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Ano:  1986  Vol. 52   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 07 a 10

 

CISTOS E FÍSTULAS DO DUCTO TIREOGLOSSO

Autor(es): JAIR CORTEZ MONTOVANI 1
JÚLIO CEZAR BERSELLI 2
CARLOS EDUARDO BACCHI 3

Resumo:
Através deste levantamento procurou-se estudar a embriopalogenia, o quadro clt"pico, o diagnóstico diferencial e o tratamento dos cistos e fistulas do ducto tireoglosso. Foram levantados 21 pacientes, dos quais 17 apresentavam cistos e quatro fistulas do dueto tireoglosso.

Introdução

O esboço principal da glândula tireóide aparece ao final da quarta semana de vida infra-uterina com um divertículo da parede ventral da faringe primitiva. Inicia-se no plano médio, entre os extremos ventrais dos arcos maxilar e hióideo (1 ° e 2° arcos branquiais). Primeiramente cresce em direção ventral, se introduz na substância do pescoço e logo no sentido caudal, passando ventralmente em relação aos brotos cartilaginosos que surgem nos 2°, 3° e 4° arcos branquiais e se desenvolvem até se converterem no osso hióide e cartilagem laríngea. Quando o extremo caudal do divertículo chega ao nível da origem traqueal, divide-se em dois lóbulos, diferenciando-se assim o istmo e as partes adjacentes dos lóbulos da glândula definitiva. O caminho de descida do divertículo faringeano é o trajeto ocupado pelo dueto tireoglosso (canal de Bochdalek). A partir da quinta semana de vida infra-uterina começa a formação do osso hióide (a parte central do corpo do osso) a crescer para diante, comprimindo e obliterando o dueto tireoglosso, que é assim dividido em segmento supra-hióideo (vestígio superior) e infra-hióideo (vestígio caudal). Ao final da oitava semana de vida infra-uterina estes segmentos atrofiam-se e desaparecem, restando como vestígio superior a depressão da base da língua, conhecida como forame cego, no vértice do "V" lingual e como vestígio caudal o lóbulo da tireóide (pirâmide de Labouette).

No desenvolvimento embriológico normal a conexão entre a glândula tireóide e o ponto de origem do processo tireoidiano, ao nível do forame cego na língua, é obliterada e desaparece. A persistência desta conexão resulta na existência de um conduto que se estende do forame cego, no vértice do "V" lingual, à região tireoidiana. Esta estrutura tubular é revestida por uma membrana epitelial definida e conhecida pela designação de dueto tireoglosso.

Havendo a persistência do dueto tireoglosso, após o nascimento, é evidente que a dilatação do mesmo, em qualquer ponto de seu trajeto, produza a formação de um cisto. Os cistos tireoglossos ocupam uma posição mediana, próximos ao osso hióide, e se abrem no exterior (fístulas) devido à manifestação secundária causada por trauma, fistulização espontânea ou cirurgias inadequadas.

Os cistos tireoglossos manifestam-se como um tumor ovóide ou arredondado, de tamanho variável, de limites definidos, geralmente móvel, localizado na linha média da face anterior do pescoço, nas seguintes posições: a. intralinguais: podem surgir ao nível do for-ame cego na base da língua ou se projetar para frente, ocupando a espessura do órgão, causando saliência, sendo forma clínica rara (Fig. 1); b. supra-hióideos: os cistos situados acima do nível do osso hióide podem estender-se para a região submentual, devido ao seu volume; c. tireóideos: situados entre a quilha da cartilagem tireóide e a borda inferior do osso hióidry sendo forma clinica freqüente; d. supraesternais: podem estar em qualquer ponto do limite inferior da cartilagem tireóide, até o manúbrio esternal, e correspondem ao segmento inferior do dueto tireoglosso.



Figura 1 - Endoscopia: lesão bem delimitada, com intensa vascularização superficial sem dreas de ulcerações, na base da língua.



Quando o tumor está em relação com a língua, pode-se observar disfagia e disartria, e mesmo dificuldade à movimentação da língua.

Quando o processo é completo, ao protrairmos a língua o cisto se eleva e a fistula se invagina. Pode-se também observar saída de secreção ao nível do forame cego à compressão do cisto.

As fístulas aparecem por trauma, fistulização espontânea (quando há processo inflamatório) e cirurgias inadequadas.

A punção aspiradora não deve ser realizada, pela possibilidade de transformar o cisto em fístula. O exame do líquido, quando se trata,de fístula, pode mostrar células epiteliais e neutrófilos sem características especiais. A fistulografia (radiografia com contraste) ajuda a evidenciar a extensão e o trajeto da fístula, determinando se esta é completa (atinge o osso hióide e sai em direção ao forame cego) ou incompleta (não atinge o osso híóide).

Material e resultados

As alterações do dueto tireoglosso observadas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu foram 17 casos de cisto tireoglosso e quatro fístulas (Tabela), sendo um caso de cisto intralingual (Figs. 1 e 2) já notado anteriormente por Bertelli et al. (1969).

Dos 21 casos, 16 ocorreram nas três primeiras décadas, sendo que 12 (57010) ocorreram nas duas primeiras décadas.

Quanto ao sexo, 14 eram do masculino e sete do feminino (3301o). A cor mostrou uma grande incidência para indivíduos brancos.

Estes resultados concordam com os de Michel & Calcaterra (1923), que mostraram uma prevalência de 23 casos nas duas primeiras décadas, para um total de 28 casos. Quanto ao sexo, uma proporção de 17 casos no masculino para 11 no feminino.

O tratamento realizado foi cirúrgico, utilizando-se a técnica modificada preconizada por Sistrunk, descrita pela primeira vez em 1920, quando incluía a remoção do cisto ou fístula, o - tracto, a porção central do osso hióide e dissecção da base da língua. para incluir o forame cego. Em 1928 este mesmo autor modificou sua técnica, para recomendar que a cavidade oral não precisava ser aberta. Em nenhum caso empregou-se a técnica descrita por Ombrendane, que recomendava a exérese total do osso hióide.


Tabela - Distribuição por idade, sexo, cor, tempo de história e resultado anatomopatológico



Comentários

As afecções que comprometem a linha média do pescoço às vezes são diferenciáveis apenas após a exérese completa, seguida pelo exame anatomopatológico. Este mostra cisto revestido por epitélio pavimentoso estratificado com o interior do mesmo preenchido por material amorfo, basofilico. O cório revela intenso acúmulo de tecido linfóide com hiperplásia de folículos linfóides ( Fig. 3).

Clinicamente o diagnóstico diferencial com doenças da tireóide, cisto branquial e faringotímico, higromas, linfoadenopatias cervicais, laringocele externa, cisto sebáceo e lipomas é difícil e freqüentemente requer exames complementares sofisticados, que não estão ao alcance de grande maioria da nossa população.

Outro aspecto é o tratamento cirúrgico inadequado ainda realizado com freqüência. Em um caso de fístula e um caso de cisto havia cirurgia anterior realizada no Serviço de Cirurgia Ambulatorial Dermatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu.

O receio de recidivas devido a restos germinativos não identificáveis a vista desarmada, bem como a suposição de que o dueto do cisto tireoglosso se ramifica ao nível do osso hióide, faz com que se preconize o uso da magnificação microscópica e do termocautério nas dissecções.

Nos casos de fístula de tireoglosso, para melhor orientação e segurança é aconselhável o uso de azul-de-metíleno cerca de 12 horas antes da operação, para que a fístula fique mais impregnada que os tecidos vizinhos.

As fístulas, segundo Mickel, aparecem por trauma, fistulização espontânea e cirurgias inadequadas. Mesmo a punção-biópsia, técnica tão comentada na atualidade, não deve ser realizada, pela possibilidade de transformar o cisto em fístula.



Figura 2 - Macroscopia: lesão cística, bem delimitada, medindo aproximadamente 1,5cm de di&metrq revestida por mucosa lisa e brilhante.



Figura 3 - Cisto tireoglosso à micnvscopta, revestido por epitélio pavimentoso estratificado com intenso actímulo linfóide no cório (hematoxilina-eosina 160x).



O exame do líquido obtido através da punção ou direto da própria fístula pode mostrar células epiteliais e neutrófilos sem características especiais. A fistulografia (radiografia com contraste) ajuda a evidenciar a extensão e o trajeto dá fístula, determinando se esta é completa (atinge o osso hióide e vai em direção ao forame cego) ou incompleta (não atinge o osso hióide).

A técnica preconizada é a de Sistrunk, descrita em 1920 e 'modificada por este mesmo autor em 1928. Consiste na remoção do cisto, o tracto, a porção central do osso hióide e dissecção da base da língua para incluir o forame cego. Em 1928 este mesmo autor modificou a sua técnica justificando que a cavidade oral não precisava ser aberta. Em nenhum dos casos relatados empregou-se a técnica descrita por Ombrendane preconizando a exérese total do osso hióide.

Conclusão

É importante o conhecimento da embriologia e fisiopatologia dessas afecções para o tratamento cirúrgico correto. A técnica recomendada deve incluir necessariamente a possibilidade de se remover parte do osso hióide.

Nos casos apresentados, a prevalência do aparecimento dos sintomas se manifestou meses ou mesmo anos antes da primeira intervenção cirúrgica, aparecendo com maior freqüência nas duas primeiras décadas de vida.

Summary

The.authors have studied the embriopathology, clinical features, differential diagnoses and treatment of thyroglossal cysts and fistulae.

The study has 21 patients, 17 of them with thyroglossal cyst and four with fistula.

Referências

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Endereço para correspondência DR. JAIR CORTEZ MONTOVANI Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP 18600 - Botucatu - SP.

1 Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
2 Médico Residente de Terceiro Ano de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
3 Médico Patologista da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

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