Ano: 1986 Vol. 52 Ed. 3 - Julho - Setembro - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 27 a 31
GRANULOMA DE COLESTEROL NO OUVIDO MÉDIO
Autor(es): ZENSHI HESHIKI 1
Resumo:
Após exaustiva revisão bibliográfica sobre o granuloma de colesterol e o hemotímpano idiopático do ouvido médio, são apresentados os resultados do estudo histopatológico de 50 ossos temporais humanos de 27 pessoas. Constatou-se que o granuloma de colesterol do ouvido médio associa-se a vários processos patológicos. Entretanto, o autor sugere que somente a otite média crônica e a hemorragia apresentam evidências de associação com o granuloma de colesterol.
Revisão da literatura
Em 1888 Gruber (25) descreve um caso de otite em que a membrana timpânica apresentava-se com características diferentes do habitual. Esta publicação é citada como a mais remota sobre este tema. Outros autores (1, 66) relatam casos semelhantes aos quais Brindel (11), em 1911, e Gillard (23), em 1912, denominaram "mastoidite nigra". Outros termos foram empregados para designar esta entidade clínica, como tímpano bleu (13), blue drum membrane (52), otite colesterínica (56) e black cellular cholesteatosis (7). O termo hemotímpano idiopático apareceu na literatura em 1941, utilizado por O'Donnell (41) para designar a otite identificada pela primeira vez por Gruber (25) e que tem como características a membrana timpânica de cor azulada, evidência de obstrução da tuba e perda auditiva do tipo condutivo.
Para outros (30, 53), o diagnóstico da entidade clinica deve estar apoiado na identificação de secreção escura, achocolatada, e dos cristais de colesterol, obtidos por paracentese (8, 54). O termo granuloma de colesterol tem sido aceito pela maioria dos autores.
Quanto aos cristais de colesterol, a literatura revela que Roussy (47), em 1913, e Stewart, em:
Trabalho realizado com auxílio do CNPq.1915 (59), estudaram as reações biológicas da deposição do colesterol ao nível dos tecidos e a denominaram cholesterin clefts.
Ao nível do ouvido médio, estas reações biológicas foram observadas pela primeira vez por Manassé (24, 30), no ano de 1917. Naquela época não depertaram interesse, até que Singer (29, 60), em 1933, redescreveu o processo e Shambaugh (52), em 1929, fez uma detalhada descrição do quadro clínico da entidade. Em 1949, Ranger (46) descreveu os cristais de colesterol ao nível da cavidade mastoidéia em paciente com hemotímpano idiopático. A partir das publicações de Shambaugh (52), de Singer (29, 60), de O'Donnell (41) e de Ranger (46) apareceram outras publicações sobre o hemotímpano idiopático, granuloma de colesterol e blue ear drum membrane.
Tivemos a oportunidade de consultar algumas publicações (7, 8, 16, 29, 30, 36, 53, 57, 58, 65). Sheehy e Mc Kibben (53) relacionaram 14 casos publicados. Posteriormente, outros foram publicados (9, 26, 60). Em 1958 Birrel (8) conseguiu relacionar 20 casos na literatura e adicionou oito casos pessoais. Entretanto, Thornhill (62) conseguiu o relato de 29 casos publicados até 1963, incluindo-se as publicações das referências 1, 12, 23, 24, 27 e 61, A partir dessa data temos outros casos publicados (2, 4, 32, 38, 39, 54, 64). Considerando os 29 casos publicados até 1963, acrescidos de dois casos desse autor (62), dos 17 casos de Sheehy e col. (54) e outros sete casos isolados, temos o total de 55 casos publicados na literatura até 1981.
Os casos mencionados referem-se a publicações de entidades clínicas. Temos ainda os granulomas de colesterol identificados em temporais, removidos de pacientes que foram ao óbito. Friedmann (18) estudou 770 temporais e encontrou 43 casos de granuloma de colesterol (5,58%). Armstrong e Nash (3) identificaram 30 em 500 casos de otite média crônica. Schroer (2) relata oito casos. Palva e col. (43), estudando 75 biópsias, detectaram oito de granuloma de colesterol (10,66%). Sakamoto (51) descreve 10 casos estudados pela microscopia eletrônica. Sade e Teitz (50) encontraram sete casos de granuloma em 52 biópsias (13,46%). Em nossa revisão de 592 temporais, identificamos 5,91% de granuloma de colesterol.
O granuloma de colesterol foi também reproduzido experimentalmente pela injeção de uma solução de colesterol (17), de ácido oxálico (15), pela obstrução da tuba (31, 33, 37) e *pela obstrução do orifício de aeração do úmero em Gafus domesticus (5, 6).
Material e método.
Foram revistos 50 temporais humanos obtidos de 27 pessoas (23 casos dos dois lados e quatro casos de um lado) que faleceram de causas as mais diversas. A idade dessas pessoas variou de 21 meses a 88 anos (47,5 - 31,2), sendo 19 do sexo masculino e oito do feminino. Os principais achados histopatológicos estão resumidos na Tabela 1.
A Tabela 1 nos permite ter uma idéia da associação dos vários processos patológicos. A análise mais detalhada. dos mesmos pode ser feita através da Tabela 2.
Etiopatogenia
Como já vimos, os estudos a respeito dos cristais de. colesterol remontam às publicações de Roussy (47), Stevvart (59) e posteriormente, ao nível do ouvido médio, a Manassé (24, 30), Singer (29, 60) e Ranger (46).
A deposição de colesterol ao nível do ouvido médio é explicada por dois mecanismos: a excreção e o extravasamento. Vários autores (12, 35, 39, 58, 72) observaram este fenômeno em pacientes com hemotímpano idiopático. Daí a argumentação dos autores para explicar a etiologia do granuloma de colesterol com fatores que determinam ou favorecem a hemorragia. Estes mecanismos podem ser agrupados em: 1. alterações vasculares (processos inflamatórios, irritativos, obstrução da tuba auditiva); 2. estase venosa a montante (malformações dos vasos, compressões vasculares, obstrução linfática, varizes).
Além disso, o granuloma de colesterol é relacionado com a deposição de ferro (62, 63) e a degeneração tecidual.Tabela 1
Tabela 2 - Associação de processos histopatológicos identificados em 50 temporais humanos.
Comentários
A Tabela 1 nos permite ter uma idéia global dos diferentes processos patológicos identificados em temporais com granuloma de colesterol. Mas, é na Tabela 2 que encontramos dados mais interessantes Assim, em temporais com granuloma de colesterol, foram identificados 4001o de otite média crônica, 40% de hemorragia e baixas proporções de otite média serosa (12%), colesteatoma (16%) e otite média purulenta (10%). Por outro lado, na ausência de otite média crônica e de hemorragia, ocorreu baixa proporção de granuloma de colesterol com 20%, enquanto na ausência de otite média serosa, de colesteatoma e de otite média purulenta, a ocorrência do granuloma de colesterol foi maior, com 48%, 4401o e 50%, respectivamente. Estes achados sugerem relação de causa e efeito entre o granuloma de colesterol e a otite média crônica e a hemorragia.
Em relação à causa hemorrágica, podemos aceitar as várias teorias relacionadas com os distúrbios vasculares, incluindo-se a deposição do ferro e a degeneração tecidual como mecanismo de formação do granuloma. Quanto à otite média crônica, a hipótese mais viável prende-se às alterações vasculares. A teoria da estase venosa a montante não tem elementos para sustentar a correlação do granuloma de colesterol com a otite média crônica.
Resumos e conclusões
O estudo de 50 temporais humanos, removidos de 27 pacientes, nos permite afirmar que múltiplos processos patológicos estão associados com o granuloma de colesterol.
O confronto desses processos patológicos nos permite afirmar que somente a otite média crônica e a hemorragia apresentam relação de causa e efeito. Os demais processos, incluindo-se o colesteatoma não apresentam proporções que possam sugerir relação de causa e efeito com o granuloma de colesterol.
Com base nestes dados, o autor aceita as teorias vasculares que venham favorecer a hemorragia como fator causal do granuloma de colesterol, incluindo-se o mecanismo da degeneração tecidual e deposição de ferro, mas refuta as teorias que defendem o mecanismo da estase venosa a montante.
Summary
Ann extensive bibliographic revision of cholesterol granuloma and idiopathic haemotympanum of the middle ear was carried out, and the histopathological result of 50 human temporal bones of 27 people is presented. The author has observed that cholesterol granuloma of the middle ear is associated with many different pathologic entities but only the COM and the hemorrhage has some evidente of correlation with the cholesterol granuloma.
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1 Professor visitante da Universidade de Minnesota (EUA). Departamento de ORL (Serviço do Prof. M. Paparella).
Endereço para correspondência DR. ZENSHI HESHIKI
Rua Domingos Soares de Barros, 210 18600 - Botucatu-SP