Ano: 1934 Vol. 2 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (3º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 499 a 516
SOBRE UM CASO AUTÓCTONE DE RINOESCLEROMA OBSERVADO EM INDIVIDUO DE RAÇA NEGRA. ESTUDO CLINICO, HISTO-PATOLÓGICO, MICROBIOLÓGICO E SEROLÓGICO (1)
Autor(es):
DRS. A. MARTINS CASTRO,
LUIZ DE SALLES GOMES
MARIO OTTONI DE REZENDE
Não constitue, o rinoescleroma, molestia cujo conhecimento esteja por ser feito. Os pesquizadores europeus, sobretudo balkanicos, já têm dito dele o que se poderia dizer. Mesmo entre nós, si bem que raramente observado, ha casos estudados por LUTZ, ATALIBA FLORENCE, J. MARINHO, REGO LOPES, ARÊA LEÃO e, com certeza, outros cujas publicações escaparam á nossa pesquiza.
Dentre os 9 casos citados por ARÊA LEÃO, como observados entre nós, pensamos estarem compreendidos os 7 de J. MARINHO, o de REGO LOPES e o de LUTZ, resumindo, assim, os casos brasileiros conhecidos em 9 ao todo, inclusive o que agora estudamos.
Dentre os casos de J. MARINHO, 2 foram observados em individuos de raça branca e, o que é curioso, 5 em pretos. Como veremos, a não serem estes, na literatura sobre o assunto, não encontramos mencionados outros casos em pretos.
Dos casos apresentados por J. MARINHO, excéto um dos dois brancos, que era europeu, o outro era "o de uma moça brasileira, de Minas, nunca saída do Brasil". Facto curioso, e que coincide com o observado em nosso caso, é que "os cinco pacientes pretos, de J. MARINHO, a-pesar-de adiantado o mal sobre o nariz, deformando-lhes os lobulos, substituidos por outros multiplos e volumosos, enchidos os orificios nasais pela fibrose invasora, em todos o mal se limitava exclusivamente ao nariz". No caso de nossa observação, a invasão do nasofaringe, propagou-se tambem ao oro-faringe deixando, porém, completamente livre o hipo-faringe e, o que é mais interessante o laringe. "A limitação, diz J. MARINHO, já a havia notado na doente o DR. WERNECK MACHADO. Já neste caso dava que pensar a não participação da garganta. Os autores viennenses, CHIARI a frente, precisamente nela localisam as primeiras manifestações do escleroma."
Esta mesma ausencia, porém, notei-a em todos os outros pretos, repete J. MARINHO e, tão fóra de regra lhe pareceu a garganta indemne, que mais de uma vez repetiu o exame do naso-faringe pela rinoscopia posterior e da laringe pelo laringoscopio". "Todos seus casos, de J. MARINHO, comprovados pela biopsia tipica, vacuolada com germens, do mal vienense". O caso de ATALIBA FLORENCE, um dos primeiros observados entre nós, tem como curiosidade a cura que se processou após uma febre tifoide que tivera o paciente. Aliás este facto já fôra notado em outros casos na Europa. A. ausencia do rinoescleroma, nas populações negras, da Africa, o que se deduz dos casos publicados, na literatura mundial, sobre o assunto, torna bastante interessante o relato de pacientes, nesta raça, notados entre nós, e, ainda, baseados nas observações do PROF. J. MARINHO, o facto que delas se destaca e é que só o nariz tomou parte no territorio comprometido pela molestia nos doentes pretos. Este facto continúa a ter confirmação relativa no caso de nossa observação. Outro facto é o de que a quasi totalidade de pacientes observados no Brasil, eram originarios do paiz, e não só daqui nunca saíram como tambem nunca estiveram em contacto com doentes vindos de fóra, o nosso inclusive. São pois, quasi todos, casos, autóctones. Infelizmente, o elemento etio-patogenico, do aparecimento da molestia entre nós, não pôde, ainda, ser determinado. Transmissão por contacto passado desapercebido? Aumento de virulencia do agente patogenico existente em estado de saprofita?
Eis a nossa observação:
José P. de A., brasileiro, de côr preta, tem, 36 anos de idade; reside e residiu sempre em Taubaté, na cidade, na rua Marquês do Herval, 273.
Inicio da molestia - A molestia que fá-lo procurar a Clinica Dermatologica do Prof. Lindenberg começou ha 6 anos e, informa o doente, por um eritema acentuado e pruriginoso na orla cutanea dos orificios inferiores das narinas e na parte inferior da mucosa das duas cavidades nasais. E tambem desse tempo um catarro nasal continuado, nem fétido, nem sanguinolento. O periodo de instalação da molestia não se fez notar por fenomenos dolorosos. Pouco tempo depois, de um e de outro lado do sub-repto, foram se formando placas ou zonas pequenas de infiltração dura, lenhosa e que se estendiam lenta, mas progressivamente, ás faces internas dos lobulos e ás do septo cartilaginoso.
Muito demoradamente foi a processo evoluindo, invadindo a mucosa e, pela extensão que tomava; mais e mais difícil ia sendo a respiração nasal. Finalmente, a lesão, por ultimo, ha cerca de dois anos, estendeu-se tambem á pele do labio superior, de um e de outro lado do sulco sub-nasal, nada mais sendo, como se vê, do que a progressão da que se observa no sub-septo. Até agora a parte mucosa do labio não está invadida. Só mais tarde, em data que o doente não sabe precisar, notou que a molestia propagava-se igualmente á garganta e á bocca. Vê-se, realmente, hoje, nas partes desses orgãos acessíveis á vista desarmada, que, formando uma só lesão, as alterações da mucosa estendem-se do faringe, da uvula, do veu do paladar, dos pilares, até a metade posterior da abobada pala-tina, estando completamente indenes a metade anterior desta, as gengivas, as bochechas; a lingua, o soalho da boca. Até afora, as lesões têm evoluído sem dôr.
Estado atual: - Toda a parte movel do nariz apresenta-se deformada, com acentuado achatamento volumoso das azas e da ponta, tudo determinado pela existencia de massas irregularmente globulosas, que se assestam na parte inferior das narinas, que aí proeminam, obstruindo-as, quasi de todo estenosadas pelas formações hipertroficas que invadem igualmente o septo e as azas do nariz, afastando-as dele e endurecendo-as de tal modo a não poderem ser levadas ao seu encontro.
Por isso a permeabilidade ao ar é reduzidissima, sendo o doente obrigado a respirar pela boca.
No labio superior, sobre o sulco sub-nasal, nota-se uma lesão do mesmo tipo das demais, distinguindo-se por ser, só ela dentre; todas, levemente exulcerada. As produções que assim deformam o nariz e obstruem as fossas nasais, e a que se localisa no labio superior, mais do que por tudo, caracterisam-se pela sua grande dureza, dureza elastica, condroide, queloideana. São produções em relevo, algumas muito salientes, confluentes umas com as outra; as das fossas nasais, indolores mesmo á pressão fortemente exercida. São de séde intra-dermica, indeslocaveis; de coloração levemente avermelhada as que se veem sobre as azas do nariz e labio superior, mais vermelhas, de superfície humida e luzidia as que se veem nas cavidades nasais. A superfície delas, salvo a do labio superior, é integra, não ulcerada. A pele circunvisinha ás lesões é de aspeto normal. Enfim, as lesões descritas formam, no seu conjunto, uma grande massa de tecido hipertrofiado, caracterisado essencialmente pela dureza lenhosa, por ela e pela séde, que justifica plenamente a denominação de "rinoescleroma" que lhe deram HEBRA e KAPOSI (Fotografia). (Fig. 1).
A lesão tem sido de marcha muito lenta, mas continuamente invasora.
Lesões das mucosas: - O naso-faringe, o véu do paladar, os pilares posteriores, a uvula, a aboboda palatina em toda sua metade posterior, mostram-se lesados, não sabendo o doente informar com segurança a data certa do aparecimento dessas lesões, mas afirma serem bem posteriores ás lesões nasais. Ha dois anos, talvez, diz-nos ele. Tambem ignora qual a sua sucessão nas diversas regiões. Afigura-se-nos, no entanto, que tenha a molestia se propagado da cavidade posterior das fossas nasais ao naso-faringe, desse ás outras e, por ultima, á região da abobada palatina só lesada, até agora, na sua metade posterior.
As alterações existentes nas regiões citadas continuam umas com as outras, sem qualquer porção de mucosa sã entre elas. Formam, então, uma só e vasta lesão que da parede posterior do faringe estende-se á metade posterior da abobada palatina. Na sua maior parte são levemente ulcerosas, de contornos nítidos, marcados por um bordo fino, muito pouco elevado, sem circinações e de coloração vermelha mais viva do que a da área que ele limita. A superficie da mucosa exulcerada é de côr vermelha mais acentuada do que a da mucosa sã; veem-se nela dispersas, e em grande numero, pequeninas elevações do volume de cabeças de alfinete que, mais do que pela saliencia que fazem, distinguem-se pela coloração amarela ou amarelada que contrasta coro o fundo vermelha. Dão, no entanto, em certos pontos onde são abundantes, um aspeto granitado á superficie lesada da mucosa. Não ha supuração, nem parece haver processo inflamatorio muito acentuado. Da uvula e dos pilares posteriores já quasi totalmente destruidos, restam septos em fôrma de bridas ou cordões, duros, espessados, de aspeto luzidio, cicatricial, de coloração esbranquiçada, fazendo crer tenha sido aí mais intenso o processo. No véu do paladar um processo analogo conduziu á aderencias.
Estas sinequias, que se encontram, quasi todas, ao nível da uvula, deixam de um e outro lado aberturas para o naso-faringe, sobretudo á direita onde é maior. Os pilares posteriores estão, tambem, comprometidos, o que não se dá com os anteriores, que se apresentam de aspeto são. A parede do faringe mesmo, no que se póde ver, apresentasse de aspeto normal.
Laringe - Nada apresenta de anormal, assim tambem o hipofaringe que se acha livre da molestia.
Naso-faringe - Pelo toque, através da fenda lateral direita, deixada pelas sinequias, o cavum acha-se cheio de um tecido mais duro que mole. O cateterismo, pelo mesmo caminho, não póde ser feito, senão em pequena extensão devido ás massas tumorais que preenchem a cavidade retro-nasal. O doente não se queixa de dôr alguma á deglutição para não importa que substancia, assim tambem o reflexo faringeo está bem abaixado, sendo que a sensibilidade está conservada.
O estado geral do doente tem sido e ainda é bom. A respiração nasal é quasi nula; á noite, quando deitado, é-lhe demais penosa. Secas a boca e a garganta, é obrigado a deglutir constantemente a saliva para humedecê-las. As lesões não são dolorosas; mastiga e deglute bem os alimentos. Indenes mostram-se os ganglios tributarios das regiões atacadas.
Na palpebra superior esquerda, na face cutanea, junto á comissura interna, quasi ao nivel do bordo livre, vê-se uma pequena saliencia achatada, do tamanho de uma lentilha e de fórma eliptica de côr amarela, dura e resistente, com a mesma resistencia das nasais. Pela côr e pela localisação assemelha-se a um tumor de xantelasma, mas este distingue-se pela dureza maior. O doente informa ser recente o aparecimento dessa pequenina lesão, cuja natureza a biopsia dirá qual seja.
Tratava-se de uma formação cistica de conteúdo sebáceo.
Estudo histo-patologico - Foi feita uma biopsia, retirando-se um fragmento grande da lesão localisada na aza esquerda do nariz, sem atingir a mucosa. O fragmento logo após excisado foi raspado na sua superficie profunda. Com este material fizeram-se esfregaços para a coloração de germes e semearam-se meios de cultura. Dividido em dois, foram os fragmentos fixados, um em formol a 10 %, outro em liquido de Bouin e corados com hematoxilina-eosina, hematoxilina ferrica (segundo Heidenhain) e Gíemsa.
Corte fixado em Bouin e corado pela hematoxilina-eosina:
Com um aumento microscopico pequeno que nos dá uma visão de conjunto do preparado, nota-se a grande extensão, em profundidade e em largura, de uma massa infiltrativa que ocupa o tecido cutaneo desde o derma papilar até o hipoderma, distinguindo-se desde logo que ela é incomparavelmente mais densa e coerente; no derma
profundo e no hipoderma do que no derma papilar e na parte alta do derma propriamente dito; naquelas zonas, o corte está intensamente corado, nestas ele é muito mais claro. Outra diferença de pronto notada com esse mesmo pequeno aumento é a existencia no derma propriamente dito, de numerosas lacunas claras, grandes umas, memores outras, redondas, ovalares, alongadas ou irregulares: são secções em diversos sentidos, de capilares sanguineos e de capilares linfaticos, com predominancia dos primeiros, mas uns e outros muito dilatados. Dispõem-se esses vasos ectasiados em muito maior numero no corpo papilar e no limite deste com o derme propriamente dito, vão rareando sensivelmente a medida que observamos o córte mais para baixo; vemo-los, então, em numero muito reduzido na massa infiltrativa maçiça da séde hipodermica. Alguns deles, dentre os mais altos no corpo papilar, chegam, tal o gráu da ectasía, quasi ao contato do epitelio, do qual apenas os separa uma estreita faixa de tecido conjuntivo muito rarefeito e pálido. Afôra a dilatação, em alguns enorme, não apresentam esses vasos alterações estruturais do seu revestimento endotelial. Os mais ectasiados são envolvidos por um tecido conjuntivo acentuadamente edemaciado, claro porque muito pouco corádo, com os feixes finamente dissociados. De permeio com esses dilatados veem-se muitos que não o são e poucos, principalmente sanguineos, de néoformação, em cujo revestimento endotelial notam-se as celulas de aspéto embrionario. Ao redor deles dispõem-se discreta quantidade de celulas linfocitarias. Outro elemento que chama a atenção e que existe em grande numero na parte alta do córte é o representado por grandes celulas pálidas, muito claras, todas grandes, mas de tamanhos diversos, de contorno nitido, de fôrma regularmente redonda, finas algumas arredondadas ou elipticas. Dispõem-se tais celulas mais vezes aglomeradas umas ás outras, menos vezes isoladas, predominando aquela disposição. Zonas ha no corte em que - já muito aglomerados e numerosos esses elementos - o tecido toma o aspéto espumoso, alveolar "en écumoire", aspéto que lembra o que se vê com frequencia em certos granulomas leprosos, onde abundam as chamadas celulas espumosas (Schaumigezellen). Esses elementos celulares são, no nosso caso, as chamadas "celulas vesiculosas de Miulicz", tão constantes e tão caracteristicas da infiltração rinoscleramatosa. Seus detalhes citologicos serão dados adiante. Outros elementos celulares notam-se ainda nessa parte do córte. Deles, são os plasmocitos os que, pelo numero, mais avultam. Mostram-se dispersos em todo tecido conjuntivo, sem que se apresentem preferentemente em disposição peri-vascular. Esparsos aqui e acolá vêm-se formações pequeninas, redondas, vivamente coradas pela cosina, maiores e menores, em grupos ou isoladas: são os corpusculos de Russell. Os linfocitos constituem outro tipo celular infiltrativo. Vêm-se linfocitos em grande numero, não sendo raras as zonas em que essas celulas se dispõem em ricos amontoados peri-vasculares. Encontram-se finalmente, em menor numero, mastzellen, eosinofilos, celulas epitelioides tipicas, com seus nucleos grandes, claros, vesiculosos. Todas estas celulas infiltrativas tão diversas e, dentre elas, algumas tão caracteristicas, têm como suporte ,um tecido conjuntivo visivelmente edemaciado, tanto mais edemaciado quanto mais proximo dos vasos dilatados, ao redor dos quais os feixes colágenos mostram-se muito claros; dissociados. Restam, no entanto, zonas nas quais esse tecido conserva os caracteres de, tecido conjuntivo normal, finamente fasciculado, em trajetos ondulosos, entrecruzando-se uns com os outros, com seu elemento celular caracteristico de nucleo alongado e de reação tinctorial basofila. Esses feixes são bem individualisados, formam faixas ou bridas estreitas ou largas que, como septos separam e limitam as zonas em que ele é edemaciado e onde; como se disse, abundam os vasos ectasiados e os elementos celulares descritos.
Finalmente, o revestimento é normal. Apenas mostra-se adelgaçado, porque repelido pela massa infiltrativa jacente no corpo papilar, no derma e no hipoderma. Em grande extensão do corte desapareceram os festões inter-papilares; ha uma leve queratose com zonas muito limitadas de paraqueratose. As formações epiteliais do derma desapareceram; não se vêm, então, na zona doente, nem glandulas sebaceas nem sudoriparas e de foliculos pilosos anotam-se apenas restos, mas reconheciveis. As glandulas sebaceas da zona sã, limitante com a zona invadida pelo processo infiltrativo, mostram-se normais, talvez um pouco hiperplasiadas. Resumindo os caracteres essenciais dessa zona menos invadida pelo proceso escleromatoso, diremos que um tecido conjuntivo em grande parte visivelmente edemaciado e ricamente vascularisado á custa de numerosos capilares dilatados e poucos néoformados, serve de suporte a uma infiltração celular difusa que se caracterisa essencialmente pela grande quantidade de celulas plasmaticas, pela presença de numerosas celulas vesiculosas, grandes e claras, chamadas "de Mikulicz" e de elementos redondos, isolados ou agrupados, de reação tinctorial intensamente acidofila, os "corpusculos de Russel". (Fig. 2.)
Passemos, agora, á descrição do corte, na parte ocupada pelo nodulo escleromatoso plenamente constituido.
Esta zona, de séde dermo-hipodermica, sobretudo hipodermica, sobresáe, desde logo, em contraste com a zona mais alta, pela abundancia da infiltração, pela coerencia dos elementos infiltrativos, pelos seus limites muito mais nitidos com as partes sãs ou menos invadidas. E' um aglomerado celular muito rico, no qual bem pouco se vê ainda de tecido conjuntivo e dos outros elementos normais, substituidos, quasi totalmente que foram, por uma massa infiltrativa constituida de elementos celulares abundantes e dispares.
Nesta zona é muito pequeno o numero de vasos sanguineos ou linfaticos dilatados, mas grande o dos vasos capilares sanguineos normais.
Dos elementos celulares componentes da infiltração destacam-se aqui, sobre quaisquer outras pelo numero e pelos polimorfismo, as celulas infiltrativas quasi exclusivas, e, bem dada, então, a denominação de "plasmona" ao processo histo-patologico do rinoscleroma. Não se lhes póde designar uma séde ou localisação preferente na massa infiltrativa; qualquer parte desta é sempre muito rica dessas celulas, tão elevado é o seu numero que zonas ha onda não é facil por entre eles distinguir tipos celulares outros. Se são numerosos, são tambem de aspeto polimorfo.
Vêm-se celulas plasmocitarias com sua forma tipica habitual: celulas grandes, esfericas ou quasi esfericas, com contornos nitidos, com o citoplasma quasi basofilo, nucleo grande, excentrico, esferico, com membranas aparentes e cromatina abundante disposta em blocos. Outras se vêm com o corpos celulares irregulares, nucleo tambem excentrico, mas, diferente daqueles, com a cromatina pulverulenta e dispersa no suco nuclear. Nestas o citoplasma é de reação tinctorial acidofila, mas de acidofilia desigual, não são raros os plasmocitos bi-nucleados, presos os nucleos um ao outro por um delgado filamento cromatico. Relativamente numerosos, por fim, são os plasmocitos com citoplasma finamente granulosos, com granulações oxifilas muito pequenas mas distintas umas das outras. Vêm-se plasmocitos em divisão mitotica. Predomina entre todas a fórma primeira. Ao lado das fórmas plasmocitarias com finas granulações citoplasmaticas oxifilas, vêm-se elementos celulares que lhes são muito semelhantes, dando a impressão de que constituem um estado evolutivo avançado daquelas. Estas celulas chamadas "celulas de Russell", são celulas grandes, bem maiores do que um plasmocito grande, algumas são mesmo desmedidamente aumentadas, por inchação ou estufamento (Quellung) de forma redonda regular. O que mais distingue, no entanto, estas formações; e mesmo as caracterisa, é uma condição especial e constante do seu citoplasma. Queremos referir-nos á sua eletividade tinctorial fortemente acidofila, notadamente pela eosina, acidofilia ao mesmo tempo intensa e igual. Nos córtes corádos pelo Giemsa elas se nos mostraram em uma coloração rutilantemente vermelha. Umas "celulas de Russell" são assim, mas, já outras, conservando sempre acentuada essa acidofilia citoplasmatica, distinguem-se por terem o citoplasma todo ele cheio de formações com o aspeto de pequeninas esferas encostadas umas ás outras, e não raro, deformadas pelas pressões que umas exercem sobre as outras. Essas esferulas de materia acidofila são, na mesma celula, de volume dispares, variam igualmente de numero. Essas formações, chamadas "corpusculos de Russell" encontram-se tambem, e não raro, fóra das celulas, isoladas ou agrupadas por entre as celulas componentes da infiltração. São evidentemente as mesmas esferulas acidofilas intra-celulares que se tornam extra-celulares por arrebentamento das "celulas de Russel", que as continham. Vimos nas preparações corados com hematoxilina ferrica (Heidenhain), onde eles se mostram muito escuro, de um azul quasi negro, esses "corpusculos de Russell" dispersos ou amontoados junto á "celulas de Russell" desfeitas. Os campos microscopicos mostram-se sapilcados de formações intensamente vermelhas, constituidas por essas formações descriptas e em seus diversos estados ou aparencias: celulas de citoplasma intensamente oxifilo, condensado e de aspéto gelatinoso, com pequeninas formações granulosas, com formações esferulas abundantes enchendo a celula ou esparsas, se rota as celulas que as continham, em numero variaveis no tecido conjuntivo ou entre as celulas infiltrativas. Admite-se que "celulas e corpusculos de Russell" são estados degenerativos hialinos dos plasmocitos. Os corpusculos; sendo pela sua constancia um dos elementos caracteristicos do processo histopatologico da rinoscleroma, não são, no entanto, exclusivos dele: os corpusculos de Russell, encontram-se, e com frequencia, em processos inflamatorios diversos e em neoplásias (sarcomas, etc.).
Fig. 1
Fig. 2 - Microfotografia em pequeno aumento de (70 x) mostrando a parte alta de um corte corado com hematoxilina-eosina.
Fig. 3 - Microfotografia com aumento de 175 x, de uma zona de corte onde mais abundante são as celulas de Mikulicz (Hematoxilina-eosina).
Fig. 4 - Microfotografia com aumento de 250 x.
Fig. 5 - Celulas de Mikulicz contendo bacilos. Reproducção de uma zona de preparado corado pelo Giemsa.
Fig. 6 - Bacilos de Frish (Klebsiella rhinoscleromatis) obtidos em cultura pura. Coloração pelo metodo de Hiss. 2500 x.
Nesta zona de infiltração mais densa encontram-se tambem as celulas de Mikulicz, a que frequentemente agrupadas em grande enumero em certos pontos, estando outros delas completamente livres. Mais que todas, elas caraterizam o quadro histopatologico do rinoscleroma e são as celulas de Mikulicz as que alojam o bacilo de Frisch, pela maioria dos autores, considerado o causador da molestia. Distinguem-se muito facilmente nos córtes, dentre as demais, pelo seu volume, sempre grande, pela sua fórma oval ou redonda, pelo seu agrupamento e mais que tudo, pelo seu citoplasma de estrutura alveolar, espumosa, muito palido. São geralmente mononucleadas, e, não raro o nucleo mostra-se fragmentado, mas sempre bem coravel; apresenta-se ás vezes preso aos septos que dividem o citoplasma em lojas ou alveolos, ás vezes repelido para a periferia da celula. Quando eles se reunem em grupos, em aglomerados de muitas unidades, dão ao tecido em aspeto caracteristicamente alveolar. Sobre a significação das celulas de Mikulicz divergem as opiniões. Cito aqui só duas: a de Kyrle, segundo a qual elas são de proveniencia plasmocitaria, são produtos de transformação dessas celulas, e a de Gans, já diferente e segundo a qual a celula de Mikulicz provem das celulas fixas do tecido conjuntivo (fibroblasto), por fazes sucesivas de transformação até a celula grande, de protplasma palido, reticular, contendo numerosos bacilos encapsulados. Elas
Podem conter um grande numero de bacilos e romper-se, libertando-os no tecido. (Fig. 5). Admite-se que são eles que tornam o citoplasma da celula alveolar, espumoso, bem como eles tambem os causadores do desaparecimento do nucleo de muitas celulas de Mikulicz. Por nossa parte temos a dizer que nas nossas preparações vimos certo numero de celulas epitelioides que, além de muita, grandes, apresentavam o citoplasma visivelmente vacuolisado e claro. Não podemos, no entanto, dizer que tais celulas epitelioides contivesem bacilos. Nós as vimos em preparações coradas pela hematoxilina-eosina, coloração impropria para a sua evidenciação. Nas preparações coradas GIEMSA reconhecem-se celulas eosifinofilasmastzellen-neutrofilos-dispersas por entre os plasmocitos e as celulas redondas. Não se mostram muito raras as celulas epiteloides. No meio dessa rica e variada infiltração celular, vêm-se muitos vasos capilares, mas muito raros os de aspéto de vasos néo-formados. (Figs. 3 e 4.)
Exames de Laboratorio
Colheita de material para exame bacteriologico
Após rigorosa asepsia da região tumoral com alcool-eter e tintura de iodo, foi retirado com bisturi um fragmento do tumor. Esta superfície de corte, bem como outras obtidas por nova secção do fragmento, serviram para fornecer o material necesario para as pesquizas bacteriologicas.
O produto da raspagem do fragmento de tecido: patologico foi esfregado em laminas e semeado em varios meios de cultura.
Exame bacterioscopico (Col. Gram)
Entre globulos de sangue e de leucocitos foi verificada a presença de bacilos Gram-negativos regularmente frequentes em cada campo microscopico. Não foi notada a presença de outra qualquer bacteria.
Culturas (observações em 24 hs. a 37,5º C.)
a) Caldo glicosado - Turvação com formação de película tenue na superficie do meio.
b) Agar-comum - Desenvolvimento abundante de cultura uniforme com enduto de consistencia mucosa e de coloração acinzentada, contínua em toda a extensão do meio.
e) Agar-sangue pe coelho Agar-ascite - Desenvolvimento tambem abundante e com o mesmo aspeto descrito antes.
Exames das culturas
a) - a fresco.
(entre lamina e laminula): Bastonetes imoveis.
b) - Col. pelo metodo de Gram: bastonetes Gram-negativos com extremidades arredondadas, óra aos pares, óra isolados, deixando entrever um esboço de capsula. A cultura original apresentava-se pura em todos os tubos.
c) - Col. pelo metodo de Hiss - Bacilo apresentando uma capsula grande e nítida. (Fig. 6) Germen aerobio facultativo.
Metodos bio-quimicos
O bacilo não produz indol, reduz os nitratos a nitritos e fermenta, na serie de Hiss, a dextrose e lactose (10 dias).
Diagnostico bacteriologico
Klebsiella rinoscleromatis.
Provas imunosorologicas
A partir de uma cultura de 24 horas, em agar comum, foi feita uma emulsão fórte do germen em 10 cc. de sôro fisiologico (4 alças diam. 2 mm.). Esta emulsão, aquecida a 60º C., 30 minutos, serviu para as provas seguintes: a) - Intra-dermo-reação - injeção intra-dermica de
0,1 cc. da emulsão de Klebsiella rinoscleromatis no doente de rinoscleroma e em dois outros com o diagnostico de leishmaniose, para controle.Resultado
b) - Reação de desvio do complemento (Bordel-Gengou)Resultado:
c) - Sôro reação de Wassermann: Doente J. P. (caso de rinoscleroma) - Resultado negativo.
EPICRISE
A rinite escleromatosa, como foi denominada pelos autores, devido a um estado catarral pré-escleromatoso, não foi observada em nosso caso que se encontra, já, em periodo tumoral, e destruitivo mais avançado. Tanto quanto foi possivel á inspeção do interior do nariz, nos pareceu existir um espaço afunilado de paredes lisas, em que não havia senão infiltração (das paredes; a secreção observada era mais de carater catarral que crostoso como mencionam os autores. A atrofia que parece existir na mucosa nasal não podemos afirma-la com a certeza que nos daria melhor visibilidade, que não nos foi proporcionada por ocupar o tumor, todo o introito e azas do nariz. Este tumor grandemente resistente á compressão não permite qualquer afastamento das azas do especulo nasal. E' possivel que com a marcha da molestia o carater de atrofia ozenosa, da afecção, dizem os autores, venha a firmar-se cada vez mais. As crostas, com a marcha da molestia, formar-se-ão em tal quantidade que uma ozena genuina mal poderá ser diferenciada de uma rinite escleromatosa. Erros graves têm sido cometidos por pesquizadores abalisados, e durante anos casos tais têm sido tratados como ozena, até que os primeiros sintomas do estadio hiperplastico do escleroma venha demonstrar o verdadeiro diagnostico.
Confundivel, ainda, são os casos de escleroma em inicio, sobretudo quando representado por nodulos que invadem o soalho nasal, septo e cornetos inferiores, deixando intactos os cornetos médios, com as eflorescencias luposas.
O nosso caso enquadra-se perfeitamente na descrição classica de como se apresenta o nariz nesta molestia. Os ossos do nariz apresentam-se como que comprimidos de dentro para fóra, dando, á parte média da parede nasal, uma forma alargada, achatada. Nos vestibulos do nariz uma formação tumoral com saliencias arredondadas e lobuladas de côr avermelhada, tanto no soalho do vestibulo nasal, quanto nas partes anexas do septo membranoso e das azas do nariz. Estas massas tumorais enchem, quasi que por completo, os orificios nasais e proeminam para o lado de fóra, espalhando-se pelo labio superior. Tão semelhantes são as lesões de um e outro lado que uma simetria evidente póde ser observada na invasão da molestia. Devido a infiltração das azas do nariz este tornou-se ainda maior, duro e tuberoso. Nas partes afetadas ha perda do sistema piloso. A motilidade do labio superior apresenta-se grandemente restrita. A infiltração do nariz externo é de consistencia dura, que dá ao toque e á compressão, sensação de tecido cartilaginoso. A pele sobre á lesão não apresenta mobilidade e não faz rugas. Existem erosões, aqui e ali, de carater superficial e que, geralmente, não se aprofundam, apresentando grande tendencia á cicatrisação. Uma ou outra destas erosões encontram-se revestidas de crostas. Estas erosões cicatrizam-se com grande formação conjuntiva e consequentes retrações cicatriciais quando chegar a completa atresia dos orificios nasais. Fechamento completo destes orificios não se processa, pois que permanecem, sempre, passiveis a serem sondados. Com a marcha das lesões produzidas pela infiltração escleromatosa, para a parte posterior do nariz, o estreitamento das coanas se dará, tanto pelo aumento de espessura da parte posterior do vomer, quanto da saliencia da trompa e de suas paredes laterais. Posteriormente, estas infiltrações serão convertidas em poderosas cicatrizes, partida do vomer e das paredes laterais, que obstruirão, por completo, os orificios posteriores do nariz, impedindo, em absoluto, a passagem da corrente aérea. No palato as infiltrações principais se assestam como no caso de nosso paciente, em sua face posterior. Aí se concentram massas tumorais, bosseladas, que estreitam as coanas de baixo para cima. A infiltração escleromatosa invadiu o palato mole, e a parede posterior do faringe, espessando-o, endurecendo-o, restringindo e evitando sua motilidade e, pelas cicatrizes viciosas consequentes, ligando-o á parede faringeana, obstruindo, por completo esta larga porta de comunicação entre a garganta e o epi-faringe. Em nosso doente estas sinequias descem bem baixo no hipo-faringe, ligando a uvula e a parte mediana do palato á parede do faringe, deixando, tão sómente, duas pequenas passagens virtuais, colocadas latemente, que parecem dar passagem para o vaso-faringe, mas que, no entanto, de fato, são, tambem, obstruidos pelas massas tumorais que enchem o cavum nasal. Os pilares posteriores são os que estão afetados, sendo que os anteriores mostram-se livres de qualquer lesão. A' lingua podem propagar-se a lesões descidas do naso-faringe, cerceando sua motilidade e, por vezes, prendendo-a a parede faringeana. Outras regiões da boca, amidalas, gengivas poderão ser afetadas. No nosso paciente porém, todos estes pontos apresentam-se indenes de molestia. Normal, tambem, se apresenta o laringe do nosso observado, parte esta que, como sabido, é das que mais sofrem com a invasão do processo escleromatoso. A região sub-glotica, é a que maiores tributos paga, constituindo a laringite sub-glotica hipertrofica. Esta laringite, de tendencia progressiva, leva, não poucas vezes, á pratica da traqueotomia, dada a simetria impertinente com que a molestia se distribue. A fixidez apavorante que o processo imprime aos tecidos a que se apega exprime bem o quilate do que se possa observar no ponto de vista das perturbações motoras que possam afetar o aparelho, tão caracteristicamente movel, do laringe, e com ela, as consequencias decorrentes. Ajunte-se a isto toda a especie de invasão conjuntiva, com as sinequias cicatriciais consecutivas, e ter-se-a o quadro dos perigos que podem correr os pacientes de tal processo morbido.
As vias aéreas inferiores são afetadas, muito mais raramente que o laringe e, quando assim, caminhará por propagação deste ultimo para baixo.
Entre as localisações raras mencionam-se os ganglios linfaticos, cuja invasão ainda não foi, positivamente, observada. A tumefação destes ganglios não constitue caracteristica do escleroma. Varias vezes têm sido observados endurecimentos e espessamentos das glandulas lacrimais e é provavel que sua infecção se tenha dado atravez o canal lacrimal. Um caso de infiltração escleromatosa, do conduto auditivo externo, observada por PICK, não deixa de ser sujeito a critica, assim tambem a publicação dos casos de PAWLOW sobre infiltrações escleromatosas no braço e perna.
Não parece haver duvida de que a molestia tenha, comumente, seu inicio na mucosa nasal. As observações publicadas, sobre casos de escleroma "primarios", do nariz não são sustentaveis. Quanto a idade em que a infecção se processa, varia desde a meninice até a mais alta velhice. Os incomodos sentidos pelo escleromatoso são, sobretudo, quando da não cooparticipação do laringe e vias áereas, geralmente, insignificantes. As perturbações que o fazem procurar o medico, com exceção das modificações externas do nariz, são as ocasionadas pela enorme perturbação na passagem da corrente aérea pelo nariz, a rinolalia clausa, a dureza do ouvido e as zoadas, estas consequentes da compressão e obturação das trompas pelas massas tumorais do naso-faringe. Só as modificações patologicas, para o lado do laringe, perturbam, de fato, o viver do escleromatoso; estas podem ir desde a falta de ar de pequena intensidade até a asfixia completa. Tambem, muito anteriormente a este estado já a rouquidão permanente livrará o paciente a procurar o medico. O escleroma, pelo que se póde deduzir de todos os estudos até agora feitos, não é senão uma molestia infecciosa cronica, cujo causador deve ser o chamado escleroma bacilo de Frisch. A contagiosidade é pequena, um convivio intimo e longo ou talvez, tambem, uma certa predisposição para a molestia são necessarios para a sua aquisição. O escleroma não parece ser uma molestia familiar, muito embora tenham sido observados casos da molestia em diferentes membros de uma mesma familia. Só uma meticulosa pesquiza nos territorios infetados e nas familias de doentes escleromatosos poderá nos fornecer ocasião de conhecer melhor esta questão. De inicio o escleroma com dificuldade poderá ser diferenciado da rinite atrofica ozenosa, não é possivel saber-se onde começa o escleroma ou onde acaba a ozena. Só o exame histologico poderá dissocia-las. Celulas de Mikulicz cheias de bacterias, deve-se pensar, pelo menos de acordo com os conhecimentos modernos, no escleroma "pois não se conhece uma segunda. molestia, em que se observem fórmas celulares vacuolisadas típicas e cheias de bacterias. E natural que quando do encontro de numerosas celulas, das do tipo Mikulicz, no tecido examinado sobretudo quando agrupadas, não se torne necessario que estejam cheias de bacterias, sobretudo quando o quadro clinico fale por um processo escleromatoso. O diagnostico diferencial deverá ser feito com o rinofima, com os tumores malignos e com a sifilis. Com o rinofima á confusão só será possivel, quando de um exame superficial. Tumores malignos e lues diferenciam-se do rinoescleroma pelo seu decurso, pelas ulcerações eventuais, pelas infiltrações ganglionares, etc. Tambem a simetria das lesões escleromatosas, com pequenas faltas de tecidos nos põe a coberto de confusão. As cicatrizes concentricas das coanas e do naso-faringe, o espessamento do septo nasal, as atresias do orifício que comunica a naso-faringe com o faringe bucal, ocasionadas pelas infiltrações e cicatrizes do palato mole, nos lembra o escleroma, muito embora a sifilis e a lepra devam estar presentes a nossa ideia nestes momentos. As perturbações escleromatosas do laringe confundem-se, sobremaneira, com muitas outras lesões infiltrativas e hipertroficas desta zona, de modo a dificultar o diagnostico diferencial - cordite vocal inferior, pericondrite, lupus, tuberculose do laringe, lues infiltrativa. Só o exame histo-patologico cuidadoso poderá, em muitos casos esclarecer, convenientemente, a situação. Infelizmente, quando se compulsa a literatura do escleroma, observa-se que grande numero de casos não trazem publicado o resultado do exame histo-patologico, o que faz pensar que muitos deles, tidos como de escleroma, não o são na verdade. A ação de outras infecções agúdas sobre a escleroma tem sido observadas muitas vezes e a literatura menciona, por exemplo, o retrocesso do escleroma após o tifo exantematico, o tifo abdominal, a erisipela. Tratar-se-a, aqui, da ação da alta temperatura como causadora da melhoria ou, quiçá, a de um antígeno especial, de tais molestias, sobre o virus do escleroma? O escleroma é uma molestia absolutamente cronica e não traz perigo de vida, para o doente, senão no caso do comprometimento do laringe. Se isto não acontecer o paciente poderá viver dezenas de anos em bôa saúde. Cura expontanea não existe.
A classificação das especies de bacilos, do grupo capsulado, ainda está em discussão. Assim autores ha que não vêm diferenciação alguma entre o bacilo de Frisch e outros do grupo capsulado: diplococus de FRIEDLANDER, bacilos ozena de ABEL-LOEWENBERG, bacilos de ESCHERICH e PFEIFFER.
Quero crer, diz S. BURACK, referindo-se aos resultados dos exames serologicos atinentes á reação de BORDET-GENGOU, com processo de diferenciação e isolamento da especie
escleromatosa de FRISCH "que seja muito cedo para se falar sem uma especificidade absoluta, desta reação serologica no escleroma, muito embora deva reconhecer nela grande utilidade pratica". Os casos em que ela se mostra fracamente positiva e mesmo negativa, de forma alternada, em casos clinicos evidentes, em ao mesmo doente e em espaço curto de tempo, não falam, certamente, contra seu valor.
ELBERT e GERKES só pouderam encontrar o bacilo de FRISCH em 56 % dos casos com BORDET-GENGOU fortemente positivo e diagnostico clinico de escleroma certo, ao contrario de outros autores, tais como PUTSCHKOWSKI, WIGRABOW, SZMURLO, que puderam encontrar o bacilo de Frisch, não só nos casos de Bordet-Gengou positivos, como tambem nos casos negativos e apresentando o quadro clinico de pura rinite atrofica ou ozena.
Em todo caso a reação serologica de Bordet-Gengou, ao dado de uma reação de Wassermann negativa, deve nos fazer pensar na possibilidade da existencia de um escleroma e nos deve levar a realisação de pesquizas outras que elucidem o diagnostico (exame histo-patologico e microbiologico).
Como tratamento em primeira linha as irradiações Roentgen. Se a intervenção cirurgica a auxilia, e até onde, não se póde, ainda, determinar. Operações de grande extensão não produzem resultados algum. As sinequias entre o naso-faringe e faringe serão selecionadas pelo cauterio, aliás, sem resultados. Nas membranas finas bastará a destruição digital. No laringe empregam-se pinças, curetas e, tombem, o galvano-cauterio. Dilatações, de formas a se conseguir passagem para o ar, são metodos correntes mas, sempre, de resultados de grande relatividade, devido mesmo, a tendencia á novas cicatrizes e a novas formações tumorais. De grande significação para a destruição dos produtos escleromatosos do nariz, garganta e laringe, é o emprego da Roentgen e Radiumterapia. Muitos autores mencionam bons resultados obtidos por meio deste processo terapeutico. A autovacina de PAWLOWSKI não está, ainda, resolvida. A malariaterapia empregada por HEINDL da mesma forma. As pesquizas com a thiosinamina, em injeções para amolecer as cicatrizes, não deram resultados satisfatorios. Melhores resultados foram mencionados pelo emprego do Trepol e Néotrepol e pelo tartaro emetico. O salvarsan não deu resultado algum. O emprego da neve carbonica e um grande numero de agentes quimicos: sublimado, acido lactico, solução de creosoto, acido fenico, acido pirogalico, tintura de iodo, acido salicilico, formalina, acido superosmico, sulfato de zinco,
nitrato de prata, arsenico, mercurio, não estão mais em ordem do dia, pois que os resultados obtidos foram quasi nulos.
O escleroma é grandemente difundido nos Balkans, na Hungria e na Galizia e invade as provincias russas limitrofes. Seu principal fóco é constituido por certas provincias da velha
monarquia Austro-Hungara, sendo que a Rumania e Bessarabia não devem ser desprezadas. Casos têm sido observados em toda Europa. Fóra da Europa tambem as Americas apresentam certo contingente de casos, assim no Chile, Del Rio registrou 30 casos, ARÉA LEÃO, em 1924, publicou no Brasil 9 casos, J. Marinho 7 casos, 2 em branco e 5 em negros, Adolpho Lutz - 1, caso e, ao que parece, o primeiro descoberto no Brasil, Ataliba Florente 1 caso, tambem dos primeiros observados no Brasil, Cornil e Alvarez 13 casos na America Central, MEYER publicou 16 casos observados em Norte-America em 1908 que ele atribue, todos, a imigrantes.
SNIJDERS, no entanto, observou 2 casos autoctones. Na India uma duzia de casos é mencionada por este mesmo autor. No Egito, na Algeria, em Marrocos, na Turquia e na Australia o escleroma existe, si bem que em pequena proporção. O clima não tem influencia alguma em sua propagação. A raça nada tem que ver com a molestia, ao lado dos slavos e judeos, os mais afetados, observa-se que nenhuma raça está livre da molestia. No Brasil tem sido observados varios casos na raça negra e dentre estes o nosso se inclue.
RÉSUMÉ
DRS. A. MARTINS CASTRO, L. SALLES GOMES e MARIO OTTONI DE REZENDE - "Sur un cas autochthone de rhinosclérame chez un homme noir".
Les AA. rapportent un tas autochthone de rhinosclérome chez un homme noir (mais né au Brésil), bien documenté par des examens histo-pathologiques, microbiologiques, sérologiques et clinique.
Les AA. conluent à la rarité du rhinosclérome au Brésil, puisqu'ils ont trouvé dans la littérature seulement quelques cas publiés, et parmi ceux-ci, il faut compter ceux qui intéressaient des immigrants arrivés ici porteurs déjá de cette affection.
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(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina em 17 de Outubro de 1934.