Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 371 a 378

 

DEMONSTRAÇÃO EXPERIMENTAL DA PRESÊNÇA DO BISMUTO NO TECIDO AMIGDALIANO Espectroquímica

Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO

Rio de Janeiro

Desde setembro de 1939 até março de 1943 realisamos uma série de pesquizas, originais e ainda inéditas, em estreita ligação como problema da ação do bismuto nas anginas agudas. No prefácio da nossa tése de concurso faziamos referência a essas indagações espectrográficas, histoquímicas e microquímicas, acentuando o valor do trabalho em equipe, mostrando "o quanto cada dia se torna mais indispensável a íntima associação do clínico com o laboratório". A essa nova ordem de cooperação experimental é que devemos os resultados que conseguimos e que damos a estampa pela primeira vez. Aos nossos prestimosos colaboradores agradecemos penhorados todas as atenções que nos dispensaram quer executando ou facilitando as respectivas pesquisas nos seus laboratórios.

Já tinhamos iniciado uma série de experimentações em coelhos e camundongos relacionadas com doses de bismuto e infecção estreptocócica, quando nos caiu ás mãos um trabalho publicado por PESCETTI, nos Arquivos Italianos de Otologia, dezembro de 1939. Procurava o assistente do Hospital Littorio de Roma relacionar a presença do bismuto no tecido amigdaliano e sua eliminação mais ou menos rápida com a sintomatologia da angina aguda. Baseado em, nossos estudos que cita e na experiência clínica do serviço do seu mestre o Prof. FERRERI, demonstra experimentalmente em tabela clara e explicativa, que depois de seis horas da injeção prévia no doente, a amigdala retirada cirúrgicamente examinada ao microscópio apresenta traços de bismuto, acentuando-se nas oito e dose seguintes para atingir o máximo nas vinte e quatro horas subseqüentes. Comenta o quadro experimental com as seguintes palavras: "A nostro parere questi risultati servono a dimostrare in maniera evidente la ragione della rapidità di azione del bismuto nelle malatite tonsillari. I dati clinici del MONTEIRO e i nostri risultati sperimentali addlimano quindi".

Decidimos em vista do exposto, fazer um plano de experimentações de laboratório de maneira a completar o trabalho italiano, procurando verificar si as conclusões deste seriam de fato confirmadas aqui. E mais ainda, verificarmos por outra série de pesquizas a presença do bismuto no tecido amigdaliano. Para consecução do que pretendiamos fomos procurar o Dr. Oliveira Castro, então diretor do Instituto Nacional de Técnologia, que nos orientou nas pesquizas, pondo a nossa disposição pessoal competente e material abundante para o que desejassemos.

Expuzemos nosso plano - verificação da presença do bismuto no tecido amigdaliano -; aconselhou-nos começar pela espectroquímica, dizia-nos, pois que ela é sensível para o bismuto até na proporção de 0,000.0001. O número é de pasmar, representante com todos os seus zeros do grau de sensibilidade do microgramo; e, nós que trabalharamos em animais de laboratório com contigramos, exultamos por ver quão interessantes seriam os resultados. E foram.

Devemos à gentileza do Dr. Ary de Aragão, tecnologista do mesmo Instituto, grande parte dos estudos que ora apresentamos. Os comentários a esse respeito serão apresentados à proporção que forem descritos os experimentos. Para resultado completo no ponto de vista técnico, não davamos conhecimento ao Dr. Aragão da maneira que procediamos. As primeiras amigdalas vinham calcinadas em pequenos embrulhos, rotulando-os por nomes e letras, guardando para nós o contrôde do caso. Assim fizemos várias provas de testemunho sem que o referido técnico soubesse do que se tratava, afim de conseguirmos maior rigor na experimentação.

A primeira pesquiza realizou-se em vinte e seis de Setembro de 1941:

INSTITUTO NACIONAL DE TÉCNOLOGIA

LABORATÓRIO DE ESPECTROQUÍMICA

Assunto: Pesquiza de bismuto em amígdalas

Interessado: Dr. Aristides Monteiro

Data: 26-9-41

Protocolo do laboratório: chapa 9-4,12

Resultado - Margarida - ausência
Yves - ausência
Olinda - ausência

a) Ary A. de Aragão
Tecnologista XVII

COMENTÁRIO - As amostras que serviram para essa e todas as experimentações seguintes constaram de amigdalas operadas em adultos, que nos dois últimos anos não tivessem tomado nenhuma injeção de bismuto. As amigdalas de Yves e a de Olinda, foram de pacientes que préviamente receberam 12 e 24 horas antes do ato cirúrgico, uma injeção de bismuto soluvel (iodobismutito de sódio, dose 0,02 de Bi) a paciente Margarida servia de testemunha. Diante do resultado negativo que se obteve, sabendo-se que a chama da combustão química da espectroquímica vai a 3.200 graus, lembrou o Dr. Aragão que se experimentasse sais de bismuto em que não entrasse o iodo, por ser esse corpo muito volatil. Foi o que fizemos injetando nos próximos pacientes o carbonato de bismuto, na dose de 0,30.

LABORATÓRIO DE ESPECTROQUÍMICA

Assunto: Pesquiza de bismuto em amígdalas
Interessado: Dr. Aristides Monteiro
Data: 29-9-41
Protocolo do laboratório: chapa 9-41, 4

Resultado:
Euridice - ausência
Maria - ausência
Amostra B - ausência
Amostra A - ausência

Injeção de bismuto - presença

a) Ary A. de. Aragão
Tecnologista XVII

COMENTÁRIO - Ao examinarmos o protocolo acima, verificamos que nas doentes Euridice e Maria cujas amigdalas foram retiradas doze e vinte e quatro horas após a injeção de bismuto os resultados foram negativos. Não se verificou a presença do bismuto no tecido amigdaliano calcinado. As doentes A e B que serviam de testemunhas tambem foram negativas. Levamos uma empoula do preparado que injetamos e foi positiva no espectrograma a presença do sal de bismuto. Este tinha... Desta vez usamos o carbonato de bismuto, insoluvel.

Resolvemos continuar nossas pesquisas, experimentando um outro sal de bismuto, soluvel, o tartaro-bismutato de sódio

LABORATÓRIO DE ESPECTROQUÍMICA

Assunto: Pesquiza de bismuto em amígdalas

Interessado: Dr. Aristides Monteiro

Data: 5-10-41

Protocolo do laboratório: chapa 10-41, 1

Resultado:
Testemunha A - ausência
Testemunha B - presença
Doente C - presença
Injeção de bi. - presença
a) Ary A. de Aragão
Tecnologista XVII

COMENTÁRIO - Os resultados mais contraditórios surgiram neste quadro. Examine-se com atenção e verifique-se como a situação anterior se modificou. Até então tinhamos lavado as amígdalas extirpadas em agua corrente e feito certa pressão digital para livrá-las de sangue. Lembramo-nos dos experimentos de AUBRY e AZOULAY que verificaram a presença do bismuto na saliva do paciente depois de 22-24 horas de injetado o preparado e resolvemos fazer uma variante nas verificações espectrográficas, sem darmos conhecimento prévio ao Dr. Aragão. Na testemunha "A" lavamos a amigdala em agua corrente durante longo, tempo. Na outra, testemunha "B", tomamos da amigdala e procedemos de maneira inversa, não a lavamos. A doente "C" tomou o bismuto 24 horas antes da operação. O que se lê "injeção" no relatório do técnologista, é o conteúdo da ampoula de tartaro bismutato de sódio, sal soluvel, empregado nesta experimentação pela primeira vez, com a dose de 0,038 de bismuto, por empoula de 3 cc. Os resultados foram os mais interessantes: a amigdala da doente que tomara bismuto com 24 horas de antecedência e que não fôra lavada apresentava-se positivo no espectrograma. Maior surpresa para o técnico foi a testemunha "B" apresentar tambem o mesmo resultado. Quebraramos uma empoula de Bi e irrigaramos a amigdala "B" com o seu conteudo, daí o positivo verificado. Contei-lhe o observado pelos dois especialistas franceses sobre a presença do bismuto na saliva, única e possivel causa de erro nos nossos experimentos. Combinamos de trazermos as amígdalas na próxima vez, sómente com o título de "amostra" e na sua presença lavariamos umas e outra não, de maneira a avaliarmos com segurança o resultado obtido. É a experimentação que se segue:

LABORATÓRIO DE ESPECTROQUÍMICA

Assunto: Pesquiza de bismuto em amígdalas
Interessado: Dr. Aristides Monteiro
Data: 14-10-941
Protocolo do laboratório: chepa 10-41, 2

RESULTADO

Amostra A - ausência, lavada.
Amostra B - presente em pequena quantidade, não lavada.
Amostra C - ausência, lavada.
Amostra D - ausência, lavada.

Injeção de bismuto - presença

a.) Ary A. de Aragão
Tecnologista XVII

COMENTÁRIO - As quatro amostras distribuimos da seguinte maneira: "A", representando a amigdala retirada 12 horas após a injeção; "B", amigdala retirada 24 horas após a picada; "C", amigdala testemunha, não tomou injeção; "D", amigdala de testemunha em que se fez o mesmo que na B do quadro anterior, lavando-se porêm depois. No residuo da injeção foi verificado haver bismuto. O sal empregado foi o mesmo da experimentação anterior, o tártaro bismuto de sódio. Assim, lavando-se préviamente as amigdalas extirpadas, eliminou-se a causa de erro do resultado anterior, confirmando nossa suposição baseada nos experimentos de Aubry e Azulay.

LABORATÓRIO DE ESPECTROQUÍMICA

Assunto: Pesquiza de bismuto em amígdalas
Interessado: Dr. Aristides Monteiro
Data: 20-10-41
Protocolo do laboratório: chapa 10-41, 3

RESULTADO

Jandira - ausência
Rosa - ausência
Zenaide - ausência
Injeção de bismuto - presença
Amostra A - presença
Amostra B - ausência

a) Ary A. de Aragão
Tecnologista XVII

COMENTÁRIO - Estavamos para finalisar as pesquizas, espectroquímicas e resolvemos fazer um último "test". As três amigdalas Jandira, Rosa e Zenaide foram retiradas depois de 12, 24 e 36 horas após injeção de um sal coloidal, o bismutoidal, que contem 8 miligramos de bismuto em solução aquosa de 2 cc. Lavamos cuidadosamente as amigdalas após a operação. No laboratório o tecnologista lavou-as novamente. Foram calcinadas na ocasião de se fazer o espectrograma. No produto injetado foi encontrado bismuto. Nos doentes A e B que foram testemunhas, verificou-se em A presença do bismuto; o técnologista ficou admirado, mas dissemos-lhe que tinha sido injetado bismuto em pleno tecido da amigdala extirpada logo após tê-la lavado no hospital. Guardaramos segredo do procedimento, para verificar até que ponto estava rigoroso o desenrolar da experimentação. Na testemunha B nada se fizera, o resultado foi negativo. Confirmaram-se pois totalmente as pesquizas anteriores. Todas as contraprovas que idealisaramos e executaramos, foram feitas para evitar causas de erro.

Não estavamos satisfeitos, ainda queriamos a confirmação em outros laboratórios dessas nossas primeiras experimentações.

Dirigimo-nos à São Paulo por intermedio do nosso prezado amigo e colega Dr. Jorge Queiroz de Morais, e pedimos-lhe fosse nosso intermediário junto ao Instituto de Técnologia de São Paulo. Na pessôa do Dr. Lourenço Barsteni encontramos a melhor disposição para executar o que pretendiamos, enviamos-lhe as amigdalas já em resíduo calcinado umas, outras, em natureza, para as diferentes pesquizas. A resposta (3-2-942) foi concordante em todos os experimentos com os do Rio: " O exame espectrográfico do material enviado (amostras de amigdalas, tratadas ou não pelo bismuto) foi negativo, não se demonstrando a presença do bismuto".

Não descansamos, durante o ano de 1942 nossa atenção esteve voltada para outros trabalhos experimentais apresentados em nossa tese de concurso. No nosso espírito permanecera a dúvida que ficaramos com os resultados negativos obtidos até então.

Retomamos a experimentação espectroquímica em 1943, queriamos uma terceira série de experimentações; dirigimo-nos ao Laboratório de Produção Mineral, do Ministério da Agricultura, procurando novamente realisar as mesmas pesquizas para ainda mais documentar nosso trabalho. Fomos apresentados ao Dr. Augusto Zamith, professor da Escola Nacional de Química, que prontamente acedeu aos nossos desejos, fazendo pessoalmente as pesquizas que solicitavamos. Entregamos as amostras 1, 2, 3, 4, 5, 12 e 13 lavadas anteriormente e calcinadas, - observadas as mesmas condições de experimentação -, que juntas a um sal puro de bismuto dos empregados nas pesquisas anteriores, foram levados ao espectrógrafo. Damos abaixo o resultado:

Amostra 01 - Na, K, Mg, FE, Si, A1.
Amostra 02 - Na, K, Mg, Fe, Si. Al.
Amostra 08 - Na, K, Mg, Fe, Si, Al.
Amostra 04 - Na, K, Mg, Fe, Si, Al.
Amostra 05 - Na, K, Mg, Fe, Si, Al.
Amostra 12 - Na, K, Mg, Fe, Si, Al.
Amostra 13 - Na, K, Mg, Fe, Si, Al.

"NOTA - Mg fracamente, assim como Fe, e Na.

Al - traços
Bismuto - ausência
Sal de bismuto - presente

"Juntamos uma chapa espectrográfica das amostras 12 e 13 e de um sal puro de bismuto para comparação.

a) Dr. Álvaro Zamith
Rio, 25 de Abril de 1943.

Esta terceira série de pesquizas veio demonstrar entre nós pela primeira vez, que o resíduo calcinado da amigdala palatina tratada ou não pelo bismuto, - pois entre as amostras experimentadas havia testemunhas -, contem magnésio, ferro e sódio em quantidade pequena, o suficiente para que a sensibilidade do espectrograma o acuse, e alumínio ainda em mínima quantidade, ou segundo a expressão do técnico: "traços".

Assim encerramos essa primeira experimentação realisada nos três laboratórios espectroquímicos de maior renome no Brasil, dois no Rio e um em São Paulo, com resultados inteiramente negativos quanto ao que nos propunhamos verificar. Nas mesmas condições de experimentação, com os mesmos aparelhos espectrografos, manejados por técnicos conceituados, os resultados foram concordantes em toda a linha. Podemos concluir pois:

1.°) A amigdala calcinada contem em natureza magnésio, ferro e sódio em pequena quantidade: "fracamente"; em mínima ainda o alumínio: "traços".

2.°) O bismuto nas condições acima experimentadas não foi evidenciado no parênquima amigdaliano.

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