Versão Inglês

Ano:  1986  Vol. 52   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 20 a 30

 

TUMOR GLOMICO NO CANAL AUDITIVO EXTERNO RELATO DE UM CASO

Autor(es): MOACYR SAFFER 1
ENEDIR LUIZ COLPO 2
RENATO COSTA DE OLIVEIRA 2
ANA FRANCISCA DE A. VIEIRA 3
ADONIS JOSÉ BROCK 4

Resumo:
Os autores relatam um caso de tumor glômico no ouvido, com apresentação no canal auditivo externo e sem a sintomatologia clássica destes tumores. São feitas considerações adicionais quanto ao diagnóstico diferencial e tratamento. Num estudo de 600 mil casos que ingressaram no Surgical Pathology Department of Memorial Sloan-Kettering Cancer Center no período de 1937 a 1975, apenas 69 eram paragangliomas da cabeça e pescoço, numa incidência de 0,012% (10).

Introdução

Os chemodectomas constituem um aglomerado de células paraganglionares do sistema nervoso simpático e parassimpático (2), podendo ser confundidos clinicamente com outros tumores benignos ou malignos (10). São encontrados em vários locais do organismo, incluindo ouvido, medula adrenal, corpo carotídeo, gânglio nodoso mediastinal e retroperitoneal (2).

Em 1878, Krause (6) descreveu similaridade entre o que ele chamou de glândula timpânica e glândula carótida.

Em 1890, Valentim (6) descreveu em literatura anatômica ligeiro "inchaço" em torno do nervo de Jacobson, denominando-o de gânglio timpânico.

Em 1941, Guild (6) descreveu pela primeira vez um enovelado neurovascular sobre o bulbo jugular, cuja função é semelhante aos quimiorreceptores localizados nos corpos aórticos.

Em 1945, Rosenwasser (6) reconheceu o descrito por Guild como tecido tumoral do ouvido médio e mastóide. Em 1951, ele mesmo relatou achados de 2,8 glomos em cada 88 ossos temporais estudados.

Diagnóstico

O diagnóstico precoce de tumores glômicos depende do alto índice de suspeição por parte do otorrinolaringologista, que deve estar disposto a efetuar uma avaliação completa do paciente, para determinar o tipo de extensão do tumor.

Embora saibamos que o diagnóstico definitivo do tumor glômico no ouvido depende, na maioria dos casos, de exame histopatológico, uma avaliação clinica e neurorradiológica adequada é necessária para indicar a provável presença do tumor.

Zumbido pulsátil é o sintoma mais chamativo de tumor glômico, além de perda progressiva da audição, normalmente de natureza condutiva, e episódios de sangramento agudo do ouvido. Podem ocorrer dor e desconforto na região da mastóide.

O envolvimento do VII par craniano ocorre por invasão da porção ascendente do canal de Falópio; do VIII par, pela erosão da cóclea; do IX, X e XI, por extensão ao forame jugular, e não raro do XII por envolvimento do canal do hipoglosso.

Uma das grandes dificuldades frente a esses tumores, particularmente o jugular, é estabelecer a sua localização.

No exame físico a avaliação otoscópica é muito importante sendo mais confiável se feita com o microscópio. Se as margens do tumor são reconhecidas em toda a sua delimitação através do tímpano, presume-se que o tumor esteja limitado ao promontório. Se a visualização do tumor, no entanto, estender-se ao ânulus, não há maneira de se determinar, à inspeção visual, se ele é timpânico ou jugular. Outras vezes a aparência difusa do tímpano poderá ser confundida com a presença de fluido seroso. A aplicação de pressão positiva durante a otoscopia permite ver as pulsações do tumor.

O movimento pulsátil da agulha do impedanciômetro é um. dos sinais objetivos mais valorizados no momento, frente a uma imagem otoscópica de provável tumor glômico (11).

Ocasionalmente o tumor, timpânico ou jugular, se estenderá até o canal do ouvido externo, dando um aspecto de pólipo aural. É neste caso que podem ocorrer episódios hemorrágicos espontâneos (5).

Numa avaliação audiológica, a maioria dos tumores apresentam perda condutiva de 30 a 60db (5). Outras vezes há perda neurossensorial por comprometimento de ambas as janelas, espira basal ou canal semicircular posterior (5).

O estudo radiológico politomográfico do osso temporal avalia detalhe ósseo do bulbo jugular, o canal auditivo interno e pode determinar a extensão da erosão do canal carotídeo. Enquanto a maioria dos tumores jugulares mostra erosão do bulbo, é possível ter-se um tumor pequeno sem qualquer destruição e diagnosticado através de venograma retrógrado, que é o método mais confiável de distinguir entre tumores glômicos timpânicos e jugulares (5). Se o material de contraste fluir livremente através do bulbo no seio sigmóide, o diagnóstico é de tumor timpânico. Havendo bloqueio do bulbo ou defeito de enchimento, está caracterizada imagem de tumor jugular.

Diagnóstico diferencial

1. Pólipo aural.
2. Granuloma de colesterol.
3. Bulbo jugular alto.
4. Hemotímpano idiopático.
5. Sinal de Schwartze.

Tratamento

Tumores glômicos pequenos e limitados ao promontório podem ser removidos por via transcanal. Um glomo timpânico que atinge o ouvido médio e mastóide é removido mais facilmente por via retroauricular, estendendo-se até o recesso do facial. Já o glomo jugular, dependendo de sua extensão requer exposição cirúrgica ampliada, abrangendo ouvido médio, mastóide, base do crânio e pescoço, para obter uma remoção em bloco.

A radioterapia é recomendada tanto para os tumores pequenos como para os mais extensos, com bom resultado (13), variando na literatura as doses mais adequadas.

Relato do caso

G.A.C.R., 52 anos, sexo feminino, encaminhada para diagnóstico e tratamento de tumor externo no ouvido direito.

História

Há 10 anos iniciou com zumbido constante e não pulsátil, hipoacusia progressiva no ouvido direito, concomitante ao aparecimento rápido de tumoração que veio a obstruir completamente o canal auditivo externa Sangramento esporádico por traumatismo local e secreção muito fétida. Há quatro anos foi tentada exérese do tumor no Uruguai, tendo sido interrompida a cirurgia por sangramento excessivo (sic).

Há dois anos surgiu paralisia parcial do nervo facial periférico. Nesta época foi feita nova tentativa cirúrgica no interior do Estado, sendo novamente interrompida por abundante sangramento (sic).

Antecedentes mórbidos: obesidade e hipertensão arterial sistêmica.

Exame físico

Massa tumoral obstruindo totalmente o canal auditivo externo e abrangendo parte do pavilhão auricular direito, com superfície recoberta de secreção purulenta em zonas de ulceração e necrose (Fig. 1), fetidez intensa, paralisia facial periférica, com pequeno desvio da comissura labial e dificuldade para o fechamento da fenda palpebral. À acumetria, Rinne negativo no OD e Weber lateralizado para OD. O exame audiométrico não foi realizado em razão da presença do tumor.
Exames laboratoriais normais.

Estudos radiológicos

Presença de alargamento do conduto auditivo externo à D, com indefinição de sua parede inferior, por erosão óssea que atinge o osso timpanal. Há imagem vegetante com densidade de tecidos moles no interior deste canal. Esta lesão estende-se até a caixa timpânica e hipotímpano, determinando velamento destas áreas. Não existem sinais de erosão das paredes da caixa nem da cadeia ossicular. Presença de velamento do antro-caixa e hipotímpano. O golfo da jugular é pequeno e não apresenta erosões (Figs. 2, 3 e 4).



Figura 1



Figura 2 - Conduto auditivo externo direito.



Figura 3 - Conduto audin~ (, externo esquerdo.



Figura 4.- Golfo da jugular.



Biópsia

Realizada com anestesia local, com retirada de segmento em cunha, com mínimo sangramento. Anatomopatológico de metaplasia escamosa com ulceração e tecido de granulação. Foi realizada uma segunda biópsia, mais profunda, com o mesmo resultado.

Por decisão conjunta com o patologista foi programada a exérese do tumor, com biópsia sob congelação, através de via combinada endo e retroauricular. Na cirurgia ocorreu desprendimento fácil-do tumor, acompanhado de sangramento difuso e abundante, controlado por compressão. Nos,cortes sucessivos da peça cirúrgica encontrou-se o'mesmo material das biópsias anteriores, salvo no pedículo, onde foi diagnosticado um paraganglioma (Figs. 5 e 6).



Figura 5



Figura 6



O exame do canal auditivo duas semanas após a intervenção permitiu visualizar pelo microscópio uma membrana timpânica íntegra, opaca, com vascularização aumentada (Fig. 7).

Audiometria pós-operatória mostra limiares normais no OE e disacusia mista no OD (Fig. 8). Tendo em vista o resultado anatomopatológico, foi programado estudo angiográfico do golfo da jugular, recusado terminantemente pela paciente a qual permanece em observação.

Summary

The authors report a case of ear glomus tumor present in the externa! auditory canal without the classic symptomatology. Additional considerations are made concerning treatment and differential diagnosis.



Figura 7



Figura 8



Referências

1. BALLENGER, J.J. - Enfermidades da Ia nariz, garganta y oído, 43:672-686, 1972.
2. BLASINI, EN. - Glomus jugulare tumors of the middle ear and.mastoid diagnòsis and surgical treatment. Laryngoscope, 86:1669-1678, 1976.
3. COCKE, W .E. et al. - Combined approach surgery for removal of glomus jugular tumors. Laryngoscope, 665-88, 1976.
4. COLE, M.J. - Glomus jugulare tumor. Laryngoscope, 1224-58, 1975.
5. GLASSCOCK, E.M. & ~SOME, G. - Glomus tumors: diagnosis and treatment. Laryngoscope, 2006-32, 1974.
6. GUILD, S.R.; KRAUSE, W et al. - in: Fernandez-Blasini, N. Laryngoscope, 86:1669-1678, 1976. 7. GUIMARÃES, R.E.S. et ai. - Tamores vasculares do ouvido médio. Revista Bmsileira de Oto-rino,laringologia, 42:128-131, 1976.
8. HANDEL, ES. et al. - Angiographic changes of head and neck chemodectomas following radiotherapy. Arch. Otolaryngol., 103: 1977.
9. HOUSE, EW. & GLASSCOCK, E.M. - Glomus tympanicum turnors. Arch. Otolaryngol., 87:1968. 10. LACK, E.E. et al. - Paragangliomas of the head and neck region. Cancer, 39:397-409, 1977.
I1. LOPES, O.C. - Aplicações clínicas da impedanciometria. Temas de Otorrinolaringologia, 6:81-105, 1977.
12. MELLO, L.R.P. et al. - Tumor de glomus da jugular. Rev Brasileira Oto-rino-laringologia, 37:260-265, 1971.
13. SIMKO, G.T. et al. - The role radiation therapy in the treatment of glomus juguláre tumors..Cancer, 42:104-106, 1978.
14. SMITH & SHINN - Glomus tympánicum excision by radial mastoidectomy exposure with autograft reconstruction. Laryngoscope, 431-435, 1975.




Endereço para correspondência
DR. RENATO COSTA DE OLIVEIRA Rua Mostardeiro, 333 - conj. 714 90000 - Porto Alegre-RS.

1 Professor Assistente de ORL da Faculdade de Medicina da UFRGS Professor Adjunto de ORL da Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre. Chefe do Serviço de ORL do Hospital Ernesto Dornelles - Porto Alegre-RS.
2 Médicos Residentes do Segundo Ano em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.
3 Médica Residente do Primeiro Ano em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.
4 Interno do Serviço em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.

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