Versão Inglês

Ano:  1986  Vol. 52   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 13 a 19

 

AMIGDALITES - ATENDIMENTO NAS FARMÁCIAS

Autor(es): RAUL RENATO GUEDES DE MELO 1
MANOEL AFFONSO FERREIRA FILHO 2
ANGELA CRISTINA DE ALMEIDA BRAGA
REGINA AIDAR MENON 3
HOMERO GUSTAVO DE CAMPOS GUIDI
EGLÊ VECENANCIO
LÉO DAGUIAR PEREIRA
ZILDA BARBOSA
LUCIANO GUEDES DE MELO 4

Resumo:
Visando estudar o comportamento dos farmacêuticos de Campinas em relação a um caso de amigdalite viral, os autores percorreram 50 farmácias desta cidade, bairro e Centro, e chegaram às seguintes conclusões o primeiro socorro, nas classes de poder aquisitivo mais baixo, é feito nas farmácias. A medicação, além de errada, tem um custo bem mais elevado do que o necessário. A febre induz à antibioticoterapia. O atendimento no bairro é menos errôneo do que no Centro da cidade.

Introdução

Estudos publicados, em número crescente, na literatura médica mundial, vêm apontando a medicação nas farmácias e a automedicação como problema cada vez mais amplo, capaz de acarretar sérios riscos e prejuízos à saúde (2).

A observação, que não é nova, já justificou a adoção, por parte de muitos países desenvolvidos, de vários dispositivos legais para contornar a situação (1, 2). Partindo do controle rigoroso da indústria farmacêutica e atingindo especialmente a rede de comercialização, tais leis têm logrado algum êxito junto à população, conscientizando-a das propriedades, por vezes negativas, de certas drogas, bem como da necessidade do uso correto dos medicamentos.

No Brasil, a situação não oferece aparentemente maior gravidade, porquanto as nossas estatísticas são insuficientes para dimensionar a realidade do problema. Além disso, não existe fiscalização adequada sobre a produção e comercialização dos remédios; ocorrem numerosas apresentações para a mesma droga e, finalmente, o médico não é o único que prescreve medicamentos (1, 2, 3, 4, 5).

Assim, a livre comercialização representa, na verdade, o primeiro passo que leva à autoterapêutica e à prescrição medicamentosa por pessoas não qualificadas.

A partir dessa premissa e estimulados pela literatura médica recente, resolveram os AA. observar, na cidade de Campinas, em meados de 85, a conduta das farmácias quando solicitadas para o atendimento de determinada afecção otorrinolaringológica.

Material e métodos

Os autores elaboraram um quadro clinico fictício e característico:

"Criança de quatro anos apresenta há dois dias febre alta, dor de garganta, dificuldade para engolir, garganta muito vermelha sem pontos purulentos."

Essa história clínica foi apresentada por seis acadêmicos, vestidos de maneira informal, a 50 farmácias da cidade de Campinas, SP, distribuídas entre a área central (16) e periferia (34). Não houve discriminação entre balconistas, dono da farmácia e farmacêutico. A pesquisa foi conduzida com a maior naturalidade possível.

Após a "consulta", os dados relativos a diagnóstico, exame do paciente, encaminhamentos, prescrição de medicamentos, posologia e duração, além do preço do tratamento, foram cuidadosamente registrados.

Critérios

Considerando-se que o quadro era característico de amigdalite viral, aceitamos este diagnóstico como correto, assim como a não menção de qualquer diagnóstico, desde que sugerido tratamento consentâneo.

Quanto aos conselhos, julgamos obviamente o encaminhamento ao médico como o mais acertado, registrando, porém, os casos em que o atendente solicitou a vinda dos "pacientes" para exame, antes ou depois de alguma medida terapêutica, desde que apropriada.

Com relação ao.tratamento, consideramos o uso de analgésicos e antitérmicos como correto. Alguns medicamentos foram considerados incorretos, assim corno posologias inadequadas ou de duração insuficiente.

Resultados

Seguindo a ordem natural de uma consulta médica, apresentamos os resultados da pesquisa junto aos atendentes das farmácias visitadas.

Queixa, história e exame do `paciente"

Após a exposição da queixa e história, que não despertaram interesse por novos dados ou sintomas, registramos a atitude em relação ao exame da criança, arredondados os percentuais obtidos.


Quadro 1 - Disposição para examinar o paciente



Gráfico 1



Formulação do diagnóstico

No Quadro 2 encontram-se detalhados os resultados relativos ao fornecimento de diagnóstico.


Quadro 2 - Diagnóstico da patologia



Gráfico 2



Dos 14 diagnósticos recebidos, quase 80% estavam errados, distribuindo-se os acertos e erros, segundo o Quadro 3.


Quadro 3 - Acerto do diagnóstico




Gráfico 3




Tratamento

A maioria (80%) dos atendentes instituiu tratamento, notando-se ligeira discrepância em relação às farmácias do Centro da cidade, mais pródigas em receituário.


Quadro 4 - Instituição de tratamento



Os tratamentos considerados corretos predominaram nas farmácias de bairro, embora na grande maioria dos casos estivessem incorretos.


Quadro 5 - Acerto no tratamento




Gráfico 5



Em 20% das farmácias não foi instituído tratamento pelos seguintes motivos:

a. Necessidade de ver a criança antes de fazer o diagnóstico e o tratamento: uma farmácia central e seis de bairro.

b. Encaminhamento da criança diretamente ao médico: três farmácias de bairro.
Observação - Segundo o Quadro 1, em 16 farmácias os atendentes manifestaram interesse em ver a criança antes de outra providência, porém, apenas 10 resolveram não intervir no quadro quando os entrevistadores afirmaram a impossibilidade da vinda da criança naquele dia.

Sob o ponto de vista econômico, os resultados da pesquisa apontaram custos médios matematicamente iguais entre o Centro e o bairro = Cr$ 22.000. Os extremos variaram entre o mínimo de Cr$ 3.060 e máximos de Cr$ 45.000, no Centro, e Cr$ 78.000 no bairro.


Quadro 6 - Instituição de tratamento



Medicamentos

Foram receitadas 21 apresentações comerciais de medicamentos, distribuídas em: antibióticos e quimioterápicos, analgésicos e antitérmicos, antiinflamatórios, colutórios e descongestionantes.

Na classe dos antibióticos e quimioterápicos, os mais receitados foram a eritromicina e a lincomicina, superados pela associação sulfametoxazol-trimetoprim. Algumas indicações isoladas incluíram tetraciclina, penicilina e ampicilina.

Grande parte das prescrições era constituída por associações de drogas.

Os colutórios em spray e pastilhas anti-sépticas foram também muito indicados.

O ácido acetilsalicílico foi o analgésico-antitérmico mais recomendado, seguindo-se a dipirona e o acetaminofen.

Comentários

Na anamnese, verificamos acentuado desinteresse, por parte dos atendentes, em solicitar maiores informações e subsídios para orientar a medicação.

No exame físico, uma farmácia do Centro e 14 dos bairros pretenderam fazê-lo. A justificativa para a discrepância poderia relacionar-se ao maior volume de serviço no Centro ou ao maior interesse do atendente no bairro, pelos contatos freqüentes com os moradores?

Verificamos, também, quanto ao diagnóstico, que os atendentes do Centro da cidade foram mais ousados, pois procuraram diagnosticar no percentual de 56 contra 14. Entretanto, mais tentativas diagnósticos acarretaram maior incidência de erros (Quadro 3), 40% corretos nos bairros e 11% apenas no Centro.

Igual apreciação quanto ao tratamento (Quadro 4), mais consentâneo nas farmácias da periferia.

Quanto ao fator "preço", o gasto total nas farmácias - incluindo o valor dos medicamentos evidentemente fica muito aquém do valor de uma consulta médica em Campinas, a qual oscila entre 60 a 100.000 cruzeiros (Quadro 4) (6/1985).

Importa, entretanto, salientar que, na maioria dos casos, a terapêutica é incorreta, geralmente na base de antibióticos não indicados para a suposta virose.

É importante salientar que, no nosso meio, principalmente na classe média e na classe de baixo poder aquisitivo, é sempre a farmácia que, através dos balconistas, presta os primeiros socorros, orientando a medicação conforme o caso apresentado.

Em épocas passadas, talvez esse primeiro atendimento fosse feito com algum critério e conduta aceitável, porquanto o farmacêutico, geralmente diplomado e conhecedor da farmacopéia, poderia melhor orientar o procedimento.

Hoje em dia, o atendimento inicial é feito por balconistas, a grande maioria constituída de jovens despreparados, sem conhecimento da farmacopéia, os quais, empiricamente ou induzidos por interesse comerciai, passam a medicar erroneamente seus supostos "clientes".

Nas atuais condições sócio-econômicas do Brasil, uma atitude radical contra esse tipo de atendimento seria contestável, em face do seguinte:

a. O preço de uma consulta médica, em clínicas privadas, absorve o custo da medicação indicada.
b. O atendimento através do seguro (INAMPS), convênios, associações beneficentes etc., além de não estar ao alcance de toda a população de baixa renda, exige normas burocráticas que redundam em demoras, por vezes longas. A conseqüência é a busca do pronto atendimento, em geral nas farmácias, ou, o que é pior, em contato com vizinhos "entendidos", comadres, benzedeiras e, finalmente, o fácil recurso à automedicação.

Não acreditamos, em face do poder aquisitivo do povo, na possibilidade de solucionar a curto prazo o problema, o qual poderia ser apenas atenuado por medidas de ampla divulgação por parte das autoridades governamentais, em particular o Ministério e as Secretarias de Saúde

Assim, através dos diferentes meios de comunicação, principalmente da TV, afiguram-se-nos úteis companhas renovadas de orientação e esclarecimento sobre os males da automedicação e da "consulta" a profissionais não qualificados, sendo sempre preferível o recurso a ambulatórios médicos, municipais e estaduais, a instituições de beneficência e ao INAMPS, não obstante os trâmites burocráticos.

De outra parte, caberia ao Governo evitar a livre comercialização e impedir a venda de especialidades farmacêuticas sem prescrição médica, tal como ocorre nos Estados Unidos.

Conclusão da pesquisa

1. Para as classes de baixo poder aquisitivo, em Campinas, o primeiro socorro médico, nos casos mais simples, é feito, em geral, pelos atendentes de farmácias.
2. O custo de tal ocorrência é, em média, de Cr$ 890.
3. A medicação errônea, indicada pelas farmácias, é incomparavelmente mais cara do que a necessária (analgésicos, antitérmicos).
4. A grande maioria, evidentemente, não estabelece diagnóstico e, quando o faz, erra com freqüência.
5. A febre é o sintoma que induz à indicação antibiótica.
6. O atendimento nas farmácias localizadas nos bairros é mais aceitável do que nas do Centro da cidade de Campinas.

Summary

In order to verify the behavior of the drugstore's salesmen involving a case of viral tonsillits, the authors made an inquiry in 50 drugstores in the city of Campinas (downtown and peripherical arras) obiaining the following results. the first tare among the lowest income population was taken at the drugstore. The prescription was usually inadequate and more expensive. Fever induces always to the prescription of antibiótics The caro at the peripherical arcas is somewhat better when compared to the downtown drugstore.

Referências

1. BESTANE, W.J. - A gonorréia e outras uretrites na cidade de Santos, do Estado de São Paulo. Rev. Ass. Med. Brasil., 24:133, 1978.
2. BESTANE, WJ.; MEIRA, A.R.; KRASUCKI, M.R.; AUN, R.A.; COELHO, C.S.; CHAZANAS, W; PERI, E. & SLAWKA, S. - Alguns aspectos da prescrição de medicação para o tratamento de gonorréia em farmácias de Santos (SP). Rev. Ass Méd. Brasil., 26:185, 1980.
3. BESTANE, W.J.; MEIRA, A.R.; MELONI, W.; MARTINS, E.M.A.; PEREIRA, S.C.; ARMINDA, E.M.; TURINE, G.; SILVA, M.R.; SMIT, S.P. & SARAIVA, M.A. - Tratamento de cistite em farmácias de São Paulo. Rev. Ass. Méd. Brasil., 26:185, 1980.
4. CAMPOS, M.A.P. - Perfil do ensino farmacêutico no Brasil. Rio de Janeiro, Mec., Dir. do Ensino Superior. 1966. p. 112.
5. JOSÉ, N.K. - Atendimento de conjuntivite catarral aguda em São Paulo - Separata do Departamento de Oftalmo-ORL - da Unicamp - em publicação nos Arq. Bras. Oftal.




1 Chefe do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia da Universidade Estadual de Campinas e Médico Otorrinolaringologista do Instituto Penido Burnier.
2 Médico Otorrinolaringologista do Instituto Penido Burnier.
3 Acadêmicos do 6.° ano da Unicamp (1982).
4 Acadêmico do 2° ano da PUCC.

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