Ano: 1934 Vol. 2 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (4º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 393 a 398
SEIOS MAXILARES DUPLOS - UM CASO RARO DE SINUSITE EM UM SEIO ANORMAL DO MAXILAR SUPERIOR
Autor(es): DR. ANTONIO OLIVÉ LEITE (1)
No decurso de nossa profissão, não raras vezes, encontramos casos confusos e emaranhados, como o que é objeto desta publicação.
dentaria, desenvolvido num seio anormal, cuja observação é á seguinte:
O. T., solteiro, 30 anos, filho de O. T. Lavras-Sul. Conta que ha mais de um ano, teve grande dôr de dente, no incisivo lateral esquerdo, estando assim por muitos dias; após um lapso de tempo, que não precisa, notou no céu da boca; um pequeno tumor, de fórma alongada, muito doloroso, e que á pressão repercutia no dente, não saindo pús ou secreção qualquer, nem pelo incisivo (que estava aparentemente são, a-pesar-de incurvado) nem pelo nariz. Assim esteve cêrca de um ano, e como não cessassem as dôres, foi á um dentista, que aconselhou a extracção do dente. No áto operatorio, partiu-se este, em duas partes, ficando a corôa no forceps e a raiz no alveolo. O profissional tentou tira-la imediatamente, e, ao fazer a apreensão, subitamente sentiu que se escapava para cima, ao mesmo tempo que saía, sob pressão, um jorro de pús fétido e nauseabundo. Desde esse momento; o enfermo sentiu grande alivio. O dentista, julgando tratar-se de um abcesso ou uma sinusite, drenou-o, e depois, fez lavagens antisepticas durante 7 meses, sem que nunca o liquido da lavagem saísse pelo nariz. Resolveu, então, a conselho do Dr. Infantini Filho, vir consultar-nos, e aos exames submetidos, constatamos o seguinte:
A' inspecção notamos uma leve elevação da região geniana esquerda, com alisamento do sulco naso-geniano; fóssa canina: sem bosselura ou elevação, indolor á pressão; região alveolar esquerda: no lugar do incisivo lateral esquerdo, havia uma fistula, que sondada com estilete, caía em ampla cavidade, de superficie macia, tendo-se a sensação de que havia algo móle; região palatina esquerda com uma pequena tumefação alongada, que á pressão, deixava sair pús pelo alveolo. - Cornetos medios inferiores, normais. - Não havia pús nos meatos, nem no naso-faringe. (Diz o enfermo, que nunca assoou pús ou- secreção que tivesse aspeto purulento.)
A' transiluminação forte, tanto pelo transiluminador de Heryng como pelo de Hess, constatamos os seios maxilares claros, de conformação normal, assim como os seios etmoidais e frontais.
Seio maxilar esquerdo de conformação normal, claro, e acostado á sua face interna, uma sombra ovalar, de maior diametro antero-posterior, que comunicava com o alveolo do incisivo lateral do mesmo lado, recalcado para cima a face superior do palatino, deformando o soalho do nariz.
A radiografia de perfil (fig. 2) indicou-nos, na mesma altura, e na região maxilo-palatina, a mesma figura arredondada, que se prolonga em ovoide para traz, mais grossa anteriormente, recalcando para baixo a face inferior do palatino.
O seio maxilar direito está normal, e á seu lado ha uma cavidade, de aspeto escuro, de conformação similar á do lado esquerdo, com o angulo externo perfeitamente delimitado, podendo-se distinguir, a sua face inferior deitada sobre a região apical do canino, incisivo lateral e incisivo central direitos; sua face interna acostada á uma trabecula grossa, bem nitida, com o angulo inferior-interno, arredondado, assim como o angulo supero-interno, que serve de base á fossa nasal direita, e a face externa junto á face interna do seio maxilar direito normal, e cuja parede é perfeitamente visivel na radiografia junta. Ha, portanto, uma cavidade, perfeitamente identica á do lado esquerdo.
Durante os dias dos sucessivos exames, fizemos lavagens pelo canal alveolar, notando que nunca saiu, uma gota do liquido injetado, peio nariz. - Fizemos duas puncções diameticas do seio maxilar esquerdo, sem nada retirar, e á lavagem o liquido saia totalmente limpo.
OPERAÇÃO
Em vista do exposto, resolvemos opera-lo, o que fizemos no dia 9 de Abril de 1931, com a benevola assistencia do Dr. Carlos Poester, sendo praticada a operação de Caldwell-Luc.
Aberto o seio, pela fossa canina, deparamos com uma cavidade sinusal perfeitamente normal; abrimo-la completamente para pesquisar a anormalidade, que pelo estudo clinico, prevíramos. Depois de inspecciona-lo detidamente, introduzimos uma sonda de Itard no canal alveolar, e tocamos na parede externa da cavidade (interna do seio maxilar normal) e, pressionando-a fortemente, nós a transfixámos. Acresce dizer, que a face do seio normal, estava atapetada completamente pela mucosa normal, sem solução de continuidade, si bem que estivesse levemente vermelha. Depois completámos a abertura, destruindo a parede anterior do maxilar, assim como a parede isoladora, em todo o seu percurso, de diante para traz, numa extensão de 3 centímetros.
FIG. 1
FIG. 2
Pudemos, então, examinar e vêr o seguinte:
Uma grande cavidade de forma ovalar, com paredes osseas perfeitamente delimitadas, achatando-se em angulo agudo para traz, coberta de uma mucosa fungosa, de aspéto polipoide e sangrando abundantemente á curetagem. Com cuidado, e colocando o dedo na boca do paciente, curetamos a parede inferior, deslocando sequestros osseos do palatino esquerdo, e sempre com muita precaução e delicadeza, curetamos a parede superior e angulos externo e posterior. Depois completamos a operação, com a abertura da parede inter-sinuso-nasal, com resecção da cabeça do corneto inferior.
Drenagem nasal e sutura completa da incisão gengival. Cicatrização e sequencia normais. A raiz do dente foi encontrada na cavidade. - O doente acrescenta, que ha uns 8 anos teve, no lado direito, no incisivo lateral, fenomenos identicos, e que sendo extraído o dente, ficou bom com algumas lavagens, reiterando a sua afirmação, de que durante o tempo que fez esses curativos, nunca lhe saiu liquido pelo nariz. (Na radiografia nota-se a ausencia do incisivo lateral direito.)
ANATOMIA
As pesquisas que fizemos nos tratados de anatomia de TESTUT, e ROUVIÈRE, em pouco adiantou quanto á existencia de seios maxilares anomalos, sómente encontrando uma citação, pag. 202, Vol. 1º em que diz ter GRUBER visto, a1gumas vezes, seio maxilar dividido em 2 cavidades distintas. Na modesta literatura oto-rino-laringológica que possuimos, vem consignado a existencia de seios grandes, com prolongamentos para a apofise montante do maxilar superior, osso malar, e principalmente, para a região alveolar, escavando grandes cavidades, em cujo soalho vem fazer saliencia os apices das raizes dentarias. Ha um caso de G. GOUFAS, de Atênas, (Arch. Intern. de Laryng. 1929, pag. 970.) em que o seio maxilar enfermo, estava dividido em 3 compartimentos estanques, e cujos tabiques eram fibrosos; um caso dos Drs. LAFITTE, DUPONT e H. FISCHER, citado por Goufas, cujo antro era dividido por uma trabecula ossea; um de THEACHER NEVILLE, analisado nos Arch. Intern. de Laring. pag. 250, 1928, havendo a mesma disposição do outro lado, e diz ter encontrado em alguns chineses, a mesma anomalia.
ETIOLOGIA
As sinusites maxilares têm dupla origem: dentaria e nasal.
A dentaria lhe é particular e é a mais comum; a nasal é ligada ás outras sinusites de origens diversas. (coriza banal, gripe etc).
No caso em apreço, a etiologia é positivamente dentaria, pois que encontramos no paciente, diversos antecedentes daquela especie, e a sua historia não deixa duvida quanto a origem.
A infecção do seio suplementar, si o chamarmos assim, possivelmente foi directa, pois que a afirmativa do doente de que o dente era aparentemente são, é categorica, porem o fáto de se ter rompido no colo, ao ser extraido, denota uma fraqueza em sua constituição, e a dôr que sentiu tempos antes, póde bem ter sido a invasão do seio, pelos germens acantonados em alguma carie impercéptivel na região do cólo, e, corno não comunicasse com o exterior, fez-se a cavidade fechada, e a exaltação da virulencia micróbiana.
ANOMALIAS
O que desejamos deixar consignado nesta nossa observação, é que os seios suplementares se desenvolveram, á custa da superstructura do maxilar superior, invadindo e dissociando as táboas do palatino, e formando cavidades distintas do seio normal, pois as suas posições e suas configurações denotam um desenvolvimento embriologico distinto, o que corrobóra a opinião de alguns autores, de que as divisões osseas dos seios, são creados á custa de um desvio da invaginação da mucosa das fossas nasais, invaginação que seria a origem dos seios maxilares. (FISCHER.) O que firma mais a anomalia do nosso caso, é que, quasi sempre, os seios maxilares suplementares, têm um ostium nas fossas nasais, quer seja no meato medio, quer seja no meato superior. No nosso caso, não havia comunicação, de modo algum, com as fossas nasais. As suas posições, diretamente deitados sobre os incisivos e caninos, as suas direcções antero-posteriores, prolongando-se até perto do paladar mole, lhes dão tambem fóros anomalos, pois todos os casos citados, tem as posições transversais, e nascem diretamente, dentro dos seios maxilares. O caso em apreço, portanto, difere dos conhecidos, não só pelas suas posições anteriores sobre os alveolos dentarios dos incisivos e caninos como pelas suas direções antero-posteriores, e a ausencia de comunicação com o exterior.
CONCLUSÕES
1.ª - Póde haver sinusites, abertas ou fechadas, em seios maxilares suplementares, que oferecem reais dificuldades diagnosticas. Na diagnose diferencial com: quistos radiculo-dentarios que se desenvolvem no maxilar superior; quistos coronodentarios que se desenvolvem á custa de algum dente incluso no maxilar superior; quistos paradentarios, que evoluem no maxilar superior, recalcando a parede anterior do seio maxilar, até transforma-lo em uma cavidade virtual; com alguma das infecções de origem dentaria, tais como osteo-flegmões, que se exteriorisam em diversas direções, deve o clinico pôr todo o cuidado e atenção:
2.ª - Os seios suplementares, estanques, sem comunicação com o exterior, pódem, sem auxilio de radiografias, passar por um quisto para-corono ou radiculo-dentario;
3.ª - As radiografias devem ser tiradas de face e de perfil, afim de esclarecerem em profundidade e sentido transversal, a situação, localisação e posição do seio anomalo.
NOTA - O enfermo foi apresentado á Soc. de Med. e Cirurgia, desta cidade, antes e depois de operado, sendo revisado pelos colegas presentes.
Por uma gentileza e boa vontade do enfermo, abrimos o alveolo do incisivo direito lateral, e sondamos o seio anomalo, que tinha uma capacidade de 4 centímetros cubicos de água; fizemos a sondagem diameatica do seio maxilar normal direito, que tinha uma capacidade de 17 centímetros cubicos de agua.
RESUME'
DR. ANTONIO OLIVE' LEITE - Un cas rare de sinus maxillaire surnuméraire, avec sinusite d'origine dentaire.
O. T., homme, 30 ans, avec accidents dentaires depuis un ans: premièrement des douleurs, puis tumefaction inflammatoire au niveau de l'incisive laterale supérieure gauche. Après l'avulsion, soulangement des douleurs, mais on aperçoit la sortie continue du pus du canal alvéolaire. Le liquide injecté dans ce canal ne ressortait pas par le nez. La ponction diameatique du sinus maxillaire gauche, négative.
Par la radiographie des sinus de la face, on voit tout près du sinus maxillaire gauche, une ombre ovalaire qui est eu liaison avec le canal alvéolaire de 1'incisive laterale supérieure gauche. La radiographie en profil, identifiait la même ombre en longuer.
Opération de Caldwell-Luc: sinus maxillaire gauche normal; un stylet, introduit par le canal alvéolaire de l'incisive laterale supérieure gauche, ne ressortait pas a l'intérieur du s. maxillaire gauche, mais dans un sinus surnuméraire, a côté de celui-ci, separé par une mince paroi osseuse. La muqueuse du deuxiéme sinus était polypeuse avec du pus fétide.
L'A. falt des consídérations sur l'anatomie et l'étiologie des sinus surnumeraires et le diagnostique differentiel avec les kystes radiculo-dentaires du maxillaire supérieure, et la valeûr de la radiographie pour décèler le diagnostique.
(1) Oto-rino-laringologista em S. Maria, E. do Rio Grande do Sul