Ano: 1934 Vol. 2 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (4º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 517 a 518
Soluto concentrado para a anestesia cirúrgica do tímpano (1)
Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ (2)
No n.º 3 de 31 de janeiro de 1928 do "Brasi1 Médico" publicava eu um estudo acêrca da anestesia cirúrgica do tímpano, concluindo por achar que o melhor método de consegui-la ainda era o emprêgo da mistura de Bonain. Como, porém, nesta, o anestésico principal era a cocaína, procurei modificar a formula, substituindo este anestésico pela tutocaina. Mais tarde, no n.º 31, de 4 de agosto de 1928, do "Brasil Médico", e no n.º 10, de novembro de 1929, dos "Archives Internationales de Laryngologie", comunicava eu ter conseguido uma fórmula mais perfeita, fórmula esta que teve larga divulgação. Por vários anos usei-a com o maior sucesso na anestesia oto-rino-laringológica, sôbretudo na anestesia da membrana do tímpano.
Aconteceu, porém, que a firma produtora da tutocaina, a Companhia Bayer, lançando no mercado a néo-tutocaina, retirou dêste a primeira, forçando-me destarte ao estudo de outros sucedaneos da cocaína.
Em um trabalho geral a respeito dos novos anestésicos de embebição, comunicado também; como os anteriores, a esta Sociedade, e, publicado na íntegra na , "Revista Oto-laringológica de S. Paulo", no n.º 1 de 1934, digo, de referência á anestesia do tímpano, que, com a butelina, obtem-se um sucedaneo da mistura de Bonain com a simples substituição da, cocaina por aquele anestésico; com a percaina e a néo-tutocaina (a pantocaina dos europeus) tal porém, não se consegue. Declaro ainda não ter até então chegado a obter, com êstes anestésicos, formulas que pudesse considerar definitivas.
O estudo que trago hoje ao conhecimento desta Sociedade é justamente relativo á obtenção de uma fórmula para substituir a mistura de Bonain. Resume-se no seguinte:
Glicerina neutra ............................... 2 cc
Néo-tutocaina ................................. aa 1 gr.
Acido fênico cristalizado sêco ........ aa 1 gr.
Mentol ............................................ aa 1 gr.
O modo de preparar é facil.Coloca-se a glicerina em um tubo de vidro, que se leva a banho-maria. Logo que o, líquido estiver suficientemente aquecido, junta-se-lhe a néo-tutocaina, e aguardam-se alguns segundos, até que a dissolução se complete. Acrescenta-se então o ácido fênico e, uma vez êste dissolvido, o mentol. Obtem-se assim um líquido xaroposo, transparente, incolor, que, com o tempo e por ação da luz, vai tomando colorido vermelho escuro.
A indicação primordial do emprêgo do soluto é a anestesia da membrana do tímpano. O doente cujo tímpano se quer anestesiar deve estar deitado com o ouvido doente para cima. Instilam-se sôbre a membrana umas dez gotas do anestésico, cujo período de ação deve ser de nunca menos de cinco minutos. Findo êste prazo, enxuga-se o conduto e faz-se a intervenção.
Quando a membrana estiver muito espessada, ou quando se tratar de furúnculo do conduto; o anestésico é posto em contacto com o ponto a ser operado por meio de uma pequena bola de algodão nêle embebida, e bem adaptada ao tecido.
O soluto tem sido igualmente utilizado na abertura de abcessos da amigdala, em electro-coagulações superficiais (leucoplasias), em galvano-cauterizações, etc.
A anestesia é perfeita, conseguindo-se, sôbretudo para a membrana, insensibilidade completa. Não tenho observado até agora efeitos cáusticos prejudiciais, nem manifestações de carater tóxico.
As vantagens da fórmula são, como na primitiva com tutocaina, atuar diretamente, possuir toxicidade muito menor, o não conter cocaina. Na mistura de Bonain esta entra na dose de uns 30% para o volume de líquido (1 gr. de cocaina para 3,5 cc de mistura). Na nova fórmula ha em 5,5 cc de anestésico 1gr. de néo-tutocaina, portanto 18%. De onde se infere que o soluto ora apresentado é cêrca de 40% menos tóxico e mais barato do que a mistura de Bonain, tendo ação analgésica equivalente e não contendo cocaina. Só usará ainda esta substancia o especialista que fizer questão absoluta de não a abandonar, o que é inconciência, se não fôr crime.
(1) Comunicação à Associação Paulista de Medicina, sessão de 17 de Novembro, 1934.
(2) Oto-rino-laringologista do Hospital da Santa Casa e da "Clínica Stevenson", Campinas