeiro tratamento para sinusite por mais 15 dias. Houve piora dos sintomas, com odor fétido intenso, dor facial à direita, que refletia sobre os dentes superiores. Ao exame a halitose era evidente. A paciente foi levada à cirurgia de Caldwell-Luc, 45 dias após novo tratamento clínico. O seio maxilar direito estava repleto de pólipos e secreção gelatinosa (Fig. 3) e no meato um rinólito escuro, de grandes dimensões (Fig. 4) obstruía o óstio. O material foi encaminhado para exames histopatológico e microbiológico.
Figuras 1 e 2 - Radiografias mostrando a densidade metálica do rinólito (bola fúngica).
Figura 3 - Pólipos e secreção gelatinosa do seio maxilar direito.
Figura 4 - Aspecto macroscópico do rinólito (bola fúngica). Dimensões: 3,4cm x 2,8cm x I,Scm.
Estudo mitológico
Diagnóstico diferencial
O material do rinólito nasal (3g) era composto de uma massa de hifas, regularmente septadas, ramificadas dicotomicamente, que mediam 5gm de diâmetro, em entrelaçamento compacto. Estas hifas mostravam crescimento em anéis concêntricos, característico de bola fúngica. Na periferia do emaranhado miceliano observavam-se vesículas (frutificações), envoltas por duas séries de esterigmas e grande número de conídeos rugosos, escuros. No centro evidenciavam-se conglomerados de cristais de oxalato de cálcio. Obteve-se em cultivo (meios de Sabouraud glicose a 2% ágar) o A. niger (4).
Comentários
A presença de corpo estranho com densidade metálica na fossa nasal direita, correspondente ao seio maxilar velado, não foi valorizada (apesar de a paciente negar história de traumatismo), mesmo sendo constante nas radiografias de controle.
Os laudos radiológicos com descrições de imagens com densidade metálica, freqüentemente fazendo tentativas diagnósticas do tipo "corpo estranho metálico, corpo estranho com radiação densa, bola de ar comprimido, material de obstrução dentária, corpo estranho traumático" podem levar o médico desavisado a não valorizar este dado de suma importância no diagnóstico radiológico da aspergilose dos seios da face (7).
Imagens radiodensas têm sido observadas ocasionalmente na aspergilose sinusal por alguns autores (1) e consideradas como achado patognomônico por outros (2). Stammberger e cols. observaram imagem com densidade metálica em 27/59 casos de aspergilose paranasal (46%), atribuindo este achado radiológico ao fosfato de cálcio presente no centro da massa fúngica (7). Por outro lado, no presente caso a imagem metálica correspondia a grande acúmulo de cristais de oxalato de cálcio em meio ao emaranhado miceliano. O A. niger , isolado deste material, produz apreciável quantidade de ácido oxálico (4) que, combinando-se com o cálcio do organismo, precipita cristais de oxalato de cálcio, podendo ocasionar oxalose aguda (6).
O reconhecimento desta patologia é importante não apenas para o otorrino, que irá propiciar uma cura mais rápida, evitando quimioterapias desnecessárias e até mesmo uma possível oxalose aguda (6), mas também para o radiologista, a fim de orientar seus laudos, guiando o adequado estudo do material colhido na cirurgia.
As Figs. 5 e 6 ilustram o caso de um paciente, com história de traumatismo por arma de fogo, em que as imagens metálicas não são devidas à aspergilose.
Figuras 5 e 6 - Radiografias mostrando um corpo estranho metálico (diagnóstico diferencial de bola fúngica).
Summary
Agradecimentos
A case of nasal aspergillosis (fungus bali,
Somos muito gratos ao Dr. Carlos Humberto aspergilloma), with metal-dense X-ray shadow is Wallau, pela colaboração. presented. The clinicai diagnosis of Aspergillus
infection of paranasal sinuses may be regarted with this image, in the absence of foreign-body history.
Referências
1. GRIGORIU, D.; BAMBULE, J. & DELACRETAZ, J. - Aspergillus sinusitis. Postgrad. Med. J., 55:619-621, 1979.
2. LEGENT, E; BOUTET, J.J. et al. - Aspegilloses sinusiennes. Oto-Rhino-Laryngol., 34:2105-2109, 1984. 3. McGILL, T.J.; SIMPSON, G. & HEALY, G.B. - Fulminant aspergillosis of the nose and paranasal sinuses: a new clinicai entity. Laryngoscope, 90:748-754, 1980.
4. RAPER, K.B. & FENNEL, D.1. - The genes Aspergillus. New York, R.E. Krieger Pub. Co., 1977. 5. RAVISSE, P. - Histopathologie des mycoses en ORL. Ann Oto-Laryngol., 99:527-530, 1982.
6. SEVERO, L.C.; LONDERO, A.T. et al. - Oxalosis associated with an Aspergillus niger fungus ball. Report of a case. Mycopathologia, 73:29-31, 1981.
7. STAMMBERGER, H.; JAKSE, R. & BEAUFORT, E - Aspergillosis of the paranasal sinuses. X-ray diagnosis, histopathology, and clinical aspects. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., 93:251-256, 1984.
Endereço para correspondência
Rua Mostardeiro, 333/conis. 714 e 716 90000 - Porto Alegre-RS.
1 Professor assistente do Departamento de ORL da UFRGS. Professor adjunto do Departamento de ORL - FFFCM de Porto Alegre. Chefe do Serviço de ORL do Hospital E. Dornelles.
2 Mestre em Medicina Interna da UFRGS. Pesquisador 3A do CNPq.
3 Médica otorrinolaringologista.