Versão Inglês

Ano:  1986  Vol. 52   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 11 a 15

 

LARINGOESTROBOSCOPIA

Autor(es): MAURICIO SÃO TIAGO FULGÊNCIO 1
JAOR WERNER DE MENESES 2
ALBERTO SOARES TEIXEIRA 3

Movimentos laríngeos

A laringe humana apresenta movimentos de três naturezas distintas. Um grupo inicial'é o de movimentos extrínsecos do órgão como um todo, sobre as estruturas cervicais. E a ascensão e o descenso laríngeo durante a deglutição, movimento de fácil percepção para o examinador. Em segundo lugar há os movimentos esfincterianos. A laringe se fecha em dois planos durante a deglutição. Abre-se ao máximo durante a inspiração profunda e mantém-se em abertura média à respiração tranqüila. A dinâmica esfincteriana, função prioritária da laringe, cuja integridade nos é vital, pode ser bem vista na laringoscopia indireta. Compõem o terceiro grupo de movimentos as vibrações laríngeas para a fonação. Trata-se de grupo independente, muito sofisticado e invisível aos exames comuns. Mesmo a observação atenta não permite distinguir mais que um fino tremor das margens livres das cordas vocais durante a emissão do tom laríngeo. O fenômeno deve-se à impossibilidade de o olho humano perceber movimentos de freqüência alta. O limite crítico da fusão das imagens depende e varia com a intensidade de iluminação do objeto cuja freqüência está sendo estudada. Cada imagem persiste 0,2s após sua exposição A freqüência de vibração das cordas vocais é de tal .ordem que não percebemos o movimento durante a emissão do tom fundamental laríngeo. Assim, todo o complexo mecanismo da emissão do tom tem sua representação, ao exame como mera imobilidade na linha média, ou, no máximo, oscilações insignificantes. As cordas vocais vibram lateralmente. Em condições normais suas margens estão unidas no início e no fim de cada ciclo. A coluna de ar expirada força a separação das cordas, permitindo rápido fluxo de ar entre suas margens livres. O resultado é a criação de uma zona de pressão negativa entre elas, que tenciona no sentido de novo contato na linha média. Neste momento o fluxo de ar é interrompido e o fole pulmonar faz elevar-se o nível de pressão subglótica, até que, em determinado momento, separa as cordas -iniciando um novo ciclo. Há também um componente vertical no movimento. De muito menor amplitude, tem uma excursão média de 0,2mm contra os 4mm do movimento horizontal. O deslocamento vertical se faz no espaço livre do ventrículo laríngeo. A resultante é um movimento de forma elíptica, que não pode ser vista na laringoscopia.

A laringoestroboscópia

O princípio da estroboscopia foi descoberto em 1833. Vinte e um anos depois, Manoel Garcia realizava a primeira laringoscopia indireta. Os cientistas da época logo perceberam o alcance destas descobertas e em 1879 Oertel conseguiu estudar as vibrações das cordas vocais utilizando a estroboscopia. O princípio baseia-se na iluminação intermitente de objetos em movimento de freqüência constante. Quando a freqüência do movimento é igual à intermitência da iluminação, o objeta será visto sempre na mesma fase. Haverá a sensação de imobilidade. Provocando-se pequenos avanços ou atrasos na fase da luz, teremos o movimento aparentemente fixado nas diversas posições intermediárias do ciclo. Em outras palavras, poderemos discriminar todo o ciclo.

O laringoestroboscópio

Na Clinica de Otorrinolaringologia da FMUMG (DOO-Oto) utilizamos o laringoestroboscópio "TUR LS 1" há pouco mais de 10 anos. O aparelho é composto de quatro partes. A primeira é uma lâmpada capaz de produzir luz branca intermitente em qualquer freqüência programada bem abaixo e acima dos limites de freqüência da voz humana normal (Fig. 1). A segunda é um console provido de recursos de áudio e acumulador de energia (Fig. 2). A terceira é uma conexão eletrônica para ligar a região da cartilagem tireóide do paciente ao acumulador de energia (Fig. 3).



Figura 1 - A lâmpada estroboscópica.



Figura 2 - Console acumulador de energia.



Figura 3 - Pedal defasados conexão eletrônica.



Figura 4 - O laringoestroboscópio.



Figura 5 - O paciente em posição de exame.



Finalmente um pedal permite variar o ângulo de fase da luz intermitente (Figs. 3 e 4). O exame é, basicamente, uma laringoscopia indireta. A posição do paciente é a mesma, sendo o foco de luz convencional substituído pela lâmpada estroboscópica (Fig. 5). A função do acumulador é levar a energia até um nível subcrítico. O restante necessário para fazer brilhar a luz intermitente é fornecido pela energia mecânica da vibração das cordas vocais, captada pela conexão e levada ao acumulador de energia. Durante o exame, quando o paciente inicia a emissão do tom laríngeo, a vibração das cordas é transmitida para a superfície, captada pela conexão e levada ao acumulador. Esta energia vibratória adequadamente modificada representa o restante necessário de energia para iluminar o espelho frontal do examinador. Desta forma, se a vibração for de 180 ciclos por segundo, esta será a freqüência de iluminação de nossa estroboscopia. Fazendo variar o ângulo de fase por meio do pedal próprio, podemos obter a imagem estacionária ou o movimento lento, típico.
Comentários

O movimento vibratório para a fonação, talvez o de maior freqüência, o mais perfeito e mais sofisticado de um órgão humano, só pode ser visto e discriminado com dois recúrsos. O primeiro é a cinematografia de alta velocidade e o segundo é a laringoestroboscopia. Na prática, filmar-se a laringe a 40.000 imagens por segundo e projetar as imagens a 16 por segundo é possível. Representa uma redução de 250 vezes na velocidade Tàl estudo foi realizado pela "Bell Telephone Co" em New Jersey. É entretanto recurso inteiramente fora do alcance do laringologista. Contamos, desta forma, apenas com o recurso da estroboscopia para o estudo das vibrações das cordas vocais e suas alterações. Não se compreende como tal recurso possa ser tão pouco usado e desconhecido mesmo por parte do especialista.

Em publicação anterior relatamos 300 casos estudados-com este recurso, mostrando as diferenças de imagem. da laringoscopia indireta e laringoestroboscopia.

A vibração normal é vista como movimentos contínuos, simétricos e regulares. São achados anormais movimentos lentos, assimétricos, descontínuos, alteração na amplitude e direção das cordas. Uma corda pode se mostrar imóvel durante toda a emissão ou apenas.em determinado tom (lacuna tonal).

Em nossa experiência encontramos indicações diversas:

1. Em todos os casos de alteração de voz com laringoscopia indireta normal
2. Nos casos de discrepância entre a alteração de voz e os achados de laringoscopia.
3. Na avaliação do grau de acometimento da corda vocal em lesões neoplásicas, traumáticas ou inflamatórias.
4. No estudo das alterações funcionais de maneira geral.
5. Na avaliação. do resultado de cirurgia e microcirurgia laríngea.
6. . No acompanhamento do fenômeno de compensação em casos de paralisia da hemilaringe.
7. Na orientação ao fonoaudiólogo quanto ao progresso terapêutico.
8. Na pesquisa de sintoma precoce de malignidade (ex.: lacuna tonal).
9. Na avaliação de resultado de radioterapia em neoplasia de corda vocal.

Conclusão

A laringoestroboscopia é, na prática, o único exame capaz de estudar o movimento de fonação laríngeo. É exame inócuo de grandes recursos, factível em adultos e crianças. Permite o diagnóstico laringológico com muito maior precisão e muitos casos aparentemente inexplicáveis aos exames de rotina.

Referências

1. BRACKETT, I.P. - The vibralion of vocal cords at selecteds frequencies. Ann. OtoL Laringol, 57.556, 1948.
2. CURRY, R. - The mechanism of human voíce. London, J&A. Churchil, 1940.
3. FROECHELS, E. - The- question of origin of vibration of lhe vocal cords. Arrh. OtolaringoL, 66:5.12, 1957.
4. FULGÉNCIO, M. - Estroboscopia laríngea. Revista da Associação Médica Brasileira, 24:17, 1978. 5. VON LEDEN - The electronic syncron-stroboscope. Ann. OtoL, 80:88, 1961.




Endereço para correspondência
DR. MAURICIO SÃO TIAGO FULGÊNCIO Rua Selenio, 166
30000 - Belo Iiorizonte-MG.

1 Professor Assistente da Clínica Otorrinolaringológica da Escola de Medicina da UFMG.
2 Professor Assistente da Clínica Otorrinolaringológica da Escola de Medicinai da UFMG.
3 Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Escola de Medicina da UFMG.

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